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Uma fantasia muito bem embasada cientificamente!

É julho e esse mês marca a estreia do novo filme da franquia “Jurassic Park”, cujo filme original, de 1993, completou 22 anos em junho. “Jurassic World: Recomeço”, como o próprio nome sugere, é um reinício para a série que desandou muito no 3º filme de “Jurassic World”, lançado em 2022. Esse post não pretende a falar do filme, que nem vi e não sei se verei, mas sim do mangá “Santuário dos Dinossauros”, que fala justamente de dinossauros. Como as duas obras falam do mesmo assunto, mas com abordagens e questões muuuito diferentes, por que não tratar do mangá agora?!

Eu achei que “Jurassic World: Recomeço” seria lançado no meio de julho e quando fui começar a ler o volume #1, era justamente um dia antes da estreia oficial, em 3 de julho… mas tá, pelo menos o post está saindo em julho (ainda que no final do mês) e quando ele ainda está em cartaz, então posso dizer que consegui aproveitar a ocasião, rs.

“Santuário dos Dinossauros” é um mangá escrito e ilustrado por Itaru Kinoshita. A obra é lançada no Japão sob o título “Dino-san” (ディノサン) na revista Comic Bunch da editora Shinchosha, possuindo 7 volumes publicados atualmente (o mais recente, em janeiro deste ano). Além do Itaru no desenho e na condução geral da história, o mangá ainda conta com a supervisão de Shin-Ichi Fujiwara, que é pesquisador e professor universitário do Museu da Universidade de Nagoya (região de Chubu). No Brasil, o mangá foi anunciado pela MPEG em junho de 2024 e começou a ser publicado em agosto daquele ano. Atualmente, a editora publicou 3 volumes, sendo que o 3º saiu em abril de 2025.

Sinopse: “Em 1946, uma pessoa descobriu uma ilha onde os dinossauros sobreviveram até os dias de hoje. Através de reprodução e manipulação genética, os humanos conseguiram expandir a população de tais espécies e aumentar a sua popularidade. Até que um infeliz acidente, provocado por atitudes dos seres humanos, fizesse com a imagem de tais criaturas perdessem um pouco de seu brilho. A história acompanha Suzume, uma nova funcionária contratada pela Dinolândia de Enoshima, em um santuário de dinossauros em dificuldades, onde as criaturas fascinantes precisam de amor, cuidado e respeito dos seres humanos!”


  • História e Desenvolvimento

Confesso que a princípio, “Santuário dos Dinossauros” não era exatamente uma obra que eu tinha interesse. O fato é que o que mais me deixava positivo quanto à obra, e aqui, nem é sobre o mangá em si, é o autor ser um verdadeiro querido! Fez uma ilustração super fofa para servir de postal para a edição brasileira. E embora ache a temática do mangá legal, acreditava que seria algo mais fantasioso do que ele realmente é (explicarei mais sobre isso adiante). Não achei que seria uma obra que fosse me agradar tanto quanto realmente agradou. ^^

Indo para a história propriamente, o que temos aqui é quase como uma reimaginação de “Jurassic Park“, mas sem todo aquele espírito ou tom de “vilanismo” que a série foi ganhando com o passar do tempo (em especial, nos filmes mais recentes) em que a forma como retratavam os animais passou a ser voltada em como são grandes máquinas de matar, que se você for ver bem, isso é bem recorrente em obras que trabalham com animais gigantes. Nós temos aqui a premissa de que foram encontrados alguns dinossauros vivos em uma ilha chamada Barakan, uma ilha fictícia, e além disso, graças a experimentos genéticos, conseguiram recriar outras espécies em laboratório. Com o tempo e no passar das décadas, houve uma explosão desses dinossauros, que passaram a ser grandes atrações e permanecendo assim, confinados em parques como grandes atrações turísticas.

A protagonista da obra, a Suzume, começa a trabalhar na “Dinolândia de Enoshima”, um desses parques que possui ali pouco mais de uma dezena de espécies e que está passando por problemas financeiros. O que acontece é que, depois do grande boom de popularidade, e que muito está atrelado com a fascinação do público, a popularidade dos dinossauros entrou em declínio, principalmente após um acidente ocorrido em meados dos anos 2000 que terminou com a morte de uma pessoa. É o primeiro dia de trabalho dela na Dinolândia e nesse primeiro dia, ela acaba auxiliando na orientação de um grupo de visitantes. Esses visitantes são de uma escola infantil da região que levou a criançada a passeio para conhecer os dinossauros. Na ocasião, uma das crianças começou a chorar, pois estavam dando uma carcaça de cervo para um dos dinossauros (Gigantosaurus), o que eu achei meio macabro para crianças que devem ter uns 5 ou 6 anos, e ela não só acalmou a menina em questão, como também lhes ofereceu alguns conhecimento, como o fato de aves serem dinossauros, pois são os únicos do grupo (Dinosauria) que sobreviveu.

