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Usando um otaku gamer para discutir sobre relações interpessoais.

Depois de muito tempo após sua estreia, e com sua vindoura segunda temporada anunciada, decidi escrever a review do anime Jaku-Chara Tomozaki-kun. Devo ser sincero que a primeira impressão do anime, principalmente em relação a sua estreia, não foi algo que me instigou na época assistir seus episódios que eram lançados semanalmente. Tanto que assisti meses após os 12 episódios lançados (e seus 2 OVAs) e de quebra comprei as novels da versão americana da obra (no dia em que deu bug na Amazon e saiu distribuindo cupons de forma maluca e acumulativa). Demorei alguns meses para ler os 3 primeiros volumes do original (foram esses volumes usados na adaptação) e revi o anime dias atrás. Reassistindo e agora conhecendo o material de origem, me deu vontade de escrever sobre essa obra e suas qualidades em abordar determinados temas sociais, com distintas perspectivas de diversas convenções sociais que se tem na sociedade japonesa, ou até mesmo no modelo ocidental de organização dos relacionamentos afetivos entre as pessoas e como os indivíduos são inseridos na sociedade. A minha review será focada no anime, até porque não quero dar muitos spoilers do que está por vir na história.

SINOPSE: O experiente gamer Tomozaki Fumiya não se encaixa muito bem, mas ele gostaria. Sem regras estipuladas e um gameplay que não joga a seu favor, o mundo real parece impossível para alguém como ele. Mas ele, como qualquer noob, só precisa da ajuda de uma jogadora nata como Aoi Hinami para ajudá-lo. Talvez, com sua ajuda, Tomozaki ganhe a experiência de que precisa. Fonte: Crunchyroll

O enredo inicia a partir da visão do Fumiya em relação a tudo que o rodeia, que no caso seria o ambiente escolar. Ao fracassar na infância por tentativas de criar vínculos com outras crianças, o personagem cresce amargurado em como a sociedade japonesa é estruturada através de aparências, e decidiu aceitar seu destino triste em ser um baita gamer em um jogo cópia de um Smash Bros, mas que não consegue interagir com outras pessoas sobre temas banais. Esse começo tenta estipular que ele como um gamer, precisa saber das regras ou sobre o que ele pode fazer, como uma espécie de roteiro para decisões triviais, como se comportar perante outras pessoas ou o que fazer para zerar o “Jogo da Vida”. E como não existe esse conjunto de normas bem delimitadas de como se tornar uma pessoa sociável, o protagonista acredita que a vida é game injusto, visto não tem como ele vencer se o próprio não sabe o que fazer (ou objetivo) em relação a criar e manter relacionamentos além dos familiares que ele já possui. O roteiro estabelece o Fumiya como quase um Incell, que culpa as demais pessoas por seus fracassos e frustrações, em que seu único momento de fuga é ser muito bom no seu jogo favorito. Ao menos o protagonista não cria perfis fakes em redes sociais e descarrega seu ódio em pessoas aleatórias só por pensarem diferentes de sua visão de mundo (por isso que coloquei o QUASE na frase anterior xP).

Como de praxe em comédias românticas, surgiu uma garota (Aoi), a mais popular da escola que o personagem frequenta, como a segunda melhor jogadora do Smash genérico em que o protagonista é o melhor, e que servirá como seu contraponto quanto sua mentalidade pessimista em relação ao que ele pensa das outras pessoas. O encontro dos dois lembra muito o início de Oregairu, em que temos o casal principal como o ponto de elo para o enredo trabalhar duas visões distintas sobre o mesmo assunto. Enquanto Oregairu são debates de como a sociedade é formada de âmbito geral e que se desenvolve para algo mais complexo, como sobre sentimentos verdadeiros e o que devemos fazer com esses dilemas, em Tomozaki-kun é mais intimista as discussões sobre o que cada pessoa representa como indivíduo no grupo social em que está inserido. Até tem algo nesse sentido mais pessoal sobre terem relacionamentos verdadeiros, porém é mais focado em que se devemos ocultar nossos defeitos e agir de acordo com que é benéfico para o coletivo, ou se não podemos sermos quem somos de fato, mostrando nossos anseios e sonhos, buscando atingi-los, não se importando com o que os outros pensam. Essas questões são levantadas nos 3 arcos principais dessa primeira temporada.

