Apesar das dificuldades enfrentadas, não estamos sozinhos!

Olá, pessoal! Hoje daremos início (ao que eu espero ser) a uma série de postagens de mangás protagonizadas por personagens LGBTQIA+! Será um especial para o Mês do Orgulho de 2023 e devemos ter ao longo do mês, 9 postagens de resenhas ou apresentações de mangás. Teremos Yuris, BLs, Shoujo, Josei e Seinens com essa temática. São histórias que eu escolhi à dedo, pois queria trazer diversidade, seja de personagens ou de situações e contextos. Teremos histórias mais leves, outras pesadas, abordando temas sociais (assuntos pertinentes), cenários imaginários, personagens mais jovens e mais velhos… Enfim, diversidade em sua essência.

Se tudo correr bem, teremos mais ou menos uma postagem a cada 3 dias, finalizando no dia 30. Eu não irei passar a lista de obras, porque eu não sei se vou escrever todas as resenhas a tempo e quero manter surpresa, mas garanto que são todos títulos de muitíssima qualidade! ^^

Escolhi começar o especial com “Shimanami Tasogare – Sonhos ao Amanhecer“, por um motivo bem simples: é história sobre diferentes pessoas LGBTQIA+ e suas vivências. Há uma gama muito boa de personagens que representam diferentes letras da sigla e tendo um autor não-binário, nada melhor do que começar por ele, não?

Sinopse: “Depois de se mudar para Onomichi, Hiroshima, Tasuku Kaname, um estudante do ensino médio, fica em desespero após os colegas de classe encontrarem pornô gay em seu celular. Convencido de que sua vida acabou, ele fica chocado ao ver uma mulher pular da janela em uma casa próxima. Confuso, Tasuku a segue e acaba conhecendo outras pessoas com dilemas parecidos com os dele.”


  • História e Desenvolvimento:

À primeira vista, “Shimanami Tasogare – Sonhos ao Amanhecer” pode passar uma impressão um tanto simplista, embora já interessante, pois vai contar a história do Tasuku, em que pessoas do seu circulo social descobrem que ele é gay no penúltimo dia de aula antes das férias e que por causa dessa exposição, começa a ter sentimentos expostos com conflitos internos sobre o que ele é e a sua existência. Em dado momento, ele encontra ‘Alguém’ (esse é o nome da personagem) e um grupo de pessoas, com suas próprias realidades, conflitos e dificuldades, em uma Sala de Conveniência não usual, passando a se abrir, se expressar e aceitar quem é de verdade. Esse chamariz é excelente e potencializado ao máximo pelas mãos de Yuhki Kamatani. Temos uma obra sobre vivências, bastante aprofundadas, de pessoas LGBTQIA+. Não sendo uma obra com uma pegada de ensinar pessoas hétero cis sobre o que não é certo ou sobre nossas dores, mas sim apresentar nossas realidades e coisas que podemos passar, ou melhor, que estamos fadados a encontrar ao longo de nossas vidas e que, a certa altura, não estamos sós. Podemos nos apoiar, cuidar e nos ajudar.

Eu já li Shimanami Tasogare umas 2 ou 3 vezes (não me lembro ao certo) e me impressiona a sua excelência. Na verdade, a cada leitura, ele só melhora na minha concepção! Quando li pela primeira vez, acho que por volta do fim de 2017 e começo de 2018, eu não tinha uma visão clara sobre minha pessoa. Eu ainda morava em Osasco e o ambiente escolar era muito complicado para mim. Já contei aqui no blog em outros textos que sofri bullying desde muito cedo. Começou no 1º ano do Ensino Fundamental I (quando eu sequer tinha percepções sobre o que era ou não ser gay, ou sobre o que era sexualidade) e se estendeu até o 2º ano do Ensino Médio, que foi justamente o ano que li a obra pela primeira vez. Não vou me recordar de como me senti quando o li da primeira vez, mas me lembro de ter devorado o mangá. Li rapidamente, porque fez sentido para mim naquele momento. Eu já tinha noção que era gay, aquela altura, mas entre ter noção e aceitar isso são coisas e caminhos bem diferentes. Fato é que a leitura da obra, naquele ponto da minha vida, foi muito importante, pois me causou tanto a impressão de que “Hey, eu passo por isso também”, mas também de acalento em algumas passagens do mangá, visto que haviam diversos momentos acolhedores entre os personagens da série.


