Após a resenha de alguns BLs, nos voltamos a uma obra que vai mais ao estilo “Shounen de Lutinha” dentro da produção nacional: “Rei de Lata“, obra de enorme sucesso e uma das grandes referências do “mangá brasileiro” atualmente.
Em janeiro de 2021, uma das principais editoras do mercado brasileiro de mangás estava realizando um evento comemorativo online. No dia 30/01, a editora em questão dedicou o dia para falar de quadrinhos nacionais e anunciar duas novas obras, que marcariam o grande retorno da editora à produção brasileira. Uma das anunciadas foi “Lebre & Coelho” (que em breve lançaremos resenha) e “Rei de Lata“, do JEFF (aka Jefferson Ferreira). A obra está em publicação desde janeiro de 2018 no Tapas, possuindo quase 80 capítulos publicados. Os volumes físicos ainda estão em publicação, possuindo 6 lançados e previsão de ser concluído com 8 no total (a publicação dos capítulos, portanto, não está longe de terminar).

Sinopse: “As Crianças mais Poderosas do Mundo! Durante uma guerra que assolava o mundo, uma arma biológica causou praticamente a extinção de um país por completo. Porém, toda criança nascida após o ataque neste local era propícia a ter uma anormalidade no organismo, manifestando algum poder gerado por seu instinto de sobrevivência, trauma ou situação extrema. Por serem os únicos seres imunes ao ar, tais crianças são odiadas e temidas por muitos adultos. Por isso, elas precisam usar seus poderes e lutar pela própria sobrevivência!”
- História e Desenvolvimento
Originalmente, comecei a escrever esse post em agosto de 2021, quando fazia pouco tempo do lançamento do 1º volume. Escrevi a introdução (que tive que reescrever) e basicamente parei ali. Lembro que na época, fiquei pensativo sobre o que escrever sobre a obra. Mesmo gostando, sempre tive dificuldade em escrever meus textos de resenha, levando tempo até finalizar a escrita. Com o tempo, melhorei, embora ainda demore um bocado, mas o fato é que hoje, corrijo minha falha de anos atrás.
No começo do mês, o blog lançou uma resenha de “SENSE LIFE” (leia aqui) e lá, comento que a obra fala sobre a desassistência de pessoas que não conseguem lidar com sentimentos e que estão bem à própria sorte. Em “Rei de Lata”, o JEFF leva a desassistência social para outro patamar, o ponto em que a sociedade se volta com um grupo minoritário em defesa de uma suposta “normalidade”.

Graças a uma guerra envolvendo substâncias químicas, grande parte da população mundial (cerca de 80% dela) foi completamente varrida devido à toxicidade da substância. As crianças nascidas a partir daquele ataque biológico possuem a propensão de desenvolver poderes (ou “anomalias”), sendo que esses poderes são despertados a partir de uma situação perigosa, o que leva ao instinto de sobrevivência, um trauma ou alguma situação extrema em que ela esteja envolvida. Em decorrência disso, os adultos começaram a caçar essas crianças e a matar uma após a outra, levando essas crianças a viverem escondidas e se organizarem coletivamente para que consigam sobreviver.
É nesse contexto que conhecemos o protagonista, o José, que vive “sozinho” em uma parte isolada do Distrito 11. O José é a única criança ali, mas ele mantém consigo “adultos comuns” que consegue manipular na base da ameaça. Quero dizer, mantinha, dado que o último se cansou de ser tratado como nada e foi embora, o que leva o José a ter que se virar e caçar comida por conta própria, até que ele cruza com o grupo do Arthur e companhia. O José vive quase que descolado da realidade, com um ego completamente inflado, se autointitulando o “Rei do Mundo”, o que convenhamos, não é como se existissem mais pessoas para dizer do contrário, ao ponto de querer ditar alguma ordem até com seres não humanos, como quando no primeiro encontro dele com o Arthur, ordena um porco que fique parado, o que obviamente faz o animal fugir.

