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As confusões de amores adolescentes.

Já vamos nos aproximando do fim de dezembro e, portanto, reta final do nosso pequeno especial dedicado a dar atenção à produção nacional e ainda, é véspera de Natal. Para a ocasião, pensei em uma recomendação de obra bem leve (embora que ainda tenha seus momentos mais dramáticos) e é assim que chegamos em “Lebre e Coelho” ^^

Em 2021, uma das principais editoras do mercado de mangás no Brasil anunciava sua retomada aos quadrinhos nacionais. Na ocasião, duas obras foram anunciadas: “Rei de Lata”, do JEFF (resenhamos os 2 primeiros volumes dias atrás), e “Lebre e Coelho”, do Alec. “Lebre e Coelho” é um BL escrito e ilustrado pelo Alec. O mangá foi publicado entre agosto de 2016 e fevereiro de 2018, no Tapas. Em 2019, a série foi retomada para alguns extras, sendo finalizado em definitivo no começo de 2020. A publicação no Brasil se deu entre dezembro de 2021, quando foi lançado o volume 1, e novembro de 2022, quando saiu o 2º e último volume.

Sinopse: “Leon acaba de achar seu verdadeiro amor, mas como sua falta de noção não o leva pra lugar nenhum, sobra pro seu amigo, Franz, lidar com os pepinos. Parecia o plano ideal, porém, algo dará errado nesse processo… conseguirá a lebre frenética conquistar aquele coelho tímido? Ou será que o jogo vai ficar na mão dos predadores? Rápido, Larry! Feche a porta e traga o machado!”


  • História e Desenvolvimento

Resenhar “Lebre e Coelho” agora traz um sentimento interessante, pois de todas as obras nacionais que resenhei no mês (entre as já publicadas e as que ainda serão publicadas) ela é a única que eu já conhecia previamente. E não somente, é a única que já tinha lido na época da publicação independente! Lembro que conheci o quadrinho no Facebook (era por volta de 2018), no grupo do Blyme Yaoi, e lembro que fiquei maravilhado lendo por ser uma obra divertida de ler. Revisitando a obra hoje em dia, não só mantenho a mesma opinião, mas também percebo algumas camadas a mais que tornaram a leitura melhor. ^^

Em cada um dos volumes, nós temos uma narrativa sendo contada. No primeiro tomo, temos a história do Franz e do Leon, enquanto que o segundo vai tratar do Larry e do Jimmy. Em Lebre e Coelho (volume 1), temos o Leon que chega no seu amigo, Franz, dizendo ter encontrado o seu grande amor (que ele acabou de esbarrar nos corredores da escola). Decidido a conquistar esse amor, cujo nome é Jimmy, ele vai e “sequestra” o garoto, o levando para almoçar com ele, com o Franz e o Larry (que é amigo dos dois). O Jimmy fica completamente assustado com tudo aquilo, não para menos, e acaba se encantando mesmo com o Franz, que acaba sendo a primeira pessoa que é gentil e fala com ele normalmente na escola, e daí surge o problema principal desse volume, com o Jimmy tentando se aproximar do Franz, o Franz, por sua vez, tentando evitá-lo a todo custo, e o Leon, tapado do jeito que é, correndo atrás do Jimmy.

Obviamente as coisas vão escalonar e um conflito entre esses três personagens vai se formar, especialmente porque o Franz gosta do Leon há bastante tempo e nunca teve coragem de dizer isso para ele. Em se tratando de um romance, não é surpresa (ao menos eu não acho que deva ser) que o Leon e o Franz eventualmente vão acabar juntos, sendo que a grande diversão é o modo como isso irá culminar no relacionamento deles, ou seja, não é sobre o quê acontece, mas sim, sobre como acontece. E por ser justamente o como acontece que importa, que eu não vou entrar em detalhes dos pormenores desse desenrolar, mas digo que essa é uma narrativa bem clássica, com o conflito, a briga e aquele momento de “explosão” dos personagens, o que causa ainda mais dor e desentendimento entre eles resultando na separação, até eles, de fato, terem a chance de resolverem as suas respectivas pendências.

