O bullying, uma sociedade estruturada em negligenciar pessoas com deficiências, redenção de seus atos e muito mais!

O bullying, uma sociedade estruturada em negligenciar pessoas com deficiências, redenção de seus atos e muito mais!

Há exatos quatro anos, no dia 17 de setembro de 2016, era lançado nos cinemas do Japão, um dos filmes que mais comentados e lembrados nos dias de hoje, sendo aclamado pelos fãs da obra e sendo uma das melhores produções do estúdio Kyoto Animation no que tange o todo como animação, roteiro e a história em si. Estamos falando de “Koe no Katachi”, ou como o mangá foi publicado no Brasil, “A Voz do Silêncio”. Em comemoração há esses 4 anos desde seu lançamento, resolvemos fazer a review do filme. Adianto também outras duas coisas: muito provavelmente, qualquer anime da Kyoto Animation será comentado por mim, seja de forma solo, ou acompanhado de alguém, porque é meu estúdio favorito, então eu monopolizei as obras deles ^^. A segunda é que teremos resenha do mangá, então aguardem!

Sinopse: “Shouya é um bully, suas brincadeiras infantis são uma verdadeira tortura para sua colega de classe, Shouko, uma nova aluna surda. Conforme a coisa piora e todos ao seu redor parecem ignorar ou estimular as brincadeiras maldosas, Shouya passa dos limites, forçando Shouko a mudar de escola. Tendo sido considerado o culpado por tudo, agora é ele quem sofre torturas e bullying, aprendendo na pele o seu erro. Agora, seis anos depois, o rapaz decide encarar de frente a menina que atormentou e tentar corrigir os erros do seu passado. Será que ele conseguirá sua redenção?”


Rub: Alê, hoje teremos uma review um pouco diferente. Saindo da nossa rotina de comentar algum anime de temporada, agora iremos falar de um filme famoso lançado alguns anos atrás e que está fazendo aniversário de 4 anos de sua estreia na postagem dessa nossa conversa. Estamos falando da obra Koe no Katachi. Aproveitando o embalo, quero dizer sobre duas coisas antes de falarmos sobre o filme em si. A primeira coisa é que eu não gosto da maioria dos animes produzidos pelo estúdio Kyoto Animation. Quem me acompanha lá no Twitter, viu que no passado eu comentei em como os roteiros de várias obras do estúdio ficam perdidos no meio do caminho, decaindo sua qualidade por alguma decisão que desgosto ou um apelo extravagante em outras vertentes que não curto. Desde de final covarde até aos fanservices inseridos de qualquer maneira. O que não tem como negar é sua excelência na qualidade visual, em que é o aspecto que mais destaca a Kyoto dos demais estúdios. A segunda parada é que eu li o mangá na época do seu lançamento. Graças a recomendação de um amigo, fui ler o original enquanto ainda era publicado n Japão e que sorte eu tive de conhecer esse mangá, porque foi uma experiência de leitura maravilhosa e que me marcou muito. Então, como eu conheço as duas mídias, de vez em quando pode rolar uma comparação sobre as diferenças entre elas e como cada uma tratou a sua narrativa para o leitor/espectador em contar aquela história, porém com um foco maior no filme do que no mangá. Dito isso, posso dizer que é o meu filme favorito da Kyoto Animation. Lembro que na época que eu soube que iria rolar uma adaptação, fiquei com um pé atrás quando eu soube que era o estúdio da Kyoto iria estar na produção, visto o histórico deles até ali que faziam com suas adaptações em modificar tudo do original ou ignorar completamente ele para contar outra parada nada a ver. Sorte que aqui, eles respeitaram muito bem a história e souberam lidar com o que eu acho que foi o maior obstáculo de adaptar os 7 volumes em apenas duas horas. Tanto que uma das decisões que eu mais curto é a inclusão da montagem inicial na abertura, em que apresenta a situação atual do Ishida, sofrendo de depressão com tendência ao suicídio, cortando para uma música que passa uma sensação nostálgica, enquanto mostra o contexto dos dois protagonistas (a segunda personagem é a Shouko) nas suas infâncias, explicando como tudo aconteceu e o que levou ao Ishida em cogitar de tirar sua própria vida.

