Tinha potencial, mas a adaptação não conseguiu avançar além do mediano

Para quem leu meu post sobre minhas primeiras impressões do anime de Leadale (link aqui), talvez até tenha curiosidade de assistir à animação como passatempo e possa ter ficado satisfeito, caso já tenha consumido a obra. Mas vendo a temporada completa do anime, dá para perceber que Leadale termina em uma nota menor do que começou, com muitas possibilidades de abordagem desperdiçadas em apostar apenas no replicar elementos que fizeram sucessos em outros isekais do que fazer algo original de fato. Irei comentar melhor o meu ponto de vista no meu texto abaixo.

Sinopse: Após um terrível acidente, Keina Kagami fica presa ao sistema de suporte de vida, e sua única distração é Leadale, um VRMMORPG. Um dia, seu suporte de vida é desligado, e Keina falece… mas acorda encarnada dentro de Leadale, 200 anos no futuro. Ela agora é a meia-elfa Cayna, detentora de raras habilidades e atributos apelões. Embora não conheça nenhum dos habitantes desta nova era do mundo, dentre eles aparentemente estão três de seus “filhos”?! Uma aventura tranquila cheia de risadas e lágrimas! Fonte: Crunchyroll

Bem, o que posso dizer inicialmente, é que a minha impressão de meses atrás que eu tive sobre a proposta do anime se confirmou, em que acompanhamos uma jogadora veterana que era uma das mais fortes do jogo e que precisa lidar com essa nova vida que lhe apareceu subitamente de ser poderosa (ou deusa) jogadora neste mundo. E todas as convenções de histórias desse tipo estão lá: protagonista apelão que ajuda os mais necessitados, que não quer entrar em conflito ou arriscar sua vida, que busca sossego, que consegue vencer seus inimigos com facilidade, que rola alguma cena cômica relaciona a sua força estrondosa durante as lutas… enfim, tinha de tudo um pouco no enredo. O meu problema com o anime é justamente nesse aspecto, em que apesar de não fazer nada de errado, a história jamais vai para além do seguro ou do esperado.

A começar pelas similaridades com o anime do Slime. Até mesmo tem o personagem do “Grande Sábio”, que serve como um totem expositivo para mecânicas daquele game fantasioso. Até pensei que seria uma piada relacionada a isso, porque querendo ou não, é uma facilitação do roteiro (bem preguiçosa, vale dizer) das duas histórias para explicarem coisas de forma sucinta e necessária nas cenas, mas que os autores não colocaram anteriormente. Só que lá no anime do Slime, o “Grande Sábio” se torna também participativo e relevante para a narrativa relacionando seus conhecimentos para ajudar o Slime. Até mesmo como personagem escada para diversas cenas cômicas o Grande Sábio serve, com seus comentários pontuais sobre alguma decisão imbecil do protagonista. Enquanto em Leadale, o Kee (o Grande Sábio daqui) não irá além de ser um personagem invisível, não participando da narrativa e só servindo para a ideia de só ser um guia para a Cayna quando a própria desconhece o que está acontecendo. Sabe, ao menos tenta disfarçar essa artimanha barata de roteiro em ter um personagem explicando tudo para a protagonista, e não simplesmente o autor escrevendo o que a personagem precisa para prosseguir.

Também tem o lance dela ser extremamente poderosa e ter renascido naquele mundo. Todo esse mistério sobre o seu passado poderia render alguma coisa, principalmente com a parada dela ter passado boa parte de sua infância e juventude deitada em uma cama hospitalar. São detalhes simplesmente citados, mas que nada vai para frente. Na verdade, o autor simplesmente ignora esse background da personagem, e a própria personagem aceita sua nova condição com tremenda facilidade e bola para frente. Se não vão dar atenção e trabalhar esse passado, era realmente necessário citar sobre o que aconteceu antes? Se o enredo não vai aprofundar essa parada, podia tranquilamente simplificar essa questão dizendo que a Canya era uma jogadora hardcore, conseguindo a proeza de ser uma das mais fortes daquele servidor. E até evitaria todo aquele dilema dela aceitando sobre sua morte na Terra e ter renascido no jogo, para 5 minutos depois ela estar tranquila quanto a isso, aceitando que agora seria sua nova vida. Não serviu como desenvolvimento ou aprofundamento de alguma característica da personagem. Ela começa a história de uma forma e muda muito pouco quando termina a temporada. Como comentei antes, ela só passou a aceitar que não tem como voltar e que é essa sua nova realidade, em questão de poucos minutos. Nem para ser algo dramático serviu esse impasse dela aceitar quanto ao ocorrido. Foi só informação jogada e é isso aí. Aliás, em Leadale é o que mais temos, com vários elementos sendo inseridos, mas que nada progride relacionado a eles. Descobrimos algum assunto, só que fica estagnado esse ponto e que não será trabalhado adiante nos eventos futuros. Vou comentar alguns exemplos.

