Décadas atrás, a Conrad foi uma das pioneiras na publicação de mangás no Brasil e sendo uma das grandes editoras do país durante muito tempo. No entanto, devido a problemas financeiros, as coisas começaram a desandar cada vez mais, resultando no cancelamento e interrupção de diversas obras, o que não só foi danoso para o público consumidor brasileiro, como arruinou a imagem da editora para as editoras japonesas. Anos depois, porém, a editora “renasceu”, com uma visão mais sólida do mercado e com uma visualização muito mais consistente, seja da sua estrutura e capacidade interna, como também do que ela pode e consegue publicar. 2023, então, marcou o retorno da editora no lançamento de mangás, com duas obras, os volumes únicos “A noite da Princesa Uriko, A manhã da Cinderela e outros contos reimaginados”, lançado em meados de Setembro e “Nas Montanhas do Terror”, lançado no final de Outubro.
“A noite da Princesa Uriko, A manhã da Cinderela e outros contos reimaginados” foi publicado no Japão sob título de “Uriko-hime no Yoru – Cinderella no Asa” (瓜子姫の夜・シンデレラの朝). A obra é escrita e ilustrada por Daijiro Morohoshi e foi publicada entre meados dos anos 2000 e o começo dos anos 2010. As histórias foram publicadas nas revistas Shoujo Nemuki (que não existe mais) e Nemuki+, ambas da editora Asahi Shinbunsha (a mesma de, por exemplo, “Tomie“). A obra foi concluída em um volume e ganhou uma republicação, pela mesma editora, em 2016. O mangá foi vencedor do Prêmio Ministro da Educação, Cultura, Esportes, Ciência e Tecnologia do Japão de Incentivo à Arte. No Brasil, a Conrad o anunciou em Junho de 2023 e lançado meses depois.
Sinopse: “E se as profecias da Princesa Uriko fossem fofocas? E se a Cinderela fosse procurar seus sapatinhos perdidos no castelo do príncipe? E se as pessoas que servissem a um certo templo na China virassem corvos de verdade? A Noite da Princesa Uriko, a Manhã da Cinderela e outros contos reimaginados é uma coletânea que pega contos folclóricos japoneses, chineses e histórias dos Irmãos Grimm e os reimagina em mangás com tramas um pouco mais “realistas”, mas ainda cheias de fantasia e surpresas. O vencedor do Prêmio Ministro da Educação, Cultura, Esportes, Ciência e Tecnologia do Japão de Incentivo à Arte chega agora no Brasil pela Conrad.”
- História e Desenvolvimento
“A noite da Princesa Uriko” se trata de uma coletânea com cinco histórias no total, algumas mais longas e outras um pouco mais curtas. Então acho que a melhor forma de falar do mangá, é dar uma passada em cada uma dessas histórias e claro, sem se aprofundar muito para não perder a graça, apenas apontando um pouco da premissa de cada uma e aspectos mais (ou menos) interessantes delas ^^
Princesa Uriko e Amanojaku
A história que abre a coletânea e a que dá parte do título do mangá é sobre a Princesa Uriko, que um dia conhece o Amanojaku, uma assombração japonesa e a partir desse encontro, ela pede para que ele a leve para a floresta para que possa ouvir as histórias dos espíritos que lá vivem. A princípio, esses espíritos tem medo da presença dela por se tratar de uma humana e no entanto, com o passar do tempo, esses espíritos vão se acostumando, passando a contar suas histórias.
A Uriko não busca ouvir quaisquer histórias. Ela, na verdade, quer saber sobre coisas que podem acontecer e, por consequência, impactar a vida dos humanos. Fato é que o cargo de princesa Uriko é temporário, permanecendo apenas durante um período X da vida delas e após isso, elas são mortas e substituídas por outra garota mais jovem. A Uriko recebe previsões dos deuses, mas como a Uriko já está muito velha (dentro da faixa das Uriko), ela foi abandonada e não recebe mais previsões. Os moradores da região precisam saber como será a colheita de arroz do ano e ela não tem condições de passar a previsão. Ela até poderia mentir, porém, se ela errar a previsão, também será morta, daí seu desespero. É nesse interim que surge o interesse em visitar a floresta e falar com os espíritos, na esperança de prolongar sua sobrevivência durante mais um tempo.
