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Em "Vitamin", Keiko Suenobu escreve uma obra-prima!

“Vitamin” é um mangá que foi publicado no Brasil em Dezembro de 2015, ou seja, quase 4 anos do blog existir e naquela época, eu sequer conhecia o mundo doa animes e mangás (me introduzi em 2017). Quando passei a me aventurar pelo mercado nacional e a pesquisar o que eu poderia comprar entre os títulos lançados por aqui, eu via muitos vídeos de recomendação e um dos mangás que via sendo recomendado era “Vitamin”. A época, eu ainda era menor de idade e portanto, tinha um dinheiro muito limitado, então não pude adquirir o mangá. O tempo passou, o mangá ficou esgotado durante anos, ao ponto de desistir de tê-lo. Neste ano, porém, repentinamente o mangá apareceu disponível na Amazon (provavelmente fruto de estoques perdidos/achados pela JBC da época de bancas), então aproveitei para adquiri-lo!

“Vitamin” (ビタミン) é um mangá escrito e ilustrado pela Keiko Suenobu. A obra foi publicada em 2001 na revista Bessatsu Friend, da editora Kodansha, tendo sido concluído em apenas um volume. No Brasil, a JBC anunciou em Fevereiro de 2015 e lançamento em Dezembro do mesmo ano.

Sinopse: “Sawako, uma estudante de 15 anos, levava uma vida escolar como muitas outras, sem maiores problemas. Até que certo dia, ela é flagrada com o namorado em uma sala de aula por um colega de classe, e isso transformará a vida dela em um verdadeiro inferno, o inferno que é sofrer bullying! As amigas de ontem, são as vilãs de hoje…Qual é a “Vitamina” necessária para ela suportar a dor e desespero de ser maltratada pelos próprios colegas de de escola?”


  • História e Desenvolvimento

Quando estava pensando na lista de obras que poderia selecionar para resenhar em comemoração ao 5º aniversário do blog, “Vitamin” já estava comigo e pensei “por que não?”, colocando ele sem muita pretensão ou expectativa. Para a minha grande e felizarda surpresa, a obra se mostrou como sendo arrebatadora e absolutamente irretocável!

Bem, “Vitamin” vai tratar da Sawako, uma jovem estudante que está no que seria nosso último ano do Fundamental II, se preparando para entrar no Ensino Médio. Ela namora com um garoto chamado Kouta, tem amigos e se esforça para entrar em uma boa escola no EM, orgulhar seus pais e ter mais ou menos “o mesmo caminho” que sua irmã mais velha nos estudos. Tudo normal e comum. Porém, um dia, enquanto ela ajudava na limpeza da sala de aula com o namorado, ele tenta fazer sexo com ela, forçando ela a fazer isso na sala, e alguém acaba vendo os dois, ou melhor, vendo ela e não vendo o Kouta. No dia seguinte, a informação rapidamente se espalha e o bullying surge de uma forma totalmente violenta contra a Sawako.

Embora o momento derradeiro para o começo do bullying ser o momento em que a Sawako é flagrada quase fazendo sexo em uma sala de aula (sexo forçado, volto a pontuar), desde as primeiras páginas você nota que já tem coisas estranhas acontecendo no entorno da protagonista. As ‘amigas’ da Sawako desde o começo caçoam da aparência dela e, embora não tenha muito tempo para a autora mostrar mais dessa relação entre elas (o que não é um problema, dado que o foco da obra não é esse ponto), tem algo que soa muito incômodo e até meio distante entre elas. Fica bem claro que há o grupo de amigas e a Sawako como uma agregada, como se não fizesse parte do grupo realmente.

Agora, se a parte das amigas é estranha, a relação dela com o namorado é desastrosa. O garoto é absolutamente detestável e além de tudo, um abusador. Ele é muito irritante, mas nem é essa a palavra certa para ele, ele é péssimo mesmo. É o típico garoto que vai levando, de uma forma ou de outra, a protagonista a fazer o que ela não quer, constrangendo ela e forçando a transar em locais e situações que ela não está a fim. E quando acontece de um dos colegas de classe da Sawako ver eles, o Kouta acaba não sendo visto e como garoto escroto que é, ele usa disso para não só abandonar a Sawako nessa situação que ele a colocou, como também se coloca como uma vitima de uma traição, já que ela estaria transando com outro na sala de aula.

