
Após ter visto os dois primeiros episódios de “Kanpekisugite Kawaige ga Nai to Konyaku Haki sareta Seijo wa Ringoku ni Urareru” (apelidado de “Kanpekiseijo“), eu assisti à estreia de “Anne Shirley”, a nova adaptação do clássico da literatura “Anne of Green Gables”, um romance escrito pela L. M. Montgomery, publicado no Canadá no começo do século XX, lá em 1908. A nova adaptação começou tem algumas semanas e que maravilha de estreia! Irei falar mais dela então. ^^
Sinopse: “Na bela Ilha do Príncipe Edward no Canada, uma órfã chamada Anne Shirley é mandada por engano para Green Gables, terra de Matthew e Marilla Cuthbert. Eles escolhem mesmo assim adotá-la, e Anne encontra amizade, amor e alegria em sua nova casa. Venha conosco para a história de uma garota imaginativa e de coração puro que cresce, vai para a faculdade e volta para casa como uma nova mulher.”

“Como um livro canadense é tão popular no Japão a ponto de não ter apenas uma, mas duas animações diferentes, além de mais de uma adaptação em mangá?”. Essa era uma pergunta que eu fazia, pois embora conhecesse de nome, era só isso mesmo, o nome. Nunca me aprofundei nos detalhes que envolviam a série. Resumindo MUITO, ocorreu uma troca entre duas amigas, a Hanako Muraoka e a Loretta Leonard. Elas se conheceram na Christian Literature Society of Japan e trabalharam juntas como editoras na revista Children of Light. Anos mais tarde, em 1939, a Loretta precisou voltar para New Brunswick (Canadá), e deu de presente uma cópia de “Anne of Green Gables” para a Hanako. A Loretta faleceu no ano seguinte, em 1940, em decorrência de um câncer. Em 1943, já durante a 2ª Guerra Mundial, a Hanako começou a traduzir o livro secretamente, correndo risco de vida, já que se tratava de um livro de uma “nação inimiga”. Pós fim da guerra, em 1952, a editora Mikasa Shobo decidiu por apostar no livro e o batizaram como “Akage no Anne”. A publicação dos livros foi um completo sucesso no Japão e foi a partir daí que rendeu a animação. A 1ª animação, de 1979, produzida pela Nippon Animation e em 50 episódios, é muito lembrada até hoje como um verdadeiro clássico. Os livros ainda ganharam adaptações em mangá desenhados pela icônica Yumiko Igarashi. Hoje, com a nova adaptação, uma nova adaptação em mangá (também chamada de “Anne Shirley”) começou a ser publicada em janeiro deste ano na revista B’s-LOG Comic (Enterbrain). Ela é feita por Akane Hoshikubo e por enquanto, ainda não teve nenhum volume publicado. Todo esse contexto histórico até a publicação dos livros no Japão, vocês podem ler em maiores detalhes nessa thread feita pelo Portal Shoujo.

Bem, no anime acompanharemos a história da Anne, que é uma órfã que está indo até as terras da família Green Gables, chefiada pelo Matthew e pela Marilla Cuthbert, que são irmãos. A Anne foi adotada algumas vezes e, no entanto, ela sempre volta para o orfanato, mas dessa vez, ela acredita que realmente vai dar tudo certo. Ela espera pela pessoa que vai ir buscá-la (é a cena da thumb do post) e quem vai buscá-la é o Matthew. De cara, se percebe que tem alguma coisa errada, pois para quem adotou uma criança, ele estava estranhando alguma coisa, talvez fosse o jeito muito expansivo, e até um pouco invasivo, da garota, mas parecia ter algo um pouco mais além naquilo tudo. Logo entendemos que a Marilla e ele queriam adotar um garoto, não uma garota. Como eles estão idosos e com dificuldades para contratar pessoas para a fazenda, ter um garoto para ajudar no trabalho braçal seria uma saída para eles.
Aqui o anime trabalha com a ideia de expectativas x realidade. A Marilla comenta que nunca cuidou de uma criança e naquele ponto, eles estavam adotando uma criança não pensando em ser o filho deles, mas sim, na utilidade que ter uma criança ali traria. Com eles envelhecendo, seria cada vez mais difícil cuidar dos afazeres da casa e fazenda, e sem contar que ao adotar alguém, eles sequer precisariam pagar pela pessoa. E aí vem o choque de realidade, com a pessoa enviada pelo orfanato não sendo um garoto, mas sim uma garota e bem especial, eu diria.

Voltamos ao trajeto de volta, a Anne segue conversando com o Matthew e contando sobre suas imaginações. Ela vê árvores de tronco esbranquiçado e imagina sendo uma noiva com um lindo véu, ou o porquê de certas flores do caminho serem rosas, enquanto que todas as demais são azuladas, ou ainda, dando nomes à locais que possuem nomes “monótonos”, como ela chamar a Alameda, que possui árvores de flores brancas, de “Caminho Branco do Deleite” ou o lago Barry de “Lago das Águas Brilhantes”.
A Anne é uma garota excêntrica e cheia de personalidade. Ela fala MUITO e, no entanto, esse acaba sendo um dos charmes dela. Ela é uma personagem vivaz que apesar do falatório, e aqui, confesso que eu mesmo provavelmente teria meus momentos de querer que ela ficasse quieta, ela tem uma forma de enxergar o mundo interessante. Ela diz que o mundo é maravilhoso e que o não conhecer tudo (todas as suas maravilhas), abre espaço para a imaginação, o que deixa o mundo mais interessante de se perceber.