Mas se for comentar, enquanto lia o volume #1, a grande impressão que tive foi que o Leon era insuportável. Ele é um personagem que, por ser energético e impulsivo, acaba sendo invasivo e passando por cima das vontades dos outros (às vezes, muito além da conta). E nessa de tentar se aproximar do Jimmy, ele acaba assustando o garoto e sem querer, “empurra” para o Franz, que é mais controlado e “sóbrio”, o que faz com que o Jimmy, que nunca havia sido tratado com gentileza naquela escola até então, acabe se apaixonando por ele. Ao descobrir isso, claro que o Leon não vai ficar legal e vai sair culpando quem não tem culpa nessa história e no caso, vai sobrar tanto para o Franz, que foi envolvido no dilema, como também para o Jimmy que, coitado, nem tinha uma completa noção de tudo que estava acontecendo.

Nessa história, o Franz é o grande protagonista, e vamos ver como ele sofre com tudo aquilo por gostar do Leon, não ter tido chances de dizer e naquele momento, parecia tudo arruinado para eles. Essa briga vai levar os três personagens a tomarem atitudes que só machucam eles mesmos, mas também uns aos outros, como se os personagens castigassem todos (“Ninguém vai sofrer sozinho, todo mundo vai sofrer…”, como cantava Marília Mendonça).

Embora eu fale bastante do Jimmy, àquela altura, achava o garoto sonso. Toda a feição dele parecia falsa e, aos poucos, ao longo do volume, vai derretendo. Esse derretimento da própria imagem, torna o personagem genuinamente interessante, divertido e com camadas complexas, que serão exploradas ao longo do segundo volume.

Indo para o segundo volume agora, antes de mais nada, preciso dizer que gosto mais desse tomo do que do primeiro. O curioso é que quando li da primeira vez, anos atrás e mais novinho (eu devia ter uns 15 anos a época), gostava mais do primeiro casal da série do que do segundo (e nem lembro se cheguei a ler por completo a história principal do volume 2). Acho que com a idade (nossa, uma idosa), passei a me interessar mais por alguns temas e conseguir interpretá-los de forma mais profunda do que quando eu era adolescente. Enfim, o volume #2 adentra em alguns campos e assuntos que não temos no primeiro. Enquanto que o casal Leon x Franz tem uma vibe mais para cima, ainda que com dramas ocasionais e conflitos, o Larry e Jimmy trabalha com temas como um início de depressão, bullying, o sentimento de solidão e o isolamento. E ainda, algo que gostei muitíssimo é o fato do Alec “quebrar” o primeiro casal, no sentido de apontar os erros que eles cometeram e os preconceitos que criaram do Jimmy, pensando apenas no lado deles, denunciando uma certa hipocrisia.

Por vezes, podemos ter comportamentos de uma certa ‘vilanização’ do outro, favorecendo a nossa própria narrativa e forma de enxergar as coisas e é por isso que acho esse volume tão interessante. Ele está a fim de explorar esse outro da história, pois o primeiro volume é fechado na maneira que o Franz e o Leon veem e lidam com tudo, e é até interessante que a narração dos personagens induz o leitor a ver mais o lado deles, pois é a perspectiva dos protagonistas, enquanto que o segundo tomo vem quebrando essas concepções prévias dos personagens, tanto daqueles que seriam “os mocinhos” como de quem seria “o vilão” da história. O Alec, assim, coloca o Larry como essa figura “de fora”, que apenas observou os acontecimentos com certo distanciamento e, a medida que se aproxima mais do Jimmy, percebe que a visão contada pelo Leon e Franz, não reflete completamente a realidade.

Até então, o Jimmy assumia uma feição “inocente e pura” para tentar se enturmar com as pessoas, mas também para se aproximar do Franz. Quando tudo desmoronou, ele não via mais sentido em manter essa bravata, então passou a agir da maneira que mais lhe convinha e mais próxima do que ele era de verdade. Isso tornou o personagens mais sóbrio, sarcástico, irônico e mais ácido, o que deixou o personagem bem mais interessante e divertido. E para além disso, a química dele com o Larry é uma delícia. Eles possuem uma dinâmica maravilhosa e eu gosto que o relacionamento deles se consolidou por meio de conversas presenciais, mas a parte mais fofa mesmo, são das mensagens de celular que trocam durante a madrugada. Eles são fofos e tem uma energia mais sexy também.

