babylon-anime-1.jpg
Como fazer um anime investigativo de forma decente.

Como fazer um anime investigativo de forma decente.

SINOPSE: o detetive Zen precisa investigar um possível caso de corrupção as vésperas de uma eleição municipal. Mas conforme a investigação progredi, mais mistérios são revelados. E uma pergunta surge como o principal norte para a solução do caso: Quem é Ai Magase?

Assistir anime realmente excelente é outra coisa

Terminei Babylon definitivamente satisfeito com o que vi. Depois de outros 4 animes meio merdas com a mesma pegada na temporada passada (Psycho-Pass 3, Kabuchiou Sherlock, Keishichou Tokumubu Tokushu Kyouakuhan Taisakushitsu Dainanaka: Tokunana e No Gung Life), ter uma obra que consegue acertar no gênero policial, é tão satisfatório, visto ser raro um lançamento de animes assim. Admito que no começo de Babylon, não tive um apego tão grande pelo anime. Achei interessante seu começo, com uma introdução misteriosa e um twist inesperado na sua estreia. O me motivou a continuar foi a curiosidade do que raios estava acontecendo. Era uma trama política, com corrupção passiva e subornos de todos os tipos para conseguir vantagem na eleição municipal da cidade que se passa a trama no primeiro momento. Parecia uma mistura de House of Cards e seriados nacionais sobre a política brasileira. O suspeito, junto com o mistério de quem é a moça que aparentemente trabalha com ele nas negociações de parcerias, são o que move essa investigação a princípio. Até aí, eu estava interessado por onde a trama iria seguir.

Mas, quando teve o segundo plot twist de QUEM ERA O VERDADEIRO CANDIDATO SUSPEITO, o anime me pegou. Na real, o interrogatório da Magase Ai foi quando o anime ganhou minha atenção. PUTA MERDA. QUE ESPETÁCULO DE DIREÇÃO E FOTOGRAFIA. Toda a cena é composta para te causar um desconforto. Não existe palavrões ou briga física. Só se tem uma conversa entre o protagonista (Zen) e a Magase. E QUE TENSÃO. Os diálogos têm todo um subtexto de liberdade corporal, qual limite de vender seu corpo em benefício próprio, o que é errado, o que é morte e qual o sentido real da vida. A direção potencializa todo o momento com uma edição rápida e claustrofóbica mostrando que tem algo de errado, e que a Magase tem alguma técnica hipnótica para alterar o ambiente a sua volta em seu favor. Os trejeitos, sua forma de falar, sua forma de expressar, tudo era convidativo para alguma merda. Nada poderia sair de bom em falar com ela.

É uma mistica oculta que o anime não explica literalmente, porém deixa a entender que a Magase utiliza essa habilidade para favorecer um dos candidatos a eleição. Tirando o fato que ela é um mestre dos disfarces. Ninguém consegue pegá-la ou capturá-la. Até no roteiro deixa em aberto o que ela é realmente. Ela é uma alegoria ou uma analogia ao diabo, em que o MAL está em todo e que pode assumir várias formas? (referência as religiões cristãs) Ela tem superpoderes? Faz hipnose? Ela existe? Tem uma linha tênue entre a realidade e percepção do que ela representa realmente e do que pode fazer. É um thriller policial em que o causador de todo o caos, tem quase uma presença onipresente, um alvo que não pode ser capturado. Inclusive, são os homens os mais afetados por sua presença. Não existe sexualização ou coisa do tipo, mas é quase um instinto animal em seguir o caminho determinado por ela, como se fosse um tipo de encantamento e movidos por desejos sexuais reprimidos socialmente. E a libertação dessa agonia em busca de se livrar dessa corrente pecaminosa, é o suicídio. Toda essa demonstração do perigo de morte, só pode ser evitado fugindo do “assassino” (ela não mata as pessoas, só os incentiva). É uma abertura para questões de ponto vistas de como classificamos as pessoas, ou quem são os verdadeiros assassinos, ou como a legislação de uma nação é dúbia e privilegia determinado grupo por interpretações e visões distintas. Tem debates filosóficos da verdadeira justiça e se a nossa sociedade emprega essa utopia na teoria. Muito foda.

E quando começa para valer a busca atrás da Magase, o anime tem dezenas de reviravoltas que muda toda a trama, transformando a concepção que tínhamos anteriormente de todos os temas que são abordados no anime. Só que um dos assuntos mais discutidos é a verdadeira liberdade humana e o direito de controlar sua própria vida, incluindo se matar.

Alguém está certo nesse debate do suicídio?