A Suzume é aquela típica personagem alto-astral, cheia de vida, positiva e bem sonhadora, assim como ela é idealista na maneira como enxerga os dinossauros. E uma personagem, claro, precisa de alguém para contrastar na personalidade e esse é o papel do Kaidou, que é veterano na Dinolândia, o responsável por alguns dos dinossauros do parque. Ele é quem dará a orientação dela nesses primeiros dias de trabalho. Ao longo desse primeiro volume, quase que a cada capítulo, nós somos apresentado a um dinossauro: o primeiro é focado na Yuki, uma Gigantosaurus; no segundo temos o Nico, um Troodon; no 3º e 4º capítulos, o destaque é para Masaru, um Triceratops; e por fim, no último capítulo do volume temos o Roy, um Dilophosaurus.

Os capítulos 1 e 2, a Suzume acompanha o Kudou. Nesse primeiro capítulo, além da visitação das crianças, o autor também aproveita para estabelecer algumas coisas do parque, como os ambientes, dinossauros que lá vivem, alguns tipos de hábito e também algumas concepções de visão entre os personagens. Por exemplo, as crianças têm concepções ligadas a sentimentos que sentem ao presenciar X coisa, então a impressão e julgamento é ligada a sentir medo ou não, ou achar engraçado/divertido, e por aí vai; o Kudou tem uma visão mais clínica e cética na maneira como vê os dinossauros, que de maneira nenhuma está errada; enquanto que a Suzume, como comentei, vê eles não completamente fantasiosa, mas ela projeta algumas emoções humanas neles que pode cair em algumas coisas perigosas. O que gosto na maneira inicial que ela vê as coisas é que ela se coloca numa missão de tentar quebrar algumas barreiras que se criou devido ao acidente de anos atrás, especialmente em relação ao medo, no sentido de as pessoas verem dinossauros como monstros.

O que eu penso é que há que se tomar cuidado. A gente não pode ver seres vivos (aqui é em se tratando de dinossauros, mas vale para o geral) nem com uma fantasia de que são nossos pets como um gato ou cachorro, mas também não pode se demonizar a imagem deles, porque corre-se o risco de atribuir emoções e sentimentos humanos e não é assim que a banda toca (e é em muitos desses casos que acontecem acidentes com animais), mas também não se pode considerar como apartados de todo o resto, isto é, ainda somos animais e fazemos parte da natureza. Se a gente se afasta nesse sentido, cria-se uma caricatura desses seres vivos e se inverte a lógica das coisas: “a natureza que precisa do ser humano” e não o certo que é “o ser humano precisa da natureza”. E nessa questão de caricatura, é daí que vem a ideia do dinossauro como uma máquina de matar, até por isso gosto da passagem do Kudou dizendo que eles são cautelosos, sentem medo, ficam doentes, assim como o ser humano ou outro animal.

Essa questão começa a ser discutida no capítulo 2 onde, por um problema no ar condicionado e um dos dinossauros estar engasgado com alguma coisa. A Suzume precisa ajudar o Kudou a imobilizar o Nico e retirar o que está preso na garganta dele. A situação quase sai do controle e acontece um acidente no local, o que deixa a Suzume com um choque de realidade ao perceber que a tudo é diferente dos sonhos e idealizações dela, mas não deixa de ser bonito ver a natureza como ela é! Nesse capítulo, o Nico estava chocando os ovos (e é o macho quem faz esse trabalho) e terminam por nascer no final do capítulo. ^^

Nos capítulos seguintes, a Suzume passa a acompanhar a Karin, outra veterana do parque, no trabalho dela e nesta situação, vemos a história da personagem com o Triceratops do parque. A Karin trabalha com ele há tempo, desde outro ‘dinoparque’ e foi lá que ela viu ele se machucar devido ao estresse. Naquela ocasião, ele ficou com um dos chifres preso entre as barras da grade de proteção, o que levou a quebra do chifre. Depois disso, a popularidade dele (Masaru) foi caindo, até o parque vender ele para outro parque, a dinolândia que ele se encontra atualmente. O grande problema é que chegou uma ordem de que se o Masaru não receber mais visitantes, vão vendê-lo, pois os custos para mantê-lo no parque são altos.