E falando em ser sexy, tive um pouquinho de dificuldade em assimilar que os personagens eram adolescentes nessa releitura. Eu normalmente não paro para ler sinopse antes de ir fazer a leitura de uma obra e como fazia tempo desde que li da primeira vez, fiquei um pouco perdido com a idade dos personagens, ao ponto de achar que eles eram jovens adultos na faculdade, especialmente por algumas das situações do cotidiano em que aparecem, como por exemplo, em laboratório. Achei que o Franz estudava em alguma área química, rs.


Agora, uma coisa que não comentei em nenhuma resenha de quadrinho nacional postada até aqui e que vale para elas, mas também para as que ainda faltam postar, é que todas tem um Q de brasilidade que é bacana e importante. Sempre falo aqui no blog como a demografia feminina conversa muito comigo, pois a maneira como as autoras escrevem suas histórias, pensando em outras mulheres, fica mais palatável e ressoa mais em mim do que as obras feitas por e para homens (mesmo eu sendo um). Mas independentemente disso, “todas” essas obras são pensadas para os japoneses e por vezes, na sociedade japonesa e, embora tenhamos coisas que conversam entre sociedades, afinal, são todas frutos do sistema capitalista, então coisas vão bater, não tem o mesmo impacto de algo que foi produzido aqui e em diversos casos, pensado para a realidade brasileira. Então desde a ambientação, a maneira de falar, algumas expressões, os trejeitos ou coisas que fazem parte do imaginário brasileiro, estão presentes nesses trabalhos e considero importante até como uma afirmação de nós como nação e povo, além de tornar a experiência geral mais próxima e sentimental em alguns aspectos. Várias gerações de pessoas cresceram com “Turma da Mônica”, acompanhando desde a infância e até ajudando em processos formativos (de leitura e escrita), portanto, é simbólico termos nossos materiais sendo produzidos, mas também tendo a oportunidade de alçar novos patamares e alcançar mais público.

As obras resenhadas por nós este mês

Por fim, acho que vale a menção de que tem dois personagens que (re)aparecem no final do 2º volume e eu fiquei apaixonado nos dois. Já consegui vislumbrar uma série com eles, se conhecendo, virando um casal, dando uns pegas em outros caras… ai, seria tudo de bommm. E aliás, fico curioso para ler o Alec produzindo algo com personagens adultos. Acho que ele escreve muito bem e ter personagens adultos talvez abra um leque ainda maior de possibilidades e temas que possa explorar.


  • A edição

“Lebre e Coelho” e “Larry e Coelho” foram publicados no formato 15 x 21 cm, com capa cartonada com orelhas. Foi impresso no papel couché brilhocom 184 páginas no volume 1 e 160 páginas no volume 2 (todas coloridas). O preço de ambos os volumes é de R$ 49,90. Em breve (provavelmente, ainda hoje ou amanhã) upamos o vídeo mostrando os dois volumes da obra ^^


  • Conclusão

“Lebre e Coelho” é uma delícia de história, com personagens cativantes e que o autor faz questão de tratá-los como humanos que, enquanto adolescentes, cometem erros, ofendem, machucam, pedem desculpas e vão tentando levar a vida e seus amores. É um trabalho legal e sempre que penso em algum nacional para indicar, “L&C” é sempre um dos primeiros que me vem à mente. Fica a (grande) recomendação. ^^


  • Ficha Técnica
  • Título: Lebre e Coelho (volume 1)/Larry e Coelho (volume 2)
  • Autor: Alec
  • Serialização: Tapas
  • Quantidade de volumes: Volume único
  • Formato: 15 x 21 cm; capa cartonada com orelhas
  • Preço de capa: R$ 49,90
  • Compre em: Amazon