O famigerado "Yuri Verde"

É começo de 2023 quando é anunciado no Japão que “Ki ni Natteru Hito ga Otoko Janakatta” ganhará uma edição impressa pela KADOKAWA. Em 19 de Abril, esse lançamento é feito oficialmente e está feito, um sucesso absoluto no Japão, vendendo mais de 200 mil cópias só no primeiro volume, indicado ao ‘Kono Manga ga Sugoi! 2024’ e ficando em 2º lugar na Categoria de Mangá Feminino. E claro, não demorou muito para que a obra fosse licenciada pelo mundo: chegou na Itália (Star Comics), México (Panini), Alemanha (Hayabusa), França (Mangetsu), Polônia (Waneko), EUA (Yen Press) e claro, chegou a Brasil também.

No Brasil, o mangá da Sumiko Arai começou a ser publicado em meado de Junho com o título “O cara que estou a fim não é um cara?!”. Dando um repertório, “Ki ni Natteru Hito ga Otoko Janakatta” (気になってる人が男じゃなかった) começou como uma publicação no Twitter da autora em histórias curtas (como vemos no mangá) e acabou fazendo um enorme sucesso nas redes sociais, o que por sua vez, levou a publicação de uma edição impressa pela KADOKAWA. O volume #2 foi lançado no Japão em 27 de Fevereiro deste ano e segue em andamento. Para falar do mangá, não estarei utilizando a edição brasileira, mas sim, o volume #1 da edição francesa, publicada pela Mangetsu ^^

Sinopse: “Aya é uma garota do ensino médio que está muito interessada em um “moço” misterioso que trabalha em uma loja de CDs. Porém, esse rapaz misterioso na verdade era Mitsuki, sua colega de classe que tenta viver invisível como o ar. Um amor que se desenvolve com rapidez, a partir de um encontro impossível e caminha para…”


  • História e Desenvolvimento

Aqui, acompanhamos a Aya, uma garota gal (gyaru) que tem um gosto meio ‘particular’ para música e, portanto, não consegue dividir esse gosto com suas amigas (que tem um gosto musical bem diferente). A certa altura, ela não se importava, pois isso permitia que ela apreciasse a música no seu próprio mundinho, como uma redoma que ninguém pode entrar, o que a deixava satisfeita naquele ponto. Um dia, voltando para casa, ela percebe a existência de uma loja de discos/CDs e decide entrar lá para dar uma olhada, além de CDs, ela encontra uma beleza exorbitante: um cara vestido completamente de preto, muito sexy e sedutor, deixando a Aya completamente rendida aos seus encantos. O que ela não sabe, porém, é que esse cara, não é um homem, mas sim, uma garota e essa garota é sua colega de classe, Mitsuki, que é reclusa e muito fechada. Começa aí, uma relação desencontrada em que a Aya nutre um amor por uma pessoa que ela pensa ser um garoto e a Mitsuki tenta evitar que sua colega descubra que ela não é o ‘cara’ da loja.

O mangá é estruturado de uma forma um pouco diferente do que é mais ‘comum’ dentre os mangás que normalmente chegam ao Brasil. Para quem já conhece mais de mangá, já deve ter esbarrado com mangás yon-koma (4-koma), uma forma de contar histórias (normalmente de comédia) em formato de esquetes de 4 quadros e aqui, o que temos são pequenas esquetes que podem envolver comédia, mas não são exatamente ou necessariamente o centro principal, mas ao invés de quatro quadros, são de 1 a 3 páginas. Os capítulos são constituídos por várias (várias mesmo) dessas pequenas histórias que ora são mais isoladas, ora são mais lineares, mas todas intimamente conectadas para o andamento e desenvolvimento das personagens.

Durante boa parte do volume, acompanhamos essa dicotomia entre a Mitsuki tentando esconder que é o ‘cara’ da loja de CDs, ao mesmo tempo que gosta bastante da companhia da Aya, porque é uma pessoa com quem ela pode compartilhar o seu gosto musical, ainda mais sendo ela uma pessoa sem amigos. Enquanto que a Aya, por sua vez, alimenta esse crush que sente no ‘cara’ (que ela nem sabe o nome, vale dizer), ao passo que também consegue nutrir uma amizade com a pessoa, já que embora ela tenha amigas, ela também não tem com quem ela possa compartilhar esse gosto musical mais nichado e ainda é mostrado que toda vez que a Aya tenta falar das músicas que gosta com as amigas, tem um tom meio de desdém, já que elas não gostam desses estilos.

– Haa, mas eu faço o que agora? Eu o amo muito!
“O que fazer? Essa história escalonou muito!”