Alex: Eu estava com essa postagem em mente desde o finalzinho de agosto/começo de setembro. Por algum motivo que agora não me lembro, mas acabei me deparando com a data de lançamento da animação nos cinemas japonesas no dia 17 de setembro de 2016. A minha ideia inicial era apenas fazer uma sequência de tweets na conta do blog, comemorando o aniversário do filme, mas acabei resolvendo fazer essa postagem contigo e quase não dá certo, porque minha memória é terrível e acabei esquecendo de avisar o Rub com antecedência. Por “sorte”, deu tudo certo haha. Ao contrário do Rub, eu AMO a Kyoto Animation. Desde suas produções (embora tenha visto poucas e em uma época de pouco senso crítico) à sua história de formação e crescimento como estúdio, principalmente por ser maioritariamente constituído de mulheres e muitos outros detalhes que não cabem serem ditos aqui (talvez em um futuro próximo rolê algo). Eu fui conhecer Koe no Katachi em 2018. Fazia pouco mais de 1 ano que havia começado a assistir animes e ainda estava me inteirando no que já havia saído e não tinha grandes conhecimentos. Naquela época eu estava indo como louco atrás de listas de anime, tanto que até hoje tenho print de nomes de animes que eu tinha que assistir e acabei não fazendo. Koe estava entre eles e quando eu assisti na primeira vez, já tinha adorado. Eu não tinha muita percepção para detalhes e ainda não sou lá essas coisas, mas já naquele tempo a minha nota e reassistindo o anime ontem (no dia que estou fazendo esse texto), achei melhor que a primeira vez! Lacrimejei diversas vezes em momentos chaves do filme que foi uma maravilha. Eu adoro essa abertura e esses minutos iniciais adaptam mais ou menos o primeiro volume do mangá, que é um dos melhores tanto do mangá, como da animação. E bom, o Ishida teve o que merece, mas acredito que esse “castigo” vá muito além dele por si. Tem uma mensagem e eu gosto muito desse diálogo entre a redenção, a culpa e o que pode ser ou não recuperado.

Rub: Assim, não querendo amenizar o que o Ishida fez, porém são crianças que não eram ensinadas de forma correta, sem pulso firme. Muitas delas apenas replicam o que veem em casa. E como o protagonista era super popular, ele tentava ser sempre o centro das atenções, sendo o mais “engraçadão” da sala. Normal de uma criança em que teve a ausência do pai durante sua infância e sua mãe trabalhava demais sem dar uma atenção maior para família, ver refúgio nos amigos que davam corda para o guri. Aí quando chega a Shouko, e ela ser uma deficiente auditiva, todas as atenções passam a ser para aluna nova, por ser uma novidade ou nos auxílios que ela precisava durante as aulas. E incomoda tanto o Ishida por ele perder seu “palco”, que passou a fazer bullying com a guria na forma de tentar diminuir sua presença para os demais. Encorajados pelos “amigos” (nesse momento todo mundo é teu amigo), vira uma rotina zoar a Shouko. É uma realidade tanto nossa quanto japonesa em que grupos utilizam seu status para inferiorizar outras pessoas diferentes do que eles consideram ‘normal’. Eu adoro tanto esse flashback, porque mostra alguns tópicos que estão enraizados na cultura do Japão: O lance dos problemas eles jogarem para debaixo do tapete (o professor fingir que nada está acontecendo ou de como as crianças acreditam que não fizeram nada de errado, parecido com situações que você passou na escola Alê) e ignorarem a realidade para um “bem” maior; de como o debate da inclusão de alunos que apresentam algum tipo de característica especial como deficiência ou deficit de aprendizagem, está atrasada em relação ao resto do mundo; e de como essa parada de responsabilidade junto a um status social é muito levada a sério naquela sociedade. Chega em um extremo, em que da vergonha do Ishida ter feito aqueles atos, passa para algo mais sério como depressão e reclusão social. Sou totalmente contrário ao que o Ishida fez, porém era um criança que não tinha dimensões do que fazia. Eu entendo mais uma criança errar do que um adolescente fazer o mesmo, porque depois de uma certa idade, o discernimento entre ações justas e injustas, é algo bem melhor definido no momento da fase juvenil.