Chegando na casa, temos a parte mais engraçada do episódio. A Marilla vê que o garoto na verdade é uma garota. Ela começa a discutir na frente da Anne e ela chora. É uma cena que ela vai da tristeza ao humor rápido e de forma muito ágil (excelente). Ela rapidamente entende que eles não a querem e eu gosto que ela passa a constranger os dois. A Marilla fala para a Anne que ela não precisa chorar, no que ela responde para ela imaginar chegar numa casa e ser recebida com duas pessoas falando que não precisavam dela, pois queriam um garoto. A grande tristeza da Anne, na verdade, é ela ter visto coisas bonitas (a floresta, o lago…) e não poder mais aproveitar a vista, pois nada daquilo fará parte do cotidiano dela. Ela presenciou algo que não vai durar, que tão logo terminou.
Apesar de ser um estereótipo comum da mulher ríspida, gosto da maneira como a Marilla lida com a Anne, porque ela é amargurada. Não abre brecha para a Anne ir para cima dela com os papos de imaginação. Mas não é porque ela é ríspida e de poucas aberturas que ela é uma pessoa essencialmente ruim. São só os caminhos da vida que a tornaram assim e a presença da Anne vai provocar mudanças nela.

Na manhã seguinte, a Anne tem uma virada de chave e passa a olhar tudo com outros olhos, de forma a querer aproveitar os momentos. Gosto da cena depois do café da manhã que a Marilla fala para ela ir brincar. A Anne levanta animada, chega a até a porta, para, volta e senta na cadeira, lamentando que não faz sentido conhecer Green Gables se ela não vai ficar e até menciona a “Rainha da Neve”, que foi o nome dado por ela para a cerejeira que fica próxima do quarto que ela passou a noite. A Marilla não consegue conceber um sentido para a Anne ser daquele jeito e a Anne diz que não é para ter um sentido, é só a forma que ela tem para conseguir lidar com o mundo e as adversidades que já passou até então. E é esse jeito dela que acaba sendo cativante na Anne, sendo uma caixinha de surpresas que eles nunca sabem o que ela vai dizer ou fazer a seguir.
Tem uma frase que eu acho bonitinha nesse episódio, que a Marilla diz que ela (a Anne) deveria ser útil para eles, lembrando que eles queriam um garoto pelo fator trabalho braçal, no que o Matthew prontamente responde que “talvez eles possam ser úteis para ela”. E é isso, uma forma de dar um suporte, de estar ali para o que a Anne possa precisar, seja nas coisas materiais do dia a dia, como no campo sentimental e de apoio.
No caminho de volta, quem vai levá-la para devolver a Anne é a Marilla. Nisso elas passam a conversar, muito semelhante ao que aconteceu com o Matthew na ida. Durante esse caminho, conhecemos um pouco mais do passado da Anne, com ela sendo órfã de pais, que morreram cedo, e ela passando por algumas famílias até o momento que ninguém mais a quis e ela ir parar no orfanato. Chegando no local e ao conversar com a responsável pelo orfanato, ela propõe que a senhora Blewett fique com a Anne. A mulher é um horror. Com trejeitos assustadores, intimidando a Anne no primeiro contato. Aquilo mexe com a Marilla e ela volta atrás, decidindo levar a Anne para casa. No retorno, é um momento belíssimo do entardecer, com as gaivotas voando próximo ao mar. O encerramento do episódio é bonitinho com a Anne contente por poder ficar naquela casa.


Quem produz o anime é o estúdio The Answer Studio, um estúdio bem limitado (recentemente, eles fizeram a 2ª temporada desastrosa de “Tower of God”) e lembro que a época do anúncio da animação e dos primeiros materiais de divulgação, o pessoal ficou meio receoso com essa adaptação, mas vendo o resultado, pelo menos desse primeiro episódio, gostei bastante! Tem momentos bonitos, bem animados e adoro particularmente dos cenários e das cores vivas. Tem uma sequência mostrando vários cenários que é simplesmente um arraso! Na direção temos o Hiroshi Kawamata, que trabalhou principalmente em animes curtos, especiais e filmes (nada conhecido), mas ele mostrou um serviço consistente aqui e nem falo da animação em si, mas pelo aspecto geral mesmo. Tudo está no lugar, seja texto, timing cômico, ritmo, em tudo! E fica evidente quando a gente pensa que mais da metade do episódio foi com a Anne sentada numa carroça (na ida, com o Matthew e na volta, com a Marilla).
Também quero destacar que quem trabalha como design de personagens no anime é o Kenichi Tsuchiya, que trabalhou em diversos filmes do Makoto Shinkai (your name.; Suzume; O Jardim das Palavras) atuando como key animation e diretor de animação e até acredito que em partes, seja por ele esse Q tão lindo e de destaque na composição dos cenários do anime.

Por fim, no sábado (19), foi lançado no 3º episódio do anime e com isso, foi divulgado a OP e a ED do anime. Embora eu não tenha visto os episódios seguintes no momento que escrevo esse post, queria destacar aqui que quem dirigiu e fez o storyboard delas foi a Naoko Yamada (diretora de “A Voz do Silêncio” e “Heike Monogatari”), que fez um trabalho impecável (como sempre)! Tem vários cortes que vão lembrar ao filme de “Liz to Aoi Tori” (e Yamada tem uma ligação forte com a representação de flores), que ela dirigiu na Kyoto Animation e que de certa forma, combinam com essa visão criativa que a Anne tem do mundo. Foi uma escolha assertiva chamar a Yamada para dirigir abertura e encerramento do anime. Desde que ela saiu da Kyoto Animation por causa do incêndio criminoso, ela está vindo com vários projetos diferenciados e é bem legal ver ela tão ativa quanto nos últimos anos. A ED, por sinal, tem vários cortes pintados à mão e os cortes do final, foram feitos pela própria Yamada. ^^