Nós temos três capítulos nesse volume + um de “extra”/prequel. No 1º capítulo, a autora faz a introdução das personagens e do conflito inicial que envolve cada uma delas, seguindo uma pegada muito mais cômica. O 2º vem com um conflito que gera bastante drama e um drama muito bom, vale dizer. Infelizmente não dá para destrinchar muito dessa segunda parte do volume, porque o ponto principal do capítulo é spoiler, mas digamos que essa relação em que uma não sabe da outra, vai ter que acabar e a partir disso, temos um conflito, principalmente da parte da Aya. Enquanto que o 3º tem um lado muito mais feliz e próximo entre as duas, colocando as duas lado a lado e mostrando principalmente uma amizade entre elas.

Eu não leio muitos Yuris e até hoje, ainda dá para contar nos dedos quantos eu li (pelo menos a maioria foi de obras muito, muito boas!) e como estou acostumado com a forma/estrutura do mangá BL – que normalmente é de volumes únicos e portanto, desenvolve o relacionamento do casal muito mais rapidamente – chega a ser engraçado chegar num dado ponto da história e uma das personagens pedir para ser AMIGA da outra. Eu ri sozinho disso pela minha própria surpresa, com a qual eu reagi a esse pedaço da história hahaha.

– Para… poder ser… amiga com você

Além da Aya e da Mitsuki, nós temos outros dois personagens que ganham mais destaque no volume, um deles é o Joe, tio da Mitsuki e dono da loja de CDs. E ele é maravilhoso! Ele não participa muito do volume, fazendo uma participação aqui e ali, porém, toda vez que ele aparece é um show. Ele é muito divertido, muito engajado em proteger a sua sobrinha e acha muito adorável a relação que ela tem com a Aya. Tem uma cena absolutamente maravilhosa em que a Mitsuki recebe da Aya uma playlist de músicas, o Joe vê e acha que algum velho que passou para ela, achando que esse suposto velho está dando em cima da sua sobrinha. Quando ele descobre que quem passou a playlist foi a Aya, ele fica completamente emotivo – pelo bom gosto – e rapidamente diz que gostaria daquelas músicas no casamento das duas.

Já o outro personagem um pouco recorrente é o Ken, um colega de classe das duas protagonistas que a princípio, é um idiota. Quer dizer, ele continua sendo meio idiota ao longo do volume (e essa é um pouco a graça do personagem), mas de uma outra perspectiva. Ele começa sendo apresentado como aqueles garotos cheios de si, que acham que podem encantar e convencer qualquer garota a fazer o que ele quer, mas ele não consegue fazer isso com a Mitsuki ao pedir a lição dela para copiar (ela não tinha feito) e ao fazer um comentário ridículo, a Aya responde o chamando de palhaço. Porém, depois desse começo nem um pouco amistoso, ele acaba se aproximando das duas de alguma forma e acaba se provando um verdadeiro aliado, principalmente da Mitsuki, que não tem traquejo social. No fim das contas, acaba sendo um personagem legal.

– Er, não foi o que quis dizer… Sim, um pouco, mas… Como dizer… quando eu venho aqui… graças à música, eu tenho a impressão que minha solidão se vai por alguns momentos.
– Vocês podem usar essa playlist para a cerimônia…
– Hein?
– Não, não é nada! Não preste atenção nele!
– Eita, você parecia inteligente haha
– O quê? Você pede ajuda e em seguida, a falta com respeito? Palhaço…

Aquele capítulo extra/prequel que comentei mais acima mostra um pouco do passado da Mitsuki, antes dela conhecer a Aya. É um capítulo bem interessante, porque mostra a relação da Mitsuki com a feminilidade e como ela não gosta dessa expressão de coisas que são tidas ou atribuídas como femininas, levando ao ponto de magoar alguém, ao mesmo tempo que se magoa, toda vez que alguém tentava ou forçava essas roupas ou comportamentos “femininos”. É um capítulo que gostei bastante, porque serve de contexto para melhor entender a personagem ^^

“As pessoas detestam quem são diferentes delas, mas eu me recuso de não me manter fiel a mim”
– Pouco importa de ser deixada de lado.
“Eu sou uma nota falsa na melodia deste mundo”
– E é bem melhor como está…

