Uma obra que discute, de forma sutil, 'limites' de um relacionamento ^^

Uma obra que discute, de forma sutil, ‘limites’ de um relacionamento ^^

Quem acompanha o blog pode ter visto (ou não) nossa postagem falando de”A Sign of Affection” (Yubisaki to Renren), comentando um pouco do mangá e levantando aspectos fortes da obra. Pois bem, para quem não leu o post (recomendo que o façam), a ideia dessa série é apresentar mangás “alternativos” – shoujo, Yuri/GL, josei e BL -, apresentando por cima, características positivas que fazem gostar da obra e que instiguem o leitor a ir atrás desses mangás. Importante dizer que aqui, não daremos spoilers relevantes sobre o mangá. O ponto do post é focar em uma abordagem mais superficial e comentar sobre os temas da narrativa da obra. O objetivo final é fazer com que peçam o mangá para as editoras brasileiras e para quem sabe, talvez o título venha para o Brasil.

Resolvemos fazer isso, pois são mangás que não têm muita abertura no mercado e que vira e mexe, são alvos de falas das próprias editoras dizendo que “não vendem”, usando essa afirmação para não trazer títulos dessas demografias ou gêneros. Queremos mostrar que são títulos BONS realmente e com potencial de mercado, desde que divulgados de forma atrativa ao público-alvo leitor/consumidor ^^

E hoje iremos falar de “À tes côtés” (lê-se: A te cotê), ou como é publicado originalmente, “Hananoi-kun to Koi no Yamai” (花野井くんと恋の病), mangá shoujo escrito e ilustrado por Megumi Morino. A obra está em publicação desde Dezembro de 2017 na revista DESSERT (Kodansha). O mangá fez sua estreia na edição de Fevereiro/2018 e (infelizmente) não estampou a capa da edição. Atualmente, o mangá possui 9 volumes publicados, sendo que o nono foi lançado no Japão no mês passado, em 13 de Setembro. O 10º volume está previsto para Março de 2022.

Capa da edição de Novembro/2021 da DESSERT promovendo o lançamento do 9° volume da obra.

Tenho para mim que a DESSERT é uma máquina de produção de mangás de sucesso. A revista está com uma leva excelente de autoras e títulos em publicação. E À tes côtés é uma dessa séries. O mangá alcançou a marca de 2,2 milhões de cópias em circulação no Japão com 8 volumes lançados (inclui edições em e-book). Além disso, o mangá foi indicado como Melhor Shoujo Mangá no 44° Kodansha Manga Awards em 2020, e venceu a premiação em 2021, na 45ª edição do prêmio.

Assim como “A Sign of Affection”, estarei usando a edição francesa como base para comentar o mangá (por isso estamos nos referindo ao mangá pelo título em francês). Ressalto que não iremos dar spoilers sobre os acontecimentos do mangá e sim apenas uma visão geral dos aspectos positivos da obra. Então fiquem tranquilos quanto à isso ^^

“Primeiro Namorado”

Na história de À tes côtés, iremos acompanhar Hotaru, uma garota de 16 anos que não tem experiência com relacionamentos e que é totalmente alheia a isso. Ela desconhece sentimentos românticos e tem certa dificuldade em entender sentimentos e ações direcionadas à ela, sendo vista até como um pouco insensível. Num certo dia, ela conhece o Hananoi, que havia acabado de terminar um relacionamento e estava sentado sozinho num banco da praça enquanto nevava e acaba estendendo o guarda-chuva para ele. Essa pequena ação desperta o interesse do Hananoi que acaba confessando seu amor para ela no dia seguinte. A história prossegue a partir daí, com um conhecendo mais sobre o outro e descobrindo novos sentimentos.