Por exemplo, o arco introdutório trabalha dois pontos: o primeiro é sobre descobrir como são formadas as amizades e quais ‘papéis’ cada aluno tem em situações e contextos diferentes que passam diariamente na adolescência (não se pode esquecer que são tópicos tratados considerando a realidade de escola japonesa) e como uma pessoa que se destaca por N motivos é sempre vista como anormal ou bizarra pelo seu esforço exagerado ao fazer aquilo que gosta. A Aoi também sofreu durante a infância pelo seu amor a jogos antigos e decidiu adotar uma outra postura para se adequar à nova escola no fundamental 2. E a personagem, ao criar suas próprias regras pessoais sobre o que fazer ou não entre amigos, passou a avaliar seus relacionamentos de forma fria e analítica, recheada de certezas e fórmulas, como uma receita de bolo que precisa ser executada todo dia. Ela adentrou tanto nessa mentalidade, que isso acabou virando sua armadura e arma ao mesmo tempo. A personagem se protege de bullyings ou complicações que poderia enfrentar se ela fosse autêntica como na sua infância, agindo de forma premeditada. O resultado disso foi que quando ela chegou no ensino médio, a própria não consegue deixar sua persona criada de forma artificial facilmente e viver de forma mais natural possível diante do seu círculo de amizades. Para a Aoi, no momento que ela mostra suas vulnerabilidades, mostra suas fraquezas para outras pessoas e que pode acarretar problemas irremediáveis para si.

E pela Aoi ser competitiva ao extremo, não aceita que é inferior ao protagonista no game que tanto gosta. Assim, por motivações distorcidas, ela decide treinar o Fumiya para que ele se adeque aos padrões que a personagem considera como ideais a serem seguidos. Porém o Fumiya bate no seu limite moral em que se a pessoa se torna sua amiga, foi porque gostou do seu verdadeiro eu. Mesmo tentando seguir as sugestões da Aoi, geralmente ele consegue atenção dos outros alunos de sua sala por outras vias que o protagonista viu como as corretas. Reparem que todos os objetivos estipulados pela Aoi para o Fumiya são para transformá-lo em um cara super popular e conquistador de garotas, não se importando com os sentimentos alheios das envolvidas. Para o protagonista é inaceitável, pois isso vai de encontro ao que ele acredita e que não seria moral usar outras pessoas para benefício próprio. Ele prefere ainda ser reconhecido como um gamer hardcore, mas que está tentando ser amigo dos outros, em vez de atuar como fosse outra pessoa que não é, mesmo reconhecendo que certas mudanças, principalmente relacionados à aparência e postura, foram benéficas. Esse tema dos papéis de cada um na escola é reforçado no momento que o cara que é chamativo e bonito, não pode jogar games que gosta ou que não pode sair do padrão estipulado por outros alunos. Todos esperam um padrão comportamental para o Shuuji, mesmo que ele mesmo não queira seguir. Até mesmo a Yuzu (par romântico do último personagem citado) não aceita muito bem o outro lado do Shuuji inicialmente, porém ao descobrir sua paixão e fixação em ganhar do Fumiya ao menos uma vez em um dos jogos que ele curte, a garota entende que todos têm coisas que não podem abrir a mão tão facilmente, mesmo que vá para o lado oposto do consenso geral.