Como mencionei, bullying na escola me foi presente por cerca de 10 anos. Aceitar ser gay era um pavor por conta disso. Já tinha experenciado diversas situações terríveis ao longo de todos esses anos, sejam de agressões físicas ou verbais, ou casos de pessoas (professores e alunos) que não me atacavam, mas que também não faziam nada para impedir quem o fazia. Em razão disso, desenvolvi uma série de problemas que vão desde a questão de socialização (tenho dificuldade de lidar com locais com muitas pessoas que eu não conheço e um problema seríssimo em interagir com homens em geral), para até problemas com relação a sentir que serei amado algum dia. Esse segundo aspecto falarei mais abaixo.

Eu gosto muito de obras que me façam pensar em quem sou ou o que me tornei, porque como não consulto com psicólogo, pelo menos me ajuda a me entender como me sinto, o motivo de me comportar de determinada forma, o porquê consigo fazer ou não certas coisas. Esses momentos me fazem ter um conhecimento melhor de quem eu sou. Me ajuda a lidar com alguns problemas que ainda enfrento e não ser tão duro comigo mesmo por agir de tal forma. Esse autoconhecimento por vezes é bem útil. Fato é que diante de todas essas experiências que tive, ao longo de anos na escola ou mesmo dentro de casa com medo do meu pai descobrir sobre minha sexualidade e o risco que isso traria à minha vida, o começo do mangá bate muito forte. Chega como um soco no estômago e fez eu me sentir mal, genuinamente.

Mesmo sendo uma releitura, é muito forte esse sentimento. Dói bastante e me fez remoer diversas situações, sentimentos e vontades que já senti ao longo da infância e, principalmente, da adolescência. Há uma cena muito simbólica para mim neste volume que é quando o Tasuku vê a Haru sendo carinhosa com a Saki, e ao ouvir que elas namoram (ou são casadas), ele fica abismado e até em choque. O personagem fica pensando nos gestos e no toque entre elas, até que “explode” (metaforicamente) pensando nesse tipo de contato e há um desejo em experimentar, mas medo por N motivos, incluindo a questão de não se permitir sentir essas coisas. Essa situação em específico é algo que experienciei recentemente, porque sai com meu namorado pela primeira vez. A gente se conheceu no Twitter em 2019 e namoramos há quase 4 anos e aquela foi a primeira vez que saí com alguém. Seja pelo bullying ou pela pressão social, há uma questão de achar que você não nasceu para ser amado, ou que ninguém vai olhar e se interessar por você. Mesmo estando nesse relacionamento há muito tempo, ainda permaneciam pensamentos desse gênero, porque não é algo que a gente consiga controlar. E quando aconteceu nosso encontro, parecia um sonho. Poder sentir aquilo foi incrível. Comentei mais sobre a experiência na thread abaixo 🙂


Falando um pouco dos outros personagens principais, cada um deles faz parte da comunidade. Eu não lembro todas as sexualidades e/ou identidades de gênero que o autore aborda ao longo da obra, então será interessante de relembrar. O ponto que gosto deles é que Yuhki Kamatani trabalha todos como pessoas que tem suas questões, trabalhos e coisas além de sua sexualidade. Elu explora um pouco do trabalho que eles fazem, além do hobby de reformar casas abandonadas, a personalidade de cada um e um pouco dos seus dramas, que foi o caso da Haru com a Saki, por exemplo. A Haru depois de sofrer assédio no trabalho e cansada daquela vida, se assumiu para os pais, saiu do trabalho e se mudou para aquela cidade. É mencionado sobre como os pais dela não lidavam bem com a sua sexualidade, mas que aos poucos estão retomando o contato e se reaproximando, mesmo que aos trancos e barrancos. A Saki, por outro lado, ainda não se assumiu para ninguém e só o pessoal da Sala de Conveniência sabe que ela é lésbica. Ela tem medo de se assumir para os pais e como as pessoas ao redor dela vão reagir ou sobre como vão passar a tratar ela. Ambas têm sonhos, diferenças, brigam, se entendem, conversam, se acolhem… É uma relação muito linda por ser pautada no diálogo e posto de uma forma que é totalmente compreensível para o Tasuku ficar “inspirado” e invejar (no bom sentido) aquela relação.