Um aspecto legal e vem como crítica é que esses animais, em boa parte, são frutos de experimentos humanos e dessa forma, eles são mais vulneráveis a doenças e causos do gênero. Esses experimentos requerem dinheiro, tanto na questão do cuidado desses animais, mas também pelo espaço que eles demandam para viver de forma minimamente decente também é grande. Estando em um sistema que lucro é a prioridade e isso passa por cima de qualquer coisa. Eles estão sujeitos a isso também e em dado momento do mangá, vemos como eles podem ser tratados como uma simples mercadoria que está passível de descarte. Uma parte do ser humano ter se apartado da natureza e se achar superior a ela vem do capitalismo também, e nessa lógica de produção, um dinossauro “defeituoso” é descartável. E se reflete não apenas na administração do parque, mas também nas pessoas em geral, que não veem ele como um animal, mas como um produto e que portanto, está lá para agradá-los. E dessa forma, um dinossauro sem um dos chifres, é igualmente “defeituoso”. O mais triste é saber que isso não é apenas na ficção, porém um reflexo direto da nossa realidade.

Zoológicos e Jardins Botânicos são importantes espaços de conservação de espécies, além de espaços que podem ser ricamente usados para conscientização da população quanto à importância dessas (e outras) espécies. Quando você terceiriza esses espaços, a mensagem de preservação até pode se preservar em algum nível, mas ela sempre vai estar abaixo do lucro. Há alguns meses, eu fui no Zoológico e Jardim Botânico de São Paulo (privatizados em 2021) e algumas coisas chamam atenção: no Zoológico, é evidente como querem reprodução das espécies para utilizá-las para atrações (leões vão para a atração do Safari que será inaugurado em breve) e em viveiros de aves, algumas aves de grande porte estão em espaços pequenos, que não dão liberdade para que consigam voar, o que só causa estresse nos bichinhos. O Jardim Botânica, que me é de muito interesse, chega a ser de enorme tristeza, pois ele está visivelmente abandonado (isso que a privatização foi vendida com aquela velha ideia falaciosa de “melhoria dos ambientes”). Enquanto que os animais chamam atenção por se mexerem, fazer sons e ficar mais evidente quando há maus-tratos, plantas não conseguem fazer isso, já que não possuem locomoção, “nem movimento” (não da forma como animais habituais) e menos conseguem expressar maus-tratos como animais. Aqui em Sorocaba, o prefeito (cretino) Rodrigo Manga quer um desmonte do Jardim Botânico da cidade (e sabemos que na real, ele quer destruir o Jardim).

Dito isso, é legal (e importante até) ver um mangá com esse tipo de preocupação, pois não é todo momento que se vê uma mídia dialogando com essas questões, como vemos, enxergamos e interagimos com a natureza. Mas não só a crítica a maneira como isso está posto, como também o autor aproveita desses momentos para traçar ideias e medidas que se pode fazer para contornar essas situações, não só para fugir dessas ‘armadilhas’ capitalistas, porém também pelo lado educativo da população geral. A ideia que a Suzume dá é de utilizar o chifre quebrado do Masaru para exposição, junto a informativos sobre ele e a espécie em si. Dessa forma, você traria não só a curiosidade do público com ele, mas um informativo sobre ele em si, o que traz a lembrança de que, acima de tudo, também é um ser vivo.

Tem um trecho de uma entrevista com a Cláudia Souto (autora de novela) que ao falar de “Volta Por Cima“, ela comenta que “Não basta apontar o problema, precisa criar um novo imaginário no país em que as pessoas conseguem reverter situações que no cotidiano as oprimem” (entrevista completa aqui). Essa fala é em um contexto racial, mas dá para extrapolar para cá: é válido apontar esse problema, porque é o primeiro passo a ser feito, entretanto é importante traçar novos horizontes e formas de agir para a transformação do pensamento das pessoas (Paulo Freire fala sobre isso). Fiquei particularmente feliz lendo esse trecho do volume e surpreso (positivamente) por ter algo tão rico e tão feliz na abordagem do tema! ^^

Esse mangá é um trabalho didático, com um texto bem mastigadinho para que o público geral consiga entender o que está sendo dito sem grandes problemas. No próprio mangá temos informações pautadas na realidade, como aves serem dinossauros, como também no final de cada capítulo, o Shin-Ichi Fukuda ganha uma página para escrever texto corrido com alguma informação discutindo algo abordado no capítulo. De novo, embasado por estudos científicos e até coisas que ele mesmo pesquisou e descobriu. O quadro (Diário de Pesquisa do Dino Lab do Prof. Dinossauro) é legal, visto que como esse é um mangá mais recente, tem informação atualizada e é um verdadeiro prato cheio.