Recentemente, rolou (mais) uma discussão burra de pessoas anglófonas (não sei se dos EUA, mas provavelmente) quanto a “Uruwashi no Yoi no Tsuki”, porque na capa do volume mais recente do mangá, a Yoi – protagonista – foi desenhada com os olhos mais arredondados ao invés de ‘serrados’, como vinha sendo feito mais recorrentemente. Acontece que as pessoas nutriram e criaram a expectativa de que o mangá traria uma personagem tomboy ou que não expressasse feminilidade, o que o mangá nunca se propôs a fazer, evidenciando desde o começo que as pessoas ao redor da Yoi que construíram essa imagem dela. Então qualquer coisa que aconteça no mangá, com a Yoi usando algo “mais feminino” como um cropped, ou expressando feminilidade (tipo os olhos mais arredondados, maquiagem etc.), vira motivo para um enorme escarcéu e olha que olhos arredondados são uma das características mais clássicas do mangá Shoujo. Enfim, só queria chegar no ponto de que aqui temos um Shoujosei em que uma personagem feminina se propõe a ser essa personagem tomboy e ela se incomoda muito em ter que usar ou se comportar como essa pessoa ‘feminina’.


  • A Autora

A Sumiko Arai é uma autora relativamente jovem, tendo suas primeiras obras datadas de 2020. Seu primeiro mangá (pelo que consta no Baka Updates) é “Bokura wa Kanojo ni Isonshou“, que foi publicado na Comico Japan, da editora Comico. Pelo que pesquisei, é um mangá totalmente colorido, publicado como um webtoon. A obra foi concluída em Agosto de 2021, com 40 capítulos. Em 2021, ela publicada: “Hanabi no You na Mono“, um one-shot; “Makoto no Momoka” outro one-shot, este lançado na Comic Yuri-Hime; “Tokidoki Kaettekuru Onna Tomodachi no Hanashi“, este saindo no Pixiv da autora; e ela também participa do volume #2 de “Terang“, uma antologia da revista Harta (Enterbrain) com a história “Nijiko to Yomeiri“. E por fim, em 2022 é o ano que ela começa “O cara que estou a fim não é um cara?!”.

Algo muito evidente é que grande parte – senão todas – as obras da autora são Yuri. “O cara” sendo o enorme sucesso que é pode abrir portas para que a autora se torne, futuramente, um grande nome dentro do mangá Yuri ^^

Bokura wa Kanojo ni Isonshou

  • A edição francesa

A edição francesa está sendo lançada pela Mangetsu no formato 15 x 21 cm, com capa cartonada e sobrecapa, no papel Off-set (ao que aparenta) e preço de 9,95€. O mangá tem páginas inteiramente coloridas no começo do volume, enquanto que o restante é impresso em preto, branco e verde. Abaixo vocês podem ver o vídeo da edição francesa:

Como comentário: eu detesto a escolha do título em inglês no mangá. Péssimo, péssimo. Eu gosto do fato dele ser curto, mas seria muito melhor “Elle n’est un mec” (Ela não é um cara) ou “Elle n’est pas un garçon” (Ela não é um garoto). No demais, particularmente não gosto do formato do mangá, eu pessoalmente não gosto muito dos mangás em grande formato e se fosse menor, a tendência é que o mangá fosse até mais barato…

Tirando esses pontos, não tenho mais o que reclamar. Tenho muitos problemas com a Mangetsu (não gosto deles na real), principalmente na relação da editora com a forma que eles divulgam mangás de demografia feminina. Mas enfim, assuntos de outro momento…


  • Conclusão

“O cara que estou a fim não é um cara?!” (esse título não é bom, jesus) ou “She wasn’t a guy” (odeio inglês) é um mangá excelente no que se propõe, muito bem executado, divertidíssimo, com personagens muito carismáticas e altas referências à músicas (que eu não entendo 🙃). Fiquei muito encantado com o mangá e recomendo bastante. O volume #2 será lançado em Outubro na França, no Brasil, não se sabe a previsão.

É isso pessoal, espero que tenham gostado e deem uma chance. É um ótimo Yuri e mais um grande mangá de demografia feminina. Lembro que estou publicando resenhas diárias aqui no blog durante todo o mês de Agosto de 2024, então vejam os outros mangás comentados e fiquem atentos aos próximos! ^^

“Ahh… então isso é a juventude…”
– Hum? Eles estão bem?
– Eles estão chorando?!
“Estes velhos adultos foram purificados com esta visão cintilante.”

  • Ficha Técnica
  • Título original: Ki ni Natteru Hito ga Otoko Janakatta” (気になってる人が男じゃなかった)
  • Título francês: She wasn’t a guy
  • Autora: Sumiko Arai
  • Editora Francesa: Mangetsu
  • Mês de Lançamento na França: Junho/2024
  • Quantidade de volumes: Em andamento com 2 volumes
  • Formato: 15 x 21 cm, capa cartonada com sobrecapa
  • Papel: Off-set (?)
  • Número de páginas: 192 páginas
  • Brinde da Edição: —
  • Preço de capa: 9,95 €

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