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O que isso implica para a demografia feminina?

Na manhã desta quinta-feira, dia 18 de janeiro, foi lançado os vencedores do 69° Shogakukan Manga Awards, premiação anual da editora Shogakukan, e com ela veio uma novidade: a premiação extinguiu as demografias como categoria para premiação.

Até então, a premiação se dava em categorias distintas: categoria Shoujo, Shounen, Geral e Infantil. Neste ano, porém, isso acabou e apenas temos os vencedores, sem segmentação. Os vencedores desse ano vocês veem abaixo:

  • Suuji de Asobo., Josei de Murako Kinuta;
  • Frieren e a Jornada para o Além, Shounen de Tsukasa Abe e Kanehito Yamada;
  • The Elusive Samurai, Shounen de Yusei Matsui;
  • Trillion Game, Seinen de Riichiro Inagaki e Ryoichi Ikegami;

Opinião

Eu não ia fazer um post falando do assunto, porque o que pensava previamente, eu comentei no Twitter do blog, mas como o assunto repercutiu bastante (não no blog, mas em outras páginas) e vi comentários bastante burros ou desonestos com relação a isso, decidi deixar registrado no blog em forma de texto.

Essa decisão da Shogakukan partiu da ideia de que “o número de leitores hoje em dia é muito mais difundido entre gêneros e idades” e que por isso decidiram abolir a premiação baseando por demografia. Eu vou repetir o que comentei no blog: Se por um lado (ou de forma superficial) essa decisão pode soar como sendo um sinal de avanço, por outro não podemos deixar de temer os rumos que essa ação pode levar no futuro e que pode não ser um futuro tão distante assim.

A repartição com demografia dava obrigatoriedade de, ao menos, uma obra de demografia feminina (seja ela Shoujo ou Josei) de ganhar a premiação anualmente, assim como tínhamos alguns pré-selecionados para concorrer ao prêmio nessa categoria. Com a extinção disso, não há mais essa garantia e obrigatoriedade da parte deles. É muito provável que daqui para frente, seja cada vez mais difícil ver uma obra da demografia feminina ganhando algo da premiação.

Eu vi muitas pessoas argumentando que com isso eles deixariam de levar em conta a demografia em si e passariam a selecionar obras “pelo conteúdo” e se “são boas obras” (se você acompanha o mercado nacional de mangás, provavelmente já ouviu as editoras usando esse mesmo ‘argumento’), e isso está certo, né? ERRADO! Temos que pensar que o sistema é feito por homens, para homens e para que validem suas ideias. Temos que reforçar que o que é feito por e destinado para mulheres é visto como algo supérfluo, degradante, de pouca qualidade. Eu volto a usar “Barbie” como exemplo: no ocidente, quantos não foram os comentários de homens desmerecendo a obra e colocando “Oppenheimer” em um nível mais acima, pois era conteúdo “de homem”? No próprio Golden Globe, o apresentador da premiação fez comentários misóginos sobre a obra, tendo diversos membros do filme assistindo, incluindo a diretora e criadora do filme.

Ainda no Twitter, comentei sobre aspectos de premiações Ocidentais e uso elas porque dizem a nosso respeito e estão mais próximas de nós. Disse que no último Oscar, surgiu um debate sobre as segmentações por gênero na premiação (melhor atriz e melhor ator, por exemplo), mas que sem elas, a quantidade de prêmios dados à mulheres seriam muito menores, ínfimas. Indo para o campo dos animes, podemos falar do Awards da Crunchyroll, em que nenhum dos animes concorrendo nas categorias principais são vindos de obras de demografia feminina.

A Deirdre, uma das mulheres que compõem o Pro Shôjo Spain (página especializada na cobertura da demografia feminina), comenta conosco que as premiações por gênero são obviamente retrógradas, mas o ponto é que justamente sem elas, não haveriam prêmios para mulheres.

Vale bastante a leitura do fio!

É sempre muito interessante notar que frequentemente, quando vemos alguém reivindicando o fim das demografias, isso parte de homens. Muito raramente eu vi mulheres falando tão fortemente sobre o fim das demografias e quando esse assunto surge, normalmente é quando se fala de Shoujosei, ou seja, de alguma obra de demografia feminina. Seja nessa ocasião, seja em outras das quais eu já vi, o fim da demografia é ~coincidentemente~ empregado quando temos mulheres falando da importância de suas existências e fazendo a defesa delas. O assunto nunca surge quando o otaku está consumindo seu Shounen de lutinha, engraçado, não!?

É importante lembrar que a demografia feminina não foi um espaço dado às mulheres ou que ‘já estava lá’. Foi conquistado e fortificado por elas. E como toda conquista por grupos minoritários e vulneráveis, eles estão passíveis de serem tomados. Ver a ação da Shogakukan como meramente sendo porque “a faixa de idade não corresponde mais” é de muita inocência a meu ver, porque essas demarcações de idade nunca foram tão fundamentadas assim, especialmente se você considerar que no Japão não há classificação indicativa como aqui (+14, +16 etc.). É tudo muito misturado e tem revistas que mostram muito isso, como a Cheese! da própria Shogakukan. Uma revista Shoujo que está cheia de mangá com cenas e propostas mais porn. A demografia se dá muito mais por um conjunto de características da forma de contar uma narrativa, bem como nas estruturas visuais e da própria forma de montar as páginas do mangá do que meramente com a ideia desse público.

A meu ver, a queda da segmentação por demografia é um sinal ruim. No futuro, veremos o tamanho da potencial tragédia que isso representa (ou não). Se antes havia uma obrigação em premiar ao menos uma obra de demografia feminina, isso não existe mais. Não acredito, ou melhor, não consigo acreditar que este seja meramente um sinal de melhoria ou “de progressismo” como alguns disseram (no mundo ideal, com certeza seria), mas sim um sinal de alerta para possíveis consequências ruins que virão.

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