E alguém que merece algumas considerações na obra é o José. Eu tentei, mas não tem como, acho o personagem terrivelmente insuportável. Deixando claro: eu entendo todo o background do personagem, de como a maneira como ele age e se comporta (arrogante, prepotente etc…) foi o meio que ele encontrou para sobreviver nesse caos e é, também, uma bravata de defesa, afinal, se você parece algo além do que você é e consegue convencer quem está ao seu redor disso, é algo a seu favor. Mas não dá. O personagem começa a falar e eu só quero que alguém faça ele ficar quieto, o que é intencional e o JEFF deve estar muito interessado em quebrar essa forma do personagem agir, já explorando alguns desses aspectos na maneira como a partir das escolhas que ele fez, vidas foram perdidas, sobre como a maneira tirana que agia fez com que os seus semelhantes, que estavam na mesma situação que ele, precisassem fugir. Com o tempo, imagino que o autor vá ir amenizando esse jeitão do personagem e vá mudando a forma de pensar, principalmente no que diz respeito ao coletivo e a noção de igualdade, e de importância/responsabilidade das suas ações… Dito isso: dou graças aos céus que todo o elenco de apoio é maravilhoso, porque se dependesse do José, eu passaria um bom tempo me irritando na leitura.

Falando no elenco de apoio, algo que realmente admiro no trabalho do JEFF é o quão criativo ele é para criar personagens e o quão variados são. A obra tem um elenco grande e não para de adicionar personagens. Alguns deles são figuras importantes e recorrentes, enquanto que outros estão apenas de passagem (ao menos nesses 2 primeiros volumes). Por mais que “elenco grande” não seja exatamente uma qualidade ou defeito, o que admiro é que mesmo nesses personagens mais passageiros, o autor se esforça não só no visual, mas também em criar uma habilidade para cada um, e às vezes, até um background para eles. Muitas crianças aparecendo e cada uma delas com uma habilidade diferente da outra. É um trabalho riquíssimo nesse aspecto.
Voltando, o encontro entre o Arthur e o José vai levá-lo a querer integrar o garoto ao “Coração”, a organização de proteção das crianças, e por isso, vão atrás dele novamente. No entanto, ele acabou sendo capturado por um grupo de adultos de alto nível e aqui somos apresentados a três tipos: os roxos (mais básicos), vermelhos (intermediários) e os dourados (de grandes poderes e habilidades). Essa missão vai acontecer em duas frentes: a primeira vai ser para resgatar o José propriamente, mas ela acaba tendo um desdobramento adicional, quando o Arthur encontra a Alice, uma criança que estava sendo perseguida e cujo irmão gêmeo (Benjamin) acabou sendo capturado, pedindo ajuda do Arthur para resgatá-lo.

Antes da parte 2 da missão, o grupo do Arthur vai precisar lidar com o (chato) José, que insiste em querer a liderança do grupo, porém não para uma coordenação, mas sim para ter as demais crianças como subalternos que obedeçam às vontades e desejos dele. E quem vai precisar dar uma lição no José é o Chico, que é um personagem querido, muito e muito carismático. Eles vão para um mano a mano e se o José saísse vitorioso, ele poderia comandar tudo. Esse momento é bem legal. Para além do José apanhando, tem sequências de ação ótimas e esse só o começo. Mais para frente na história tem uma outra que é bárbara de boa, mas chegaremos lá…
Passada as pequenas intrigas e o José “”aceitando colaborar”” com o grupo na missão, eles partem para o ataque que irá se desenrolar no volume 2 e que vai continuar no 3º volume (que eu não tenhoooo :'( ).

Embora tenhamos diversos personagens sendo apresentados, alguns deles ganharam mais atenção nesses dois primeiros volumes, sendo: o Arthur, que é o líder da equipe e tem uma habilidade interessante associada à resistência e melhoramento do corpo a cada novo dano; a Esther, carismática, que consegue se teletransportar e transportar quem toca nela junto, o que traz uma possibilidade de locomoção, mas também de fuga e emboscada de grupos; o Pirata, que é quem monta estratégias e planos de ação/combate do grupo e que tem um passado legal e que se relaciona com o nome dele; o já mencionado Chico, que além de ser um amorzinho, consegue ser um demoninho (literalmente), com o sangue fervendo e ficando cada vez mais poderoso; a Julia, que tem a capacidade de criar clones de diferentes épocas da sua vida e essa habilidade, é muuito legal!!!; e os irmãos Alice e Benjamin, que são verdadeiros fatiadores com habilidade e eu gosto particularmente da Alice. Ela é muito boa! Tem outros dois personagens que merecem destaque também: o Fred, que tem uma rixa do passado com o José e vai precisar acertar os ponteiros com ele; e o César, que aparece durante um flashback e é lider de um outro grupo de crianças. Embora ele não apareça muito nesses volumes, sei que ele vai aparecer mais para frente e aparenta ser uma figura importante para a narrativa.