Até o episódio 7, o tema mais debatido por todos os personagens da obra (contando com os candidatos a eleição) é o direito do ser humano em tirar sua própria vida. Como você vai argumentar do direito da liberdade de expressão e do direito de controlar sua própria vida, sendo que você proíbe que as pessoas que se matem, limitando esse direito “universal” de todos os homens e mulheres que vivem em sociedade, de definir seus últimos momentos e ou de sua hora da morte quando possível? Mas tem um outro lado. Permitindo, você está abrindo possibilidade de um “extermínio coletivo” em que adeptos ou pessoas de mentalidades fracas, fiquem influenciadas a cometer o suicídio, aumentando a defasagem de mão-de-obra humana, ocasionando problemas sociais e econômicas ao mesmo tempo. Tirando que deixar o suicídio permitido por lei, estaremos em conflito com outra regra social que é a luta da vida, sobrevivência da espécie. Biologicamente falando, nenhum ser vivo nasce sabendo quando vai morrer e tem a intenção de morrer. O instinto é de se manter o vivo o máximo possível. Entraremos em conflito de um discurso em que os seres humanos devem sobreviver, ao mesmo tempo que permite a morte para um outro grupo. E quais as consequências psicológicas dessa reivindicação? É um assunto tão complexo criado dentro do contexto da obra, que abre portas para discussões mais profundas de como vemos o ser humano e do que somos perante a nós mesmo, como para a sociedade inteira.

Umas das cenas mais fodas do anime foi o debate da pré-eleição municipal. Todas as opiniões e das mais distintas que você possa imaginar, estavam ali. Argumentos religiosos, biológicos, legislativos, filosóficos e antropológicos, tudo sendo resumidos em 24 minutos de uma forma SENSACIONAL. Se as aulas de filosofia e sociologia foram chatas na sua época de escola, o anime aqui dá um banho de matérias educativas em um roteiro consciente da resposta que está mostrando. Na verdade, não existe uma resposta e o assunto é mais complexo do que se imagina.

Paralelamente, temos um conflito pessoal do nosso protagonista de que se a justiça consegue abranger e proteger todos os cidadãos em qualquer tipo de situação. É fascinante pensar que essa discussão jamais foi debatida na nossa realidade, porém assistindo a obra, dá para acreditar com certa tranquilidade, que é possível acontecer esse tipo de questionamento no nosso mundo globalizado com influências da sociedade ocidental moderna.

Após certos “momentos” e cenários que acontecem no episódio 7, o anime dá flip TOTAL e toda sua trama tem um outro foco, TÃO BOM QUANTO ESSE.

Quando se pensa que chegamos no limite, mais caminhos aparecem na nossa frente

Agora o tema é mundial. Como iremos discutir sobre a liberdade humana, se todos no planeta são pertencentes a mesma espécie. Era mais do que lógico adicionar todos os envolvidos a essa discussão. E qual a melhor representação para simbolizar os debates globais? Colocar todos os líderes dos maiores países do mundo para conversarem sobre o assunto. Praticamente, na segunda metade do anime, o personagem principal vira o presidente dos Estados Unidos, em que acompanhamos suas conjecturas sobre o tema e suas reflexões em busca da “resposta correta”. E foi uma baita escolha, terem criado esse personagem por causa de sua persona analítica e pensativa nas suas tomadas de decisões. O roteiro é muito inteligente em tentar aproveitar o máximo possível do presidente, para demonstrar as diferentes linhas de raciocínio possíveis quanto a lei de permitir o suicídio. Quais os problemas enfrentados em criar uma lei que permita se matar? Quais as implicâncias em não permitir essa lei? Qual a moralidade? O que é ser humano? O que nos difere dos outros seres vivos? Estamos no caminho da evolução com essa tomada de decisão? Mas o mais importante são as três questões que é exemplificada na reunião dos líderes no penúltimo episódio: “Suicidar é crime? Se eu me matar, vou me tornar um criminoso/mal? E o que é o MAL?” É uma puta filosofia reflexiva sobre o que, dependendo do ponto de vista, nós definimos como bem e mal. Cada país, cada sociedade, cada grupo de pessoas, ou até mesmo sua opinião pessoal, irá diferir como classificamos as pessoas com honestas e bandidas. Não existe uma unanimidade. Condenados por terem jogados um chiclete no chão, não merecem prisão ou a multa por “algo tão pequeno”? Só que vai para a Cingapura e pergunte para um policial de lá sobre o assunto e verá que teremos uma outra visão dessa parada.