Esse lance sobre o que se espera do outro a partir de estereótipos e papéis sociais que devem ser aplicados, também é reforçado no arco seguinte da Minami. Essa personagem energética e simpática, de forma exagerada, com todos, esconde frustrações ao ter inveja do sucesso da Aoi. A Minami é competitiva também e não curte perder, principalmente se for em algo que a personagem se esforçou para atingir a premiação máxima. Aos olhos dela, o segundo lugar jamais será lembrado, independente do que é dito. Tem aquele lance do importante é competir e tal, como principal lema que os estudantes japoneses replicam ao perderem competições, entretanto ter seus esforços não recompensados de alguma forma, cresce aquele sentimento de frustração em relação ao não reconhecimento do trabalho exercido. E justamente é isso que a Minami tenta esconder toda vez que é a segunda em qualquer coisa que disputa contra a Aoi. Semelhante a amiga, a Minami também criou uma personalidade por aparência em preocupação dos sentimentos que ela possa ferir se seus amigos descobrirem seus reais sentimentos.

Além desse aspecto, também são inseridos outros minis arcos na narrativa, como a Fuuka que quer ser uma escritora profissional, mas que não encontrou ninguém que ela possa contar e dividir essa experiência, ou que a entenda em relação ao seu sonho. Também tem a Hanabi que por ser muito introspectiva e franca, não gosta de se comportar conforme o clima. Prefere tomar a iniciativa para qualquer coisa que faça e não busca aprovação dos outros. E todos esses desenvolvimentos das personagens femininas têm como fio condutor o protagonista dessa obra, e que o Fumiya se torna a chave catalisadora para uma nova descoberta ou crescimento delas sobre serem sinceras para si ou com os amigos. O Fumiya também enfrenta esse conflito sobre o quanto ele pode ser sincero sem parecer insuportável ou chato do momento. Ainda tem o lance de que você criar máscaras ou atuar como uma outra pessoa perante aos grupos sociais, acaba excluindo a sinceridade e afinidade que as verdadeiras amizades constroem ao longo de uma convivência e conversas sobre assuntos comuns de ambas as partes. O Fumiya até aceita certas condições da Aoi no seu treinamento de ser uma pessoa sociável, porém quando envolve outras pessoas em relacionamentos mais profundos, como namorar ou segredos, isso vai além do que ele considera como algo sincero e verdadeiro. O protagonista entende que precisa ser maleável dependendo da situação, mas que não deixará de ser como ele é em troca de algum benefício que somente o privilegia. E como a Aoi tem uma visão oposta dessa ideia, acaba gerando o terceiro arco que é uma autocrítica sobre como nós mesmos devemos nos portar como indivíduo inseridos na sociedade e o quanto estamos aptos abrir mão da nossa verdadeira identidade para a melhor convivência e bem-estar coletivo.

Até nessa parte da review, tentei levantar pontos e questões que são os alicerces das motivações do Fumiya e da Aoi que eles tomam durante a história. Querendo ou não, faz parte do cotidiano de quem assiste. A mensagem da obra é que nem sempre podemos sermos nós mesmos, porém não podemos abrir mão na nossa busca de procurar relacionamentos com pessoas que nos entendam e que nos aceitam como somos, independente do que estranhos acreditam sobre o que deveríamos nos tornar. Você talvez não tenha refletido sobre como você é como pessoa e sobre o que pensam de ti, mas como animais dependentes de laços afetivos dos semelhantes da mesma espécie para uma saúde mental completa, precisamos nos entender e compreender o outro da melhor maneira possível. Diferenças e brigas vão fazer parte da nossa vida e que esses momentos felizes ou tristes, irão nos compor como pessoa até a nossa morte. Jaku-Chara Tomozaki-kun é uma obra que não busca ser algo além dessa proposta de levantar alguns questionamentos das nossas relações humanas. A visão do autor nesse começo é mostrar que existe mais de uma possibilidade para construir amizades ou namoros além do que é previamente estipulado por dogmas sociais, mas que ao entender como que cada indivíduo pode ser diferente e aceitá-lo como ele é, talvez seja já um início de uma vida mais próxima da ideal ao que todos desejam atingir. No final, esse tema e de como foi abordado no anime foi do muito do meu agrado. No original tem mais alguns tópicos aprofundados, no entanto a essência está lá e a adaptação conseguiu transpor bem a mídia escrita, tirando o desnecessário e focando no que importa.

