Oushi e o capacitismo...

Olha só quem voltou! ~
Estou de volta para comentar o 2º episódio do anime de “Yubisaki to Renren”! Isso significa que comentarei os episódios semana a semana? Não. Como estou no final do semestre da universidade, com certeza não terei tempo (e disposição) para isso, mas pelo menos está nos meus planos comentar os episódios em blocos. E o episódio 2 não ia ser comentado agora, porém, antes mesmo do episódio 2 ser lançado, apareceram algumas situações e notícias interessantes a respeito de capacitismo e como esse episódio trata do assunto, queria aproveitar e comentar tudo.


O ponto principal desse episódio a nível de debate social é sobre capacitismo. Capacitismo, de forma resumida, é a discriminação de pessoas com deficiência (PCD) e a subestimação da capacidade e aptidão de pessoas em virtude de suas deficiências. Ele pode se dar de forma direta como atos de preconceito (falas direcionadas a essas pessoas) ou indiretamente (como olhares, enxergar essas pessoas com um tom de pena, etc.). Ou mesmo nas estruturas da sociedade, por exemplo na gordofobia. A sociedade se estrutura de forma que coisas sejam feitas e pensadas para pessoas com certo tipo de fisiologia ditas como ideal, impedindo que pessoas gordas, por exemplo, tenham acesso. Podemos citar catracas de ônibus que são feitas para pessoas com corpo físico magro, que impedem o acesso de outras pessoas que fogem desse padrão idealizado. Nisso, temos uma marginalização dessas pessoas, uma visão de incômodo e equivocada quanto às capacidades delas.

Essa semana, no BBB 24, um dos participantes do programa (Vinícius) é PCD e usa uma prótese mecânica em uma das pernas. Acontece que para a primeira prova do programa, havia uma parte que tinha líquido e a prótese que ele estava não podia molhar, o que fez com que ele precisasse retirar a perna mecânica no meio da prova (uma cena terrível de se assistir). Esse ocorrido nos mostra que não houve sequer um pensamento nas necessidades dele e no que ele poderia precisar para realização da prova. Eu vi muitas pessoas comentando que trazer adaptações na prova seria “facilitar” para ele em detrimento dos outros. O que não passa na cabeça das pessoas é que ao contrário do Vinícius, nenhum dos demais participantes do programa tem alguma parte do corpo que não possa molhar porque vai estragar ou parar de funcionar. Adaptação e tornar meios acessíveis não é facilitação, mas sim um rumo para que PCDs possam acessar espaços e ter sucesso neles. Recomendo dois vídeos do Tempero Drag: “INCLUSÃO” e “PRESSÃO ESTÉTICA, FOBIA E COMUNIDADES SEGURAS” (esse segundo vídeo, a Rita faz só uma pontinha sobre o assunto, mais ou menos no meio do vídeo, mas vale assistir).

Tendo isso posto, é preciso apontar os fatos: o Oushi, amigo de infância da Yuki e que ganha destaque nesse episódio, é capacitista, ponto. Toda a construção do personagem nesse episódio se dá em torno de de diminuir a Yuki. No primeiro momento que ele interage com a Yuki, a própria personagem pontua que a língua de sinais dele é espinhosa, ácida, e portanto tem um grau de agressividade. Em outro momento, quando um amigo pergunta sobre a Yuki, a primeira coisa que ele diz é que protagonista é surda, como se dissesse que por isso ela “não valesse a pena” ou “não é de seu interesse”. O que considero como fala principal dele nesse episódio são quando ele diz que ela e outras pessoas com deficiência não deveriam sair de casa. No caso da Yuki, que ela não deveria fazer faculdade. Ele quer que essas pessoas (mas sempre focando mais na Yuki) ficassem ‘presas’ em cercadinhos, sem almejar coisas a mais para suas vidas, sendo extremamente dependentes, sejam dos pais ou daqueles que estão responsáveis por elas.