“Me pergunto… Qual a sensação?” | “Ei… Você vai pegar um resfriado…”

Olhando essa sinopse, a obra passa a impressão de ser apenas mais uma história shoujo de romance colegial. Não que isso seja necessariamente ruim, afinal, às vezes tudo o que queremos é um bom clichêzinho ou algo narrativamente mais leve, tranquilo e fofo. Mas, “À tes côtés” tem algumas nuances muito interessantes e que tornam a obra mais atrativa aos meus olhos. Ao menos para mim, o mangá é muito mais uma história “sobre” o Hananoi do que qualquer outra coisa. Vou explicar: o mangá começa com uma frase dita pelo Hananoi e que será bem pertinente para falarmos do personagem. Ele diz: “O que é o amor para você? Para mim, é algo que damos apenas à nossa alma gêmea, aquela destinada à nós. Você acha… que eu não te dou amor suficiente? A menos que… Você não é minha alma gêmea?”. Essa frase ele diz para a namorada(?) dele, o que leva ela a discussão com ele e essa briga leva a Hotaru a estender o guarda-chuva para o personagem, desencadeando os eventos do mangá.

Isso vai soar um pouco estranho, mas o Hananoi é um tanto assustador, porque assim, na minha visão, ele é uma pessoa muito solitária, absurdamente sozinha. Pelo que nos é apresentado do personagem nesse volume, as garotas com quem ele se relacionou anteriormente, se atraíam por causa da beleza dele (não julgo, o moço é lindo mesmo) e quando conheciam ele, tinham uma quebra de expectativa, porque projetavam uma visão distorcida da pessoa, como impor aquilo que você espera de alguém apenas para satisfazer seus desejos. O mangá, nesse comecinho, mostra indícios de que a família dele também não lá muito presente. Ele vive basicamente sozinho. Todo esse repertório faz com que o personagem seja ríspido com as pessoas ao seu redor e principalmente, quando a Hotaru chega espontaneamente e faz aquela demonstração de cuidado, ele fica obcecado com a protagonista.

A partir do momento que o Hananoi se declara, ele começa a fazer de tudo por ela. A Hotaru não aceita a declaração de primeira. Ele fica ali de olho, tentando mostrar que está sério quanto ao que sente. E a partir disso, ele passa a ter algumas ações muito obsessivas mesmo, como por exemplo, a Hotaru só comenta que gosta de cabelo curto e no outro dia ele corta o cabelo achando que era isso que ela queria. Além de outras coisas completamente exageradas da parte dele. No momento que ele tem contato com o amor (ou cria a expectativa de que vai receber o sentimento), ele não quer largar isso e não quer deixar que vá embora. Eu gosto muito que nada disso é colocado como algo romântico. A Hotaru mostra estar desconfortável em algumas situações ou se questiona sobre o que ele faz ser exagerado demais e de estar passando dos limites.

“Foi… Apenas pra isso?”

Eu aviso sobre essa questão do Hananoi, porque de primeira, e olhando bem por cima, o personagem é complicado. Isso pode gerar uma interpretação bem errada do mangá e afastar as pessoas (vi isso acontecendo), mas eu juro que a autora trabalha muito bem essa temática, porque da forma que o Hananoi é, o relacionamento dos dois poderia ser muito problemático, principalmente se fosse romantizado. Só que durante todo o volume 1, você tem nuances de que tem alguma coisa errada com o personagem e que a autora quer trabalhar o tema e quer discutir ele. Não é como se o personagem fosse completamente nocivo. Ele é mais um reflexo da própria vivência e tal qual a Hotaru está aprendendo sobre o amor e relacionamentos, o Hananoi também está. Uma das ideias do mangá é ir quebrando esses pensamentos e ações ruins do personagem. É um processo lento e por isso é muito bom. As pessoas não mudam da água pro vinho, do dia para a noite, principalmente coisas mais intrínsecas. Vamos acompanhando a desconstrução do personagem e a “formulação” de um novo Hananoi, de um melhor. É isso que eu acho tão especial em À tes côtés.

E do outro lado, temos a Hotaru que têm a dificuldade para se relacionar com as pessoas, embora a parte dela seja mais “branda”, é muito bom ver a caminhada dos dois. O Hananoi começa com uma proposta de namoro. Ela então aceita fazer esse teste para ver como se sente namorando alguém durante um período X, se iria querer continuar com aquilo e/ou ajudaria ela a entender como é ter vínculos mais fortes com alguém.