Descobrimos que a Canya era uma moderadora do servidor por sempre estar logada jogando, e fortalecendo sua personagem com skills diferenciadas. E ela era MUITO FAMOSA, o que explica a facilidade da personagem em conseguir materiais raros, ou receitas que ainda não tinham sido difundidas para os demais jogadores. O que o roteiro faz com isso? Nada. É apenas uma vírgula (não necessária) para darem contexto sobre como a Cayna consegue fazer tudo naquele mundo. Novamente é algo que só podiam dizer que ela passava horas jogando, que daria na mesma. Não necessitava dar todo o destaque sobre como a protagonista é foda inserindo mais paradas que não acrescentam em nada para o espectador. Já temos a impressão dela ser forte e roubada demais nos poderes complexos que ela conjura. Saber que ela era moderadora não mudou a minha percepção da personagem. Inclusive, tem duas outras paradas que tanto a protagonista como a história cagam horrores.

A primeira coisa é relacionada à morte da Canya na Terra. Outros 2 humanos, que também vieram da Terra, contam para a protagonista que sua morte ficou famosa, e que esse seria o motivo de desligarem os servidores do game Leadale. Além disso, ela morreu e só renasceu 200 anos depois assumindo o controle do avatar que ela jogava (lembrando que esses 200 anos é dentro do jogo e não fica claro a passagem de tempo em relação à Terra), enquanto que os outros 2 personagens, renasceram em períodos diferentes e antes da protagonista, sendo que os próprios dizem que estavam vivos segundos antes de acordarem naquele mundo. E novamente, o que o roteiro faz com essa informação? NADA. A Canya até reflete por alguns segundos, mas o mistério sobre o motivo disso acontecer, é completamente deixado de lado depois dessa cena. E a segunda parada deixada para trás é de como tem outros jogadores renascidos nos personagens que jogavam. O que era para ser uma característica marcante ou interessante, de novo é abandonada durante a temporada. No começo do anime, até davam a entender que a protagonista seria a única nessa condição, mas foram aparecendo mais, e mais, e mais humanos reencarnados, que a origem e o porquê de mais players ficarem presos dentro do jogo foi ignorada.

O arco da floresta de bandidos, quando revelam que o líder é controlado por uma criança da Terra que também renasceu no mundo, também poderia ser outra parada para termos discussões sobre comportamento tóxico dos jogadores, ou como uma pessoa pode mudar quando está em um cenário que ela pode subjugar os demais. Só que não vai para frente. E se repete esse modus operandi. Informações e descrições desnecessárias, e que não vão ser relevantes mais para frente. Mesma coisa quando é apresentado os demais jogadores que foram para aquele mundo, e que também vale para os “familiares” da Canya. A protagonista adota e cria 3 NPCs, que nesses duzentos anos de sua ausência, viveram suas vidas de maneiras autônomas, formando novas famílias e construindo carreiras dentro do império. Só essa premissa podia rolar diversas coisas e que seria interessante acompanhar esse núcleo, como as consequências de termos a mãe deles retornando de suas ‘férias’. Porém, dentro do esperado, todos os filhos só servem para alívios cômicos esporádicos, sem nenhuma relevância para a jornada da protagonista. E não deixando de comentar, entendo que uma relação entre mãe e filhos cresce quando passam o tempo juntos, convivência e tal. Só que ela descobre que tem filhos, netos e até BISNETOS, mas em nenhum momento a personagem fica curiosa ou sentimental quanto a sua nova família. A Canya não está nem aí para seus filhos adotivos e quer sair em uma aventura pelo mundo, deixando todos para trás. Todas suas atitudes são egoístas nesse sentido, pois ela não considera em nenhum momento a opinião deles quando decide fazer sua jornada. E tem todo uma reflexão da Canya que AGORA ela considera aquelas pessoas como sua verdadeira família, sendo que suas decisões vão para o lado oposto a essa mentalidade. Ela só volta a valorizar o ambiente familiar quando temos o penúltimo arco da vila dos pescadores zumbis, porém ainda ignora o restante dos familiares, construindo sua casa em local bem distante dos demais parentes. Aliás, tenho coisas a comentar sobre os 2 últimos episódios.