Sobre outros aspectos, eu jurava que a produção não iria aguentar a pressão e a animação (por consequência, os animadores também) iria sofrer, justamente na época que o anime saiu, o estúdio estava com mais de um projeto de outras adaptações em andamento e geralmente isso dá muita merda. Felizmente não foi o caso e a animação foi consistente e decente em boa parte dos episódios. Sobre a comédia, até acho eficiente. Não gargalhei assistindo, mas as interações do Fumiya com a Aoi são o grande destaque. A diferença de ideais entre um e outro, acabam gerando momentos genuinamente interessantes de acompanhar, ou dependendo do caso, até refletir. Citei bem por cima no começo do texto, mas para quem curtia o casal principal de Oregairu, terá uma boa lembrança assistindo Jaku-chara Nozaki-kun.

Mas nem tudo merece elogios e tenho algumas reclamações, principalmente em coisas relacionadas a direção e edição. Na parte da edição, é mais em como a montagem fracassa, diversas vezes, na passagem de tempo entre as cenas. Entendo que certos detalhes não têm como adaptar na animação, porém a sensação que passa no animes é que a mudança comportamental que o protagonista está passando foi em questão de dias, sendo que foram meses desde que o Fumiya descobre o segredo da Aoi, até quando eles reconciliam no episódio 12. Essa aceleração na narrativa prejudica em passar a dificuldade do protagonista em tentar ser mais sociável. Até tentam fazer pequenas sequências de narração em OFF enquanto passam imagens de dias distintos, mostrando os personagens vivendo seus cotidianos, mas ainda fracassa em estabelecer a dificuldade do protagonista em aprender a conversar com outras pessoas. Na novel passa essa sensação de um trabalho gigantesco do aprendizado do Fumiya, na adaptação ficou perdida e abrupta para quem não conhece o original.

Sobre a direção, teve uma parada que detestei que foram os ângulos desnecessários. Vou explicar melhor. O anime não tem ecchi ou fanservice para o público masculino em 95% do tempo. Tem uma cena do banho quando os personagens foram dormir fora de casa, mas nada apelativo, tipo To Love-ru ou similares. O lance é a necessidade das decisões de colocar a ‘câmera’ (falo câmera, mas é no sentido de ângulo selecionado para fazerem tal desenho ou frame específico), por exemplo, entre as pernas de alguma personagem feminina, ou ter um busto de alguma garota figurante em primeiro plano, enquanto os personagens principais estão conversando e que o assunto dos diálogos é sobre carros (exemplo genérico). É desnecessário ao extremo. Tipo, tem uma cena que simboliza demais esse aspecto que é a Aoi dando bronca no protagonista. Nesse ângulo bizarro, colocam a câmera entre as pernas levemente afastadas uma da outra da personagem que está em pé, de frente para o protagonista, enquanto dizia teorias sobre comportamento humanos e como reagem a determinadas situações que envolvem grupos. Não mostra calcinhas ou detalhes ginecológicos, mas é um tipo de cena que não consigo mais tolerar, pois ela está dessa forma sem necessidade alguma. A obra não precisa e nem é destinada para esse pessoal punheteiro, porém parece que é algo intrínseco e comum nessas obras de comédia romântica para os jovens do sexo masculino, que quando surge algo do tipo, a minha reação é sempre a mesma: -Que merda, não precisava!

Mesmo com seus deslizes, Jaku-Chara Tomozaki-kun foi bem melhor do que eu tinha como expectativa inicial. Os assuntos abordados e a discussão gerada pelo tema central foram o suficiente para eu poder curtir tudo que a obra podia oferecer. Para quem curte esse estilo de slice of life com comédia romântica e momentos mais profundos de estudos de personagens, o anime do Tomozaki-kun é uma boa sugestão.

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