A não ser que sejamos robôs, jamais teremos 100% de consenso em qualquer assunto. A nossa biologia foi “projetada” dessa forma, em uma variabilidade intelectual sobre qualquer matéria, opinião ou assunto. Muito interessante o anime demonstrar essas questões fundamentais, de um estudo existencialista sobre a nossa representatividade dentro da nossa própria organização social. Mais um acerto do anime.

Mas e o final?

Particularmente adorei o final. O anime levanta a ideia que não existe uma resposta final, e que achei a conclusão coerente com o que foi mostrado. Não precisava mostrar o que é a Magase ou a origem do seu “poder”. Todo o mistério de como ela faz ou o que faz, é parte do seu charme. Ela é um totem simbolizando o “mal” discutido pelos políticos. Ela não fez nada. Só “falou”. Mas suas palavras foram suficientes para o transtorno mundial gerado por ela. Se quiser fazer uma analogia com o diabo, de acordo com a bíblia, que o mal sussurra aos seus ouvidos para seguir o caminho errado, também é válido. Como não temos certeza, o desconhecido anda junto com o medo. O mal sempre estará lá para te tentar a cometer ou fazer algo detestável. Sempre estaremos abertos a todos os tipos de influências e que precisamos saber lidar com todos os obstáculos que surgem na nossa frente.

E vi muitas pessoas que assistiram o anime esperando algo mais conclusivo, que fosse mais explicativo e que dessem resoluções mais definitivas para todos os arcos dos personagens. Acho que criaram expectativas acima da proposta do anime. Ele não podia ser épico, em que o bem vence o mal ou que a força de vontade irá solucionar tudo. Até porque, se tivesse um final feliz, quebraria toda a lógica construída desde do começo, que é uma parada mais depressiva e triste. Não diria que é pessimista, pois temos momentos com frases otimistas muito fortes no roteiro. É algo em que os temas abordados, não dava margens para um clima para cima e que se ele desse uma conclusão FINAL para os debates que não tem solução (e nunca irão ter), estará se contradizendo com a mensagem passada de não ter uma resposta certa. Até mesmo as poucas pontas soltas, fazem parte do que o autor quer que o espectador reflita. E que o debate/conversa/discussão não pode acabar depois que sobe os créditos finais da animação.

Parte técnica excelente

Sou só elogios para parte técnica. Mas quero exaltar a direção que MEU DEUS. O diretor desse anime fez um puta trabalho aqui. Ele não tem uma ‘mão’ artística pesada ou que tem maneirismos marcantes que o destaque dos demais. Entretanto, o que ele consegue fazer com o material que tem não é brincadeira. Quando a cena pede algo mais tenso, com apenas alguns ângulos mais agudos e planos mais fechados, já passa todo o sentimento necessário. Se quer passar desconforto, cortes mais rápidos e foco nada habituais para gerar o estranhamento nos espectadores. Terror? Tem momentos também. Tudo é feito com um preciosismo forte e intenso em toda a composição da série. Um espetáculo visual e sonoro. A trilha sonora faz sua parte e aumenta mais a imersão ao assistir Babylon. A animação não tem diversos sakugas, mas não faz feio. Se fosse para descontar pontos foi a pausa que tiveram que fizer por problemas de cronograma na produção durante a temporada. O anime terminou lá pelo meio de janeiro, por causa desse deslize.

Conclusão

Adoraria recomendar o anime Babylon, mas sei que não é para todos. Elogiei o anime durante todo o meu texto, só que fica a minha dica: Se você não curte séries ou filmes policias, se não quer pensar muito enquanto assisti algo, que não curte algo complexo ou com muitos diálogos, quer algo mais voltado para o entretenimento e passatempo, o ideal é não ver Babylon. Caso contrário, o anime é obrigatório para todos que curtem esse tipo de história.

2 thoughts on “Review de Babylon

  1. Assisti na amazon prime recentemente, não esperava nada desse anime, aí me veio uma obra sensacional em muitos sentidos.
    Realmente impecável
    Gostei como vocês dividiram o texto para dar evidência em cada aspecto do anime.
    O Babylon fica ainda mais curioso com essa review de vcs ^^

  2. Realmente ele trouxe uma surpresa positiva pela sua qualidade inesperada. Fiquei feliz de ter liso seu relato, pois eu realmente queria a conclusão definitiva, ainda que não fosse o proposto, e tendo lido sua opinião me pareceu meio sem nexo desejar essa conclusão. Acho que por fim fica somente a vontade de, (ironicamente), ele ter uma continuação.

Deixe um comentário