A Uriko consegue deixar sua alma sair do corpo para ir até a floresta e nessas idas e vindas, ela consegue alguns assuntos para segurar sua função como princesa. Ela também estabelece alguma conexão com os espíritos/demônios, mesmo que ainda seja um pouco ríspida na sua forma de falar e se comportar com alguns deles. De primeiro momento, eu achei que a Uriko era só trambiqueira, mas no desenrolar da história, dá para entender as motivações dela. Mais lá para o fim do conto, a história toma um rumo interessante. O que acho meio triste é que o conto termina “aberto”. A princesa toma uma decisão e segue um determinado caminho, mas nunca vemos o fim disso e onde isso a levou. Entendo como um recorte de vida e que talvez a leve para um fim trágico, mas nesse caso aqui, senti um pouco de falta de algo mais fechadinho. No fim das contas, achei uma história ok.
O quarto proibido
Em “O quarto proibido”, vemos a história de alguns homens que não tem relação entre si e todos eles tem algumas características em comum: são pessoas feias (ou não muito interessantes), casados com mulheres muito bonitas e que em todos esses casos, essas mulheres vão pedir para que elas possam usar um quarto/cômodo da casa que está vazio para que elas possam fazer uma coisa secreta. Em todos, os homens não lembram como conheceram essa mulher e o porquê delas quererem ficar com eles, já que são pessoas que né, não são lá muito interessantes (não só pela aparência, mas pela vida que levam).
Tem um detalhe muito bacana que conecta todos esses personagens e que torna a história mais legal, não vou dizer, por motivos óbvios, mas a leitura dessa história é bem fluida e interessante. Novamente, é um capítulo ok pela maneira como termina, mas como ele é mais curtinho que o 1º e mais ágil por ter menos texto, achei o todo dele mais satisfatório. O que gosto muito nessa história é que ao fim dela, há uma bela pontinha sobre misoginia e o destino final que toma cada um desses homens e mulheres. Tem alguns caminhos bem inesperados, eu diria.
O sapato da Cinderela
Se as duas histórias anteriores me soaram muito “ok” ou “legais” apenas, a terceira história é absolutamente genial! O que temos aqui é uma reimaginação do conto da CInderela em que ela perde seu sapato, mas ao contrário do conto original ou pelo menos a versão da Disney, ao invés da magia passar, o que acontece é que o castelo do príncipe, na verdade, é um escritório e a Cinderela trabalha lá, não só ela como suas irmãs também! E dentro dessa realidade, ficar descalça é quase como um ato de falta de pudor, de baixaria, de pouca vergonha, como é dito na história.
Conforme a história se desenrola e mais coisas vão acontecendo, mais encantado eu ia ficando com tudo aquilo. Sério, é fantástico. De uma sacada absolutamente genial e com uma execução primorosa. O autor aqui estava muitíssimo inspirado, porque todos os elementos vão sendo convertidos para essa realidade que forma uma comédia.
Além da Cinderela e do príncipe (que mal aparece), há também a participação de outros personagens bem legais, como um cavaleiro obcecado por caçar dragões e encontrar tesouros, e um certo “guardião” do achados e perdidos que é muito carismático. O final da história é bem simples, mas tinha me divertido tanto até ali que o fim passa uma impressão bem gostosinha que até fiquei com vontade de ver como o autor reimaginaria outros contos clássicos do Ocidente/Europa ^^
O parceiro fuliginoso do Diabo
Em “O parceiro fuliginoso do Diabo” temos a história de uma mulher que um dia, encontra um homem que diz ser o parceiro fuliginoso do Diabo. Esse homem procura um local para dormir e ela indica um local chamado Pega-Rabuda (é o nome de um pássaro), que vem a ser o local onde ela vive.
Pois bem, essa mulher é filha do dono e ela vive um verdadeiro inferno ali. O pai faz com que ela venda o próprio corpo para os homens que vão dormir na pousada em troca de mais dinheiro, além dela ter que fazer todo o trabalho doméstico e ainda ser agredida pelo pai quando faz algo que não agrade ele. Por um motivo ou por outro, ela acaba indo para o inferno e ajuda o tal parceiro do Diabo. Nessa parte, ela revisita várias memórias e é algo bem interessante, a maneira como a obra traz a pontinha sobre misoginia. Não entrarei nos pormenores da história para não estragar, mas é um final feliz. Não chega ao nível de divertimento e qualidade da história da Cinderela (até por as propostas serem diferentes), mas é um bom conto!