Passado isso, segue-se uma sequência absolutamente desoladora de agressões que, inicialmente, começam como verbais, com a Sawako sendo chamada de tudo quanto é nome, e não demora nada para que essas agressões passem a ser físicas, principalmente de outras garotas – incluindo suas “amigas” – que agora a veem como uma vagabunda promíscua e fazem todo tipo d atrocidade, incluindo tirar fotos dela pelada, rabiscar o corpo dela e tirar fotos para usar como chantagem e fazer com que essas agressões continuem a ocorrer vez após vez. O tempo passa e a Sawako vai sendo destruída completamente, ficando cada vez mais isolada, sem amigos, sem namorado, sem poder contar para ninguém o que está acontecendo com ela e ainda tendo que lidar com a pressão dos pais para que ela siga um bom caminho e estude bastante.

Tem momentos bárbaros nesse volume, não pela violência – esses por si só são muito chocantes, é verdade – mas sim, por a autora sabiamente colocar, em dois momentos diferentes, aquele fio de esperança de que as coisas irão mudar e logo em sequência, tudo desaba e volta a ser como antes, ou até pior de como era antes. São dois pontos do mangá que são situações diferentes, mas completamente desoladores. O segundo momento, em especial, é deveras avassalador, porque enquanto estamos lendo, você sente a tragédia chegando, você não quer que seja assim, porque no fim, assim como a protagonista, há aquele fio de esperança na humanidade e que a autora tira em sequência, sem a menor piedade. É perfeito.

E falando nos pais da Sawako, a pressão de pais com relação ao futuro desde tão novo é o outro pilar que a autora desenvolve na história e ganha mais destaque depois que a Sawako começa a ‘afundar’. Ela era aquele modelo de aluno que se esforça e no entanto, depois dos ataques, ela começa a faltar nas aulas, ter medo de ir a escola, pois sabe que o inferno lhe aguarda e isso lhe causa muita ansiedade, bem como ainda ter que lidar com os pais, especialmente a mãe dela, fazendo cobranças quanto ao desempenho na escola, que as notas estão caindo e há toda um mal-estar em torno disso.

Em uma das minhas aulas de Didática na UFSCar, a minha professora comentou conosco com relação às expectativas que a escola deposita nos alunos. Ela perguntou para nós quem a gente achava que sofria algum tipo de pressão dentro do ambiente escolar, se eram os animes acima da média (os que normalmente viram ‘modelos a serem seguidos’), na média ou abaixo da média (os tidos ‘problemáticos’). Os que estão abaixo sofrem pressão no sentido de haver sempre uma estigmatização deles, pois são os alunos que são ‘abandonados’ (há uma longa discussão entorno disso que não irei discorrer aqui, mas é bem interessante), mas o ponto principal aqui são os acima da média, porque ao mesmo tempo que a escola celebra eles, a escola muitas vezes vai ser a primeira a apontar o dedo caso essas expectativas não sejam atendidas. Por exemplo, se a nota desse aluno exemplar cai, não há uma preocupação em entender o motivo, mas sim, meio que ‘apontar o dedo’ e isso cria uma pressão enorme para que se mantenha a estabilidade ou esteja sempre melhorando para atender mais essas expectativas que vão sendo depositadas. Com a Sawako, é bem evidente que de primeiro momento, não há uma tentativa em buscar meios para que ela se sinta confortável em contar o que está acontecendo, é sempre num tom mais agressivo da fala, o que torna tudo pior, pois é como se a culpa fosse dela, por ela estar se “desviando do bom caminho”.

Não vou entrar em detalhes de como isso se desenrola e se resolve, mas digo que a autora pincela um pouco sobre como a carreira de mangaka não é bem-vista no Japão, como não sendo um trabalho digno ou mesmo um futuro promissor. Fato é que a maneira como a autora encerra o volume é absurdamente linda. Um final muito emocionante, de fato.

Tem uma cena em que a Sawako já está completamente detonada e ela reflete sobre o que falam para ela, coisas como “Falta pouco”, “Fugir não muda nada”, “Seja forte”… e ali me tocou muito porque esse tipo de coisa não é o que a gente quer ouvir. Por que temos que ser (mais) fortes? Por que temos que continuar aguentando vez após vez? Tudo que a gente quer é poder só desistir, cair, poder ser consolado ou mesmo ter alguém para nos ajudar a lidar, sem questionar ou cobrar, só ficar lá, conosco. Não precisar parecer forte ou mesmo ter que ser forte, porque não é o que pedimos. É desolador ter que lidar com essas agressões e não ter com quem contar verdadeiramente por uma razão ou outra (e falo isso por experiência própria).