Nem todo mundo deve saber, mas eu curso Licenciatura em Biologia na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e eu fiquei profundamente encantado em como o autor, juntamente com o supervisor, utilizam de aspectos da biologia para embasar a fantasia que é a obra. Fantasia (e histórias ficcionais em geral) por si só não tem qualquer tipo de compromisso em se basear na realidade, no entanto sempre acho bacana (e me enche os olhos) quando vejo uma obra tão dedicada em trabalhar com conceitos científicos que são eles divertidos e que podem, sim, ser aliados na condução da sua narrativa. Eu não sei como isso vai soar para uma pessoa que não tem interesse no assunto, porém acho tão incrível que dá para tirar vários aspectos, que valem até como curiosidade, como um ensinamento, se você fizer ponderações e algumas abstrações. Uns tempos atrás, estava conversando com o Gabriel (o fundador e dono da MPEG) e falei desse aspecto do mangá e ele comentou sobre a sogra dele estar usando o mangá com crianças do Ensino Fundamental II, o que é bacana e uma utilização prática do que estou falando. ^^

A última vez que vi esse tipo de recurso de usar ciência para embasar fantasia ser aplicado de forma tão magistral foi em “Tenchi Souzou Design-bu“, obra da Hebizou, Tsuta Suzuki e Tarako, que teve anime há alguns anos atrás. Na obra, Deus criou as coisas (o céu, a Terra etc.), porém quando chegou nos seres vivos, ficou tão repetitivo e enfadonho que ele terceirizou para uma equipe de design. É uma obra absolutamente genial! Recomendo muitíssimo que assistam ao anime (disponível na Crunchyroll). E eu sou muito a favor de usar esse tipo de material como uma oportunidade de criar interesse nas pessoas em aspectos científicos que são importantes, especialmente no nosso tempo em que a ciência é tão questionada e descredibilizada. E de novo, feitas as devidas abstrações, realmente acredito que tem coisas que possam ser utilizadas como recursos de ensino, seja com “Santuário dos Dinossauros“, que você pode utilizar tanto para elucidar algumas questões de como viviam esses seres, mas abstrair para entender como são as aves hoje, ou “Tenchi Souzou Design-bu“, que pode ser utilizado em um contexto de entendimento das adaptações ao ambiente e como funciona pressão de seleção.

Capa japonesa do primeiro volume de “Tenchi Souzou Design-bu”

Por fim, no final do volume temos a introdução do Shiranui, o veterinário do parque e responsável pela saúde dos dinossauros. Ele aparece e automaticamente você pensa: ele é o estereótipo do cara bonitão e mulherengo. PORÉM, ele vai em uma linha muuuito diferente do que eu esperava. De verdade, tive uma ótima surpresa com o personagem nas últimas páginas do encadernado e estou curioso com a figura dele. Não vou entrar em detalhes, porque em partes, ele é o gancho do volume, mas digamos que ele está lá para questionar algumas concepções dos personagens, rs.

Enfim, que volume ótimo!


  • A edição nacional

“Santuário dos Dinossauros” está em publicação no Brasil desde agosto de 2024 pela MPEG. A obra sai no formato 13,7 x 20 cm (mesmas dimensões dos mangás da Panini), tem capa cartonada com sobrecapa fosca e verniz localizado na ilustração, título, nomes e número do volume. O papel é o off-set 90g e inclui páginas coloridas no mesmo papel. De brinde, a edição inclui um marca página e dois cartões postais, sendo que um deles é exclusivo da primeira tiragem e foi feito exclusivamente pelo autor para o Brasil! O visual desse postal eu deixo mais abaixo. ^^. O preço capa é de R$ 39,90. Abaixo, vocês podem ver um vídeo curto mostrando a edição nacional em detalhes.

*vídeo*


  • Conclusão

A leitura de “Santuário dos Dinossauros” me rendeu uma surpresa positiva genuína! Adorei o mangá e pela discussão que me propus a fazer aqui, fica bem claro que tem muito o que ser falado da obra, pois é um mangá rico na maneira como está sendo executado. O autor pega uma proposta que poderia ser “ok” e dá a ela um toque para lá de especial!

Vale dizer que na loja da MPEG, o volume #1 já está esgotado, o que é um indicativo de que a tiragem esgotou na editora, então dá para supor que o mangá está indo bem, o que me deixa feliz pela qualidade que a obra possui.

O autor nunca vai ler esse texto, mas deixo aqui meus sinceros parabéns para ele pela criação e cuidado com a obra, e para o Shin-Ichi pela consultoria e material de referência! Recomendo vivamente a obra. ^^


  • Ficha Técnica
  • Título original: Dino-san (ディノサン)
  • Título nacional: Santuário dos Dinossauros
  • Autor: Itaru Kinoshita (roteiro e arte) e Shin-Ichi Fujiwara (supervisão)
  • Serialização no Japão: Comic Bunch
  • Editora japonesa: Shinchosha
  • Editora nacional: MPEG
  • Quantidade de volumes: Em andamento com 7 volumes
  • Formato: 13,7 x 20 cm; capa cartonada com sobrecapa fosca e verniz localizado
  • Preço de capa: R$ 39,90
  • Compre em: Amazon

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