Algo que é interessante e foi apresentado nesses dois volumes é que assim: existem quatro “Corações” escondidos (Norte, Sul, Leste e Oeste) e essa não é a única organização de crianças presente na obra. Visões e concepções diferentes, bem como grupos isolados, levam a ocorrência de diferentes grupos que não necessariamente tem as mesmas visões, o que leva a seguirem caminhos e abordagens diferentes. Alguns mais radicais, outros mais moderados. Pelo menos o Coração Leste, que é de onde as crianças que conhecemos são, tem uma abordagem mais moderada, agindo para resgatar crianças e evitando mortes de adultos, o fazendo somente em casos mais extremos (uma criança correndo risco ou eles mesmos tendo percalços maiores). No entanto, conhecemos um grupo mais radical que visava implodir a lógica e se livrar dos adultos que as oprimem e as matam. É um aspecto bem legal e espero ver mais dessas diferenças de abordagem (e quase que de ideais).
A missão de resgate vai ter desdobramentos, pois os caçadores estão desenvolvendo tecnologias e recursos mais aprimorados para caçar as crianças e matar elas não é mais o ponto principal para eles. O autor começa a explorar algo ainda mais perverso em que eles podem estar interessados nessas crianças. As coisas não dão exatamente certo ao longo da missão e temos mais cenas de ação incríveis, mas aqui, em um nível já bem acima do que vemos no volume 1. Tem um efeito de emoção impressionante na maneira como o JEFF desenha e compõe essas páginas. É bárbaro! E aliás, queria chamar atenção para o trabalho artístico do autor, que desde o começo já se mostra consistente, mas que vai melhorando cada vez mais conforme vamos vendo o andamento da narrativa. É algo genuinamente incrível!

Eu gosto de histórias que dialogam sobre colocar pessoas, ou melhor, colocando nesse caso, criaturas (que podem ser alegorias para grupos marginalizados) como “monstros”, enquanto que as ditas “pessoas comuns” (os adultos aqui) seriam as vitimas e que portanto, precisam agir para se proteger ou “preservar” o que se chama de “civilização” e, nesse processo, elas que acabam se revelando os verdadeiros monstros. E está aí: a síntese das sociedades humanas ao longo de sua história.
- A edição
“Rei de Lata” é publicado no formato 15 x 21 cm, em capa cartonada com orelhas. A obra é totalmente colorida e é impressa no papel Couché brilho. Possui entre 224 e 260 páginas por volume (os dois primeiros são 248 páginas). O preço de capa nos dois primeiros volumes foi de R$ 49,90, passando para R$ 59,90 no terceiro, 64,90 no 4º e atualmente, sai a R$ 69,90 (até o volume mais recente, o 6). Abaixo, vocês conferem o vídeo mostrando os 2 primeiros volumes da obra ^^
Eu acho esses dois primeiros volumes bem redondinhos em edição, texto etc… Eu só tive um pequeno problema no volume #2 com uma dada parte e isso não é problema da edição, mas sim, uma escolha artística. Nesse segundo tomo, temos um bloco de páginas que são mais escuras para criar uma ambientação mais sombria e hostil. Só que acabou sendo escuro demais. Tive dificuldade até para conseguir ver o que estava acontecendo. Um exemplo abaixo:

- Conclusão
Entre os mangás nacionais que li até agora para resenhar no blog neste mês, “Rei de Lata” foi um dos que mais gostei. Ele mescla bem humor com ação, aventura, drama, além de ornar bem os conflitos das crianças com os desafios que precisam superar e aquela sensação de perigo que prende a atenção e faz querer mais e mais! O estilo do JEFF é maravilhoso, com uma riqueza de detalhes e uma grande variedade/diversidade nos designs de personagens, é algo que genuinamente acho bonito de se ver na leitura, isso sem falar no desenho dele que é bárbaro. Um trabalho que realmente vale a pena conferir!
E ah, nos vemos amanhã (23) para uma entrevista com o JEFF aqui no blog!

- Ficha Técnica
- Título: Rei de Lata
- Autor: JEFF
- Serialização: Tapas
- Quantidade de volumes: Em andamento com 6 volumes (a ser concluído em 8)
- Formato: 15 x 21 cm; capa cartonada com orelhas
- Preço de capa: R$ 49,90 (volumes 1 e 2) / R$ 59,90 (volume 3) / R$ 64,90 (volume 4) / R$ 69,90 (volumes 5 e 6)
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