O posfácio da autora no mangá é maravilhoso e tem um parágrafo (e mais um trecho) em especial que eu achei muito importante a ser dito. Irei transcrevê-lo aqui (não tem nenhum spoiler da história, não se preocupem):

Posfácio por Keiko Suenobu:

“Com relação à representação do bullying, há pessoas que podem pensar que isso é ‘maldade demais’ ou que ‘não é realista’, mas estão acontecendo atualmente, no mundo real, tipos de bullying ainda mais cruéis do que os retratados neste mangá. Mesmo que a memória das vítimas se enfraqueça com o passar do tempo, elas continuam não podendo se libertar do terror da época.”

  • A Autora

A Keiko Suenobu nasceu em 23 de Março de 1979, em Fukaoka, e inicia sua carreira de mangaka em 2001, justamente com “Vitamin“, que nasce como um one-shot de 100 páginas (correspondendo ao capítulo 1) publicado na Bessatsu Friend, e que graças a ele, ela teve a oportunidade de continuar a história com mais 2 capítulos, compilados em volume único. Em 2002 ela inicia “Life” na Bessatsu Friend e esta vem a se tornar sua obra mais longa e seu maior sucesso! Em 2006 a obra foi vencedora 30º Kodansha Manga Awards na categoria de Melhor Shoujo. O mangá foi publicado até 2009, sendo concluído em 20 volumes. Paralelamente à Life, em 2003 ela lança “Happy Tomorrow” (volume único) também na Bessatsu Friend, sendo outro de seus trabalhos mais emblemáticos e se trata de um compilado de histórias curtas da autora. Pouco após o término de Life, a Keiko inicia “Limit” na Bessatsu Friend, concluindo o mangá em 5 volumes e este é o outro trabalho da autora lançado no Brasil (JBC). Em 2016 ela faz sua estreia em uma revista Seinen com “Life 2: Giver/Taker“, spin-off de “Life” publicado na revista Afternoon e completo em 6 volumes. Seu trabalho mais recente é “Ochitara Owari“, onde ela fez sua estreia em uma revista Josei, tendo o publicado na revista BE LOVE entre 2019 e 2023 e completo em 10 volumes.

Vale dizer que desde a estreia da autora em “Vitamin”, o desenho da autora é muito refinado, claro, limpo e com ótimas noções de quadrinização e composição de cenas. É algo muito lindo de ver e fico bem curioso para ver como está a arte dela no seu trabalho mais recente! De toda forma, é um banquete artístico visualmente falando ^^


  • A edição nacional

O mangá foi publicado no Brasil no formato 13,7 x 20 cm, tem capa cartonada e papel Off-set. O mangá tem cerca de 200 páginas e foi lançado ao preço de R$ 14,90. Abaixo vocês veem um vídeo mostrando a edição nacional em detalhes:

Como comentário, vale dizer, o mangá está numa edição bem capenga. Ele saiu na época da crise do papel e a transparência remete ao caso muito emblemático de “orange”. Fora isso, a estética adotada é tenebrosa também. O mangá espelhado e a 4ª capa é num tom azul vibrante, enquanto a lombada uma parte é vermelha e não orna nada com nada.


  • Conclusão

“Vitamin” é daqueles mangás que, infelizmente, ficaram “abandonados” pelo tempo. Seja na época do lançamento, como agora, a obra não me parece ter recebido a atenção e o cuidado que mereciam. Esse é daqueles trabalhos que vez ou outra precisam ser lembrados, pois não importa quanto tempo passe, ele continua sempre muito atual. É um mangá muito redondo e com um encerramento primoroso, realmente! Se encontrarem vendendo em algum lugar a um preço ok, comprem! Não irão se arrepender ^^

Essa foi mais uma resenha do blog para comemorar os 5 anos do site! Reitero que estamos publicando uma resenha por dia no site, então fiquem de olho! Obrigado por lerem e até o próximo texto ^^


  • Ficha Técnica
  • Título original: Vitamin (ビタミン)
  • Título nacional: Vitamin
  • Autora: Keiko Suenobu
  • Serialização no Japão: Bessatsu Friend
  • Editora japonesa: Kodansha
  • Editora nacional: JBC
  • Quantidade de volumes: Volume único
  • Formato: 13,7 x 20 cm
  • Quantidade de páginas: 200
  • Papel: Off-set
  • Preço de capa: R$ 14,90
  • Compre em: Amazon

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