E claro, por falar de pessoas LGBTQIA+, a obra também vai tratar de questões sociais que giram em torno de nós, a exemplo do ambiente escolar que pode ser (e normalmente é) hostil conosco por causa dos alunos que praticam agressões, a conivência dos professores com esses atos e a incapacidade da escola de saber como lidar com as particularidades de cada um (e isso pode ser tanto no campo de sexualidade, como no caso de PCDs). Além das relações familiares, o ambiente em que estão, acaba não sendo seguro. A Saki mesmo que prefere manter em segredo e ter uma garantia melhor de moradia como uma precaução. A ausência de confiabilidade na família por medo de como irão reagir, ou mesmo encontrar um lugar seguro, de conforto, como ocorreu com o Tasuku ao encontrar com Alguém e o restante do pessoal antes da Sala de Conveniência.


  • Arte

A arte de Yuhki Kamatani é absurdamente deslumbrante. Elu consegue ir de momentos de calmaria a outros de grande intensidade em parte por causa de seu desenho que é bem expressivo. O autore usa de quadros em perspectiva para fazer composições únicas, além de explorar o campo mais imaginário e metafórico, que combinam com a série, especialmente por causa de um dos personagens.

Eu gosto muito dos momentos mais dramáticos, de temor dos personagens e das situações de choque elu os põe, pois são quadros que apresentam intensidade que, junto ao texto, chegam a causar frio na barriga. Acho as páginas inteiras e as duplas um primor. Composição, diálogos e quadrinização perfeitos! É de um charme, uma dedicação, um cuidado e critério impecáveis!


  • A Edição Nacional

Shimanami Tasogare – Sonhos ao Amanhecer” está sendo publicado no Brasil pela JBC. O mangá está sendo lançado no formato 13,2 x 20 cm, com capa cartonada fosca e papel Pólen. O mangá começou a ser publicado no Brasil em janeiro de 2023 ao preço de R$ 33,90 e sofreu reajuste de preço nos últimos volumes passando para R$ 37,90. O mangá tem duas páginas coloridas no mesmo papel. Não veio brinde no volume 1. Abaixo vocês veem um vídeo mostrando a edição nacional em detalhes ^^


  • Conclusão

Shimanami Tasogare – Sonhos ao Amanhecer é uma obra de muita importância. Há anos que se espera uma publicação nacional, especialmente já tendo sido lançado em boa parte dos principais mercados ocidentais de mangás, mas finalmente chegou ao Brasil. O mangá trata de assuntos pertinentes da sociedade, especialmente ao que diz respeito à pessoas LGBTQIA+. É um mangá muito humanizado, sobre pessoas vivendo e tentando sobreviver neste mundo que tanto nos odeia. Embora tenha seus momentos de tensão, dor e conflitos, é um mangá com uma mensagem muito positiva, para cima, sobre se aceitar e se amar. É sobre ter e saber que há pessoas como nós, e que nossa luta não precisa ser sozinha. É com o coletivo que se combate e assim que conquistamos nossos direitos até aqui.

Shimanami é uma leitura essencial para quem é LGBTQIA+ ou mesmo para quem ainda está nesse processo de se aceitar ou de entender sua sexualidade/identidade de gênero. Para os héteros cis, também é muito importante a leitura, afinal, quanto mais cedo for da percepção de todos que essa luta não é só nossa (ou pelo menos, não deveria ser) e sim da sociedade como um todo, mais cedo nós iremos progredir. E se de fato quiser ser um aliado, pode começar compreendendo nossa realidade e agindo para transformá-la. Quem sabe se eu tivesse tido alguém para interceder por mim quando não tinha forças para tal, pelo menos não tivesse ficado tão ‘quebrado’ como estou agora. Faz algum tempo que saí da escola e não sei como está atualmente, mas espero que pelo menos seja um pouco mais fácil ser LGBTQIA+ em ambientes escolares. 🙂


  • Ficha Técnica
  • Título original: Shimanami Tasogare (しまなみ誰そ彼)
  • Título nacional: Shimanami Tasogare – Sonhos ao Amanhecer
  • Autore: Yuhki Kamatani
  • Serialização no Japão: HiBaNa
  • Editora japonesa: Shogakukan
  • Editora nacional: JBC
  • Quantidade de volumes: Completo em 4 volumes
  • Formato: 13,2 x 20 cm; capa cartonada fosca
  • Preço de capa: R$ 33,90 (volume #1 e #2)/ R$ 37,90 (volume #3 e #4)
  • Compre em: Amazon

Bom, é isso. Essa foi a primeira resenha especial para o Mês do Orgulho de 2023, nos encontramos muito em breve para a próxima resenha ~

1 thought on “Resenha: Shimanami Tasogare – Sonhos ao Amanhecer (volume 1)

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