Zhu Qing
Agora, na última história, temos um conto mais extenso, tão extenso quanto ao da Princesa Uriko. Em termos de profundidade e do quão interessante a história é, eu diria que é o melhor conto da coletânea. Enquanto “Cinderela” me divertiu horrores, esse eu veria um filme sendo contado de uma forma meio épica até. Aqui, temos uma clássica história de vingança e mistério, que é sempre muito cativante quando bem feita.
Na história, acompanhamos o Yu Ke, um homem que veio da capital (detalhe importante: a história se passa na China antiga) e foi prestar o exame imperial (não é especificado o que é exatamente) e é reprovado. Ele, então, é recrutado para ser membro dos Trajes Negros que com esse manto, conseguem se transformar em corvos. Esses corvos tem como missão, além de servir o imperador, ficar de olho nas propriedades, especialmente no castelo, além de eventualmente, alguma espionagem. Fora isso, eles podem fazer o que quiserem, desde que não se afastem muito das propriedades do imperador que eles servem.
O Yu Ke, sendo novato nesse meio, conhece a Zhu Qing, uma mulher corvo que está em busca de informações a respeito de um certo incidente que ocorreu na cidade de Hanyang (atual Tianshui, China), onde uma família inteira e os servos foram todos assassinados. Ocorre que a Zhu Qing era a filha dessa família e foi a única sobrevivente desses assassinatos e desde então, ela busca quem foi o responsável por aquilo (ela pouco sabe das características físicas de um dos responsáveis), com o objetivo de se vingar.
A história vai se desenrolar seguindo esses dois e é uma história muito bem feita, com começo, meio e fim e esse fim é bem satisfatório, algo que não achei do final da história da Princesa Uriko. Como conto que encerra a coletânea, achei uma ótima escolha, porque mesmo que alguns deles não sejam “UAU”, essa história final deixa uma sensação bem satisfatória de maneira geral.
- A edição nacional
“A noite da Princesa Uriko, A manhã da Cinderela e outros contos reimaginados” é um volume único publicado pela editora Conrad. A obra foi lançada no formato 13,5 x 20,5 cm, com capa cartonada e sobrecapa fosca, tem 232 páginas no papel Pólen Soft 80g e inclui marca página de brinde. O preço de capa é de R$ 59,90 para a edição impressa e R$ 42,90 para a digital. Abaixo vocês veem um vídeo mostrando a edição em detalhes:
- Conclusão
Nem todas as histórias são particularmente ótimas, mas não teve nenhuma que eu achei ruim, então o resultado final ainda é bem positivo. O que achei ótimo desses dois primeiros títulos da retomada da Conrad é que ambos são de demografia feminina e ambos em um espectro que mostra a diversidade dela.
A Nemuki+, por exemplo, é uma revista que frequentemente apresenta histórias de fantasia, horror e terror. E é muito bom que venham outras obras além das do Junji Ito para cá, para elucidar e mostrar por A + B que a demografia feminina vai muito além do romance escolar (mas sem esquecer que o romance escolar é, também, muito importante para o Shoujosei). Espero muito que a Conrad não pare de lançar obras de demografia feminina e que seria bom, inclusive, continuar explorando as obras da Nemuki+, já que tirando Junji Ito, nada dela vem para cá. Pode ser coletâneas também, acho elas excelente para conhecer um pouco do trabalho das autoras ^^
Esse foi mais um texto de resenha do nosso pequeno especial de 5 anos do blog. Espero que tenham gostado! Estamos quase na metade dos textos, mas ainda tem muitas obras ótimas pela frente, então espero que sigam acompanhando e até a próxima resenha ^^
- Ficha Técnica
- Título original: Urikohime no Yoru Cinderella no Asa (瓜子姫の夜・シンデレラの朝)
- Título nacional: A noite da Princesa Uriko, A manhã da Cinderela e outros contos reimaginados
- Autor: Daijiro Morohoshi
- Serialização no Japão: Nemuki/Nemuki+
- Editora japonesa: Asahi Shinbunsha
- Editora nacional: Conrad
- Quantidade de volumes: Volume único
- Formato: 13,5 x 20,5 cm
- Quantidade de páginas: 232
- Papel: Pólen Soft 80g
- Preço de capa: R$ 59,90 (impresso)/R$ 42,90 (digital)
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