Mas acho importante marcar que é uma visão ruim (no mínimo vazia) tratar o Oushi meramente como se fosse um ‘vilão’ da história, porque não é isso que a autora quer. Temos ver o personagem como uma pessoa com nuances. Não estou dizendo que ele não está errado (porque sim, ele está) ou passando pano para o personagem. Não é nada disso. É observar quais são as funções do personagem na narrativa e se ele está cumprindo na história. Ele foi feito, no momento, para três aspectos principais: ser o cara mala (porque sim, ele é chato para um cacete), ser capacitista (que também está cumprindo e disparando uma ofensa a cada 1 minuto) e ser “rival amoroso” (na verdade, é mais como ele gostar da Yuki e nunca existir possibilidade de retorno, o que causa uma amargura nele, especialmente com a chegada do Itsuomi). Como deu para ver, ele cumpre perfeitamente o que está se propondo, portanto ele é um bom personagem vendo dentro do parâmetro narrativo. Você não gostar das ações dele, que não foram feitas para serem gostadas, não quer dizer que ele seja um personagem ruim e é justamente por ele cumprir o que a autora está propondo, que o torna interessante. O Shoujo está muito mais ligado com a ideia de que pessoas vêm e vão, cruzam caminhos e experenciam coisas diferentes. E por ele se escorar muito em aspectos da sociedade (debates sociais começam na demografia feminina antes de irem para outras obras), é que ele precisa de personagens como o Oushi. O capacitismo existe e desumaniza pessoas PCDs. Então precisa de alguém para mostrar (como um sinal de alerta para quem está vendo) de que suas ações são erradas. Ver ele como um “vilão” (ou vilanizar a sua figura jogando a culpa na autora) é vazio e raso. O Oushi é muito mais do que isso.

Para mim, essa cena é um indicativo de que se planeja desenvolver e mudar a mentalidade do personagem.

Uma prova disso é que o Oushi e o Itsuomi formam uma dicotomia. Enquanto o Oushi, com relação à Yuki, está sempre puxando a protagonista para baixo, e que inclusive, a direção mostra com cenas mais fechadas, com paleta de cores apagadas quando ele conversa com ela, monocromática ou acinzentada, as cenas com o Itsuomi presente é o oposto. O Itsuomi puxa a Yuki para cima, sempre elevando ela, fazendo a personagem querer mais e sempre potencializando seus feitos. Quando a Yuki está ou pensa no Itsuomi, é sempre com aquela intensificação das cores, com ângulos mais amplos, de um mundo que se expande, sendo frequente a representação de um avião passando no fundo ou sendo usado como transição, já que representa esse sonho de conhecer mais o desconhecido. A própria Yuki, quando estudava em uma escola especialmente para PCDs, pensava que adorava aquele mundinho dela, mas queria abrir e expandir. Ela queria mais e o Itsuomi representa esse desejo.

O Itsuomi representa para a Yuki a imensidão do céu e suas inúmeras possibilidades, é a liberdade e o “mais” que ela tanto busca ^^

Uma coisa que o Rub falou é que existe uma diferença entre você ter personagens com ações ruins ou questionáveis e a obra querer trabalhar esses aspectos como sendo algo negativo, e você ter outras obras utilizando desses aspectos não como crítica ou mostrar como algo negativo, mas sim para se vangloriar. Enquanto “Yubisaki” usa o Oushi para trazer o debate o capacitismo, outras obras vão para um lado muito diferente. Pegando um exemplo meio extremo, mas para deixar isso bem claro, temos “Kaifuku” (por favor, não leiam ou assistam essa merda). “Kaifuku” tem misoginia e homofobia (e outras coisas), só que há uma defesa disso na obra. A “construção narrativa” aqui é totalmente feita para que se defenda que tudo bem “Ser misógino/homofóbico, porque é o certo. Ele está se vingando do pessoal”. Não existe contrapontos ou apontamentos por parte da história de aquilo representado tem um tom ruim, negativo ou criminoso. É tudo normalizado, transparecendo uma visão bem deturpada de como são os relacionamentos entre pessoas.

Deixarei o corte que fiz da live que fizemos na Twitch em que discutimos sobre o episódio #2 de Yubisaki. São 40 minutos, mas o mais importante é ouvir o que falamos. Comentamos o episódio e outros assuntos como inclusão, educação e como o sistema se dá.


Dediquei esse post e a abordar mais esse assunto do capacitismo, porque é o mais pertinente do episódio. No demais, é um anime extremamente gostoso e divertido de assistir. O tempo flui que é uma beleza. Uma direção que sabe o que está fazendo e que cria composições excelente para potencializar a experiência com a animação, além de fazer inserções originais que são precisas e que elevam o material original. Amo muito o trabalho do diretor e de toda a equipe que está se esforçando para criar um projeto legal com a autora e todos os envolvidos. Deixo abaixo dois tweets em que comentamos das mensagens do Yuta Murano (diretor do anime) quanto a curiosidades da produção ^^.

Itsuomi, como pode ser o homem mais belo da temporada?

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