Tipo, a temporada do anime claramente terminou no episódio 10. O episódio 11 ou 12 parece muito aqueles capítulos extras de Blu-Ray e DVD, em que contam histórias desconexas ou sem importância. Os dois últimos episódios foram um enorme epílogo de um arco que foi deveras arrastado. Eu já sabia que Leadale iria focar no cotidiano da protagonista do que em lutas ou na aventura. Só que como citei nos parágrafos anteriores, se a história tivesse investido em ser algo mais bobo e não flertar com temas mais profundos, como laços familiares ou doenças terminais, talvez o anime melhorasse a sua narrativa descompromissada e teria sido uma experiência mais tranquila de assistir. Mesmo se o enredo fosse mais lento como foram os últimos episódios, eu não ficaria entediado com facilidade. O que também contribuiu para eu não ter gostado, foram as cenas de comédia repetitivas e previsíveis.

O anime de Leadale aposta intercalar comédia e cenas do cotidiano da Canya na tentativa de entreter o público. Entretanto, quando eu vi a mesma piada do filho elfo, Skargo, sobre como ele é obsessivo com sua figura materna pela enésima vez, já estava torturante acompanhar esses segmentos. Já disse em outros posts, mas reforçando, piadas repetidas à exaustão por meios de estereótipos, ausência de timing cômico ou eu adivinhar o final da piada antes de sua conclusão, são exemplos do que não curto nas comédias das obras que consumo. E Leadale consegue acertar todos esses 3 pontos que apontei que desgosto em cenas engraçadas. E esse fato piora quando apenas a Canya é carismática ou marcante de todo o elenco da obra. A protagonista não consegue segurar sozinha a atenção do espectador somente com sua presença. Os demais aspectos e personagens precisam estar no mesmo nível que a Canya na história. A protagonista ofusca todo o resto do elenco, o que também diminui a ligação que temos com os demais personagens, fazendo com que todo momento em que a Canya não aparecesse, seja chato ou tedioso. E como a história e o mundo daquele jogo é bem qualquer coisa, acaba refletindo na personagem da Canya em ter que segurar todo o peso da atenção para si. Em algum momento, por não estar acontecendo nada de relevante, a obra vai se tornar enfadonha (no meu caso, já aconteceu na primeira temporada).

Apesar dos deslizes, a staff do anime ao menos tenta entregar algo minimamente decente. Mesmo os designs serem bem feios, a animação conseguiu entregar o mínimo, sem grandes deformidades entre os frames. A direção e edição até ousam em poucos momentos, mas o orçamento bem baixo, não permitiram que novas ideias ou cenas mais arrojadas fossem desenhadas para a adaptação. Tiveram que se contentar com o que tinham, e entregar o que o dinheiro permitia. A trilha sonora, opening e ending são bem esquecíveis, mas funcionais no que a história se propõe a apresentar. No final, nem na parte técnica merece algum elogio ou destaque, pois foram reflexos do que a narrativa se propôs, em ser algo bem mediano em sua execução.

Leadale no Daichi nite podia ser mais um isekai divertido que eu fácil iria recomendar para todos assistirem. Porém, em meio a decisões equivocadas sobre abordar temas e assuntos sem necessidade, com um foco bem exagerado na protagonista, cria um resultado um tanto amargo para uma obra que só precisava ser mais simples do que se propôs a fazer.

O anime está disponível na Crunchyroll

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