Eu falo que esse mangá é muito sobre o Hananoi, porque assim, embora a maior parte do tempo seja na visão da Hotaru, com os pensamentos dela, me passa a impressão de que a autora quer falar mesmo sobre a questão do Hananoi e dos problemas que ele tem. A Hotaru é como nós no sentido de estarmos aprendendo sobre o personagem, não conhecemos quase nada dele e vamos pegando os sentimentos dele por meio das experiências dela. Essas problemáticas do Hananoi são entendidas por nós leitores da mesma forma que a Hotaru vai sentindo conforme ela têm contato com ele. Então é muito uma sensação de que estamos quase que no mesmo patamar da protagonista, no sentido do quanto conhecemos o guri e como vamos conhecê-lo dali em diante. Diante disso, pode parecer que eu não goste do casal, entretanto é bem pelo contrário. Eu adoro esses dois! O garoto me deixa um pouco assustado e receoso, porém a autora tem uma mão muito boa para contar a história. Ele não é abusivo com a Hotaru. O personagem está num caminho de aprendizagem junto com ela, por isso os dois funcionam tão bem juntos. Eles são fofos da sua própria maneira. O jeito meio desesperado e eufórico do Hananoi em algumas situações é bonitinho e é uma graça ver o aprendizado mútuo de respeito, limites e autoconhecimento.

Apesar de eu não gostar do discurso de almas destinadas, destino e etc., dentro do mangá isso é colocado mais de uma forma que parece ser o Hananoi se agarrando a essa esperança de que vai chegar alguém que goste dele de verdade, pelo que ele é e não somente aparênciam dando amor para ele (e ele retribuindo, claro). Isso me deixa muito interessado nos rumos que o mangá terá a partir do volume #1 e como a autora irá trabalhar o tema, sobretudo, a desconstrução da ideia e sentimentos de posse do personagem. Ao longo do mangá, vamos percebendo como um faz bem para o outro e de como os dois vão crescendo juntos. É muito bonito de ver e acompanhar. Gosto muito da Megumi Morino. Acho ela uma autora com uma mente muito boa, com muito potencial. Quero muito conhecer as outras obras dela e eu devo falar desses obras em algum momento aqui no blog! ^^


Antes de encerrar o texto, preciso dar um destaque para a arte da Megumi. Desde que li uma entrevista com Morishita Suu, não consigo mais tirar da minha cabeça sobre como um desenho expressivo é importante no shoujo para conversar com o que está sendo verbalizado. Eu já tinha isso em mente, mas acho que nunca tinha pensado realmente sobre como o desenho conversa bem para expressar sentimentos e a Megumi Morino consegue passar tão bem as emoções dos personagens com olhares, expressões faciais e alguns gestos. É tudo tão delicado. Ela tem umas sacadas de ângulos nos olhares bem feitas. É cada página linda que o mangá possui. A arte é sem dúvida um show a parte e contribui MUITO para contar a narrativa da história.

“Nada disso… é normal… É por você ser assim… Que dia após dia, eu gosto cada vez mais de você. Feliz aniversário… Hotaru”

Enfim gente, vamos finalizando essa postagem por aqui. Quis focar muito no Hananoi, porque acho ele um dos pontos fortes da obra. Acho ele um personagem muito bom e forma um lindo par com a Hotaru. Conheçam “Hananoi-kun to Koi no Yamai” e deem uma chance. É uma obra com muito potencial e que está chamando atenção internacionalmente. Publicado na França (À tes côtés), na Alemanha (Ein Gefühl namens Liebe), Estados Unidos (A Condition Called Love) e vai começar a ser publicado na Espanha em Novembro (Una enfermedad llamada amor). Peçam para as editoras e vamos torcer, para quem sabe, venha para cá… Para a NewPOP, usem o Cantinho de Sugestões. Para a JBC, vocês podem pedir no Indique JBC. E para Panini ou Devir, peçam por DM no Instagram.

Espero que tenham gostado e nos vemos em Novembro para a panfletagem de mais um mangá. Abaixo vocês um vídeozinho mostrando a edição francesa ^^