Alex: Tem toda uma cadeia que faz o bullying nascer. Ele não simplesmente acontece. Tem a parte de dentro da sala você ter certos papéis que são seguidos por determinados grupos, tem a questão de que a criança possa só estar replicando o que vê ou passa/sente na pele, tem a negligência da própria escola (nisso daqui eu vou bater na tecla, porque boa parte da culpa está aqui)… Eu lembro perfeitamente de uma postagem que li anos atrás no BBM (aqui), sobre toda a luta da autora para conseguir publicar Koe no Katachi, porque ela entrou em um concurso com um oneshot da obra, ganhou, mas a publicação foi barrada por essa denúncia que ela fazia sobre a situação de pessoas com deficiência. Ela precisou de anos para conseguir começar a publicar o mangá, sendo necessário entrar com um processo e ganhar a causa judicialmente. Mas meu ponto favorito do post é sobre o incômodo que os japoneses sentem com pessoas com deficiência, porque não querem ter esse senso de responsabilidade e de ajuda que essas pessoas precisam, então há uma tendência muito grande em isolar essas pessoas do resto da sociedade por considerarem eles como uma anomalia, um estorvo. Eles querem construir uma imagem de que são uma sociedade perfeita, sem qualquer problema, jogando e escondendo as falhas, porque quem está de fora daquilo, vai ter essa visão de “sociedade ideal”. Lembro também de “Perfect World”, um mangá josei – voltado para mulheres jovens adultas – em que o par romântico da protagonista (faz tempo que não leio 1 capítulo da obra, então não vou lembrar os nomes) é cadeirante. Ele é formado em arquitetura ou engenharia, algo assim, e logo nos primeiros capítulos da obra, esse personagem apresenta um projeto de uma construção com rampas para a acessibilidade de pessoas como ele. Era um concurso que ele estava participando. O projeto foi negado/reprovado, porque não estão interessados em criar meios para facilitar a vida dele e de semelhantes. É um aspecto completamente podre que infelizmente, não está restrito apenas lá. Ainda há essa negligência e exclusão dessas pessoas no mundo, seja por falha estrutural, preconceito, dentre outros. E aproveitando que você mencionou a escola, vamos lá, porque depois que eu terminei meus estudos básicos, eu aprendi a ter ranço de como a escola é. Há uma negligência infernal com os alunos. Nós não temos coisas básicas e nem podemos sonhar em ter um psicologo dentro da escola, mas acho exatamente curioso essa falsa preocupação que a escola diz ter para com seus alunos, porque fazem um discurso LINDO para os outros, mas não é o que vemos na prática. Até já comentei da minha revolta com meu período escolar em outra postagem, mas basicamente a escola e os professores só vão agir diante à bullying, quando o problema cresce e eles não podem controlar, normalmente relacionado à agressões físicas. Eu passei por 10 longos anos da minha vida sofrendo com ofensas de alunos e nesse espaço de tempo, quase nada foi feito. Os professores até falavam uma coisa aqui e ali, mas tudo era no básico do tipo “ignorem” ou “não faça isso com ele”. A direção então, era um belo “caguei”. E as poucas ações que tiveram comigo (e que em vias gerais, não adiantou nada), foi quando partiu para violência física e deixou marcas à vista. Dou destaque para quando um garoto me derrubou e eu arrebentei minha cara (ele foi suspenso) e quando atacaram uma coisa na minha cara e meu dente caiu (foi suspenso também). Tirando isso, NADA! E é basicamente o que acontece com a Nishimiya, porque o professor finge que não está vendo, que está tudo certo e o máximo que ele fala é um “pare com isso”. Até que vai tomando a proporção que chegou e ela se machuca. Na hora que a agressão passa a ficar aparente no corpo, aí que entra a face de que se importa, de que a escola se preocupa e zela por seus alunos, sendo que só fingem e tentam passar essa impressão quando os pais estão na porta da escola tentando entender o que aconteceu com seu filho (e olhe lá ¬¬).

Rub: Acho interessante que o Ishida aprende na pele o que ele fez com a Shouko, porque agora ele passa a ser o alvo, o centro das atenções. Só foi dessa maneira que o guri passou a entender o lado da Shouko e todo o sofrimento causado a ela. Tem duas cenas que acho muito intensas e marcantes. Um deles é o momento que ele descobre que a Shouko limpava a carteira dele toda tarde e o próprio ver a sua mãe machucada na orelha após uma briga com a mãe da Shouko. São esses dois momentos que ele valorizou o que sua mãe fez por ele e de como precisava do perdão da protagonista. O suicídio era uma maneira de terminar com aquilo que ele via como problema, que resumindo era a si próprio. Sorte que ele teve um momento que pensou que precisava fazer algo a mais além do que já fez para se redimir. Acho tão lindo a cena da mãe ameaçando a queimar o dinheiro do filho se por acaso ele pensasse se suicidar novamente. Ela sabe que foi ausente por causa de sua rotina de trabalho, porém se esforça ao máximo para dar tudo o que tem para seus filhos e sua neta. Na sequencia, ele tenta achar um motivo para continuar. Talvez suas conversas com a Shouko o ajudaram nesse momento para ele entender o que precisava ser feito. Não dá para mudar de uma hora para outra, no entanto aprender com os erros e tentar não repeti-los é algo muito necessário. Uma outra decisão que gostei tanto no mangá quanto no filme foram a representação que o Ishida tem das demais pessoas a sua volta. Ele não consegue manter mais contato visual ou olhar para o rosto de estranhos sem se sentir mal ou com vergonha. E colocarem borrões e um sinal de X no rosto de todo mundo para representar o sentimento do protagonista, foi uma sacada excelente. Porém o ponto que destaco é de como a reconciliação entre o Ishida e a Shouko se desenvolve pelo resto da história. Ela é muito sincera e muito comovente. Você compra que ele está arrependido realmente e que a Shouko quer deixar isso no passado para construir uma amizade entre os dois.

Alex: Sim. Tanto que os “amigos” dele fazem exatamente o mesmo que ele fazia com a Shouko. Fazem ele tropeçar, molhar, jogam as coisas dele na fonte da escola, e acho maravilhoso que quando esse jogo vira, ele fica perplexo com o que está acontecendo. Fica meio sem entender o porquê daquilo estar acontecendo. Nossa, eu acho fabulosa toda a sequência da mãe dele indo falar com a Sra Nishimiya. Ele vendo ela ir pegar uma alta quantia no banco, depois a mãe da Shouko chamando ela para ir em um outro local e depois voltando com respingos de sangue na blusa e a orelha cortada. Só que mesmo ali, ele ainda não compreende que são as consequências das ações dele (que não foram só dele) que resultaram naquilo. E mesmo quando isso começa a acontecer, ainda faz aumentar a raiva que ele tinha por ela, porque ele segue achando que a culpa é da Shouko (relacionado a como ela é um peso). Adoro a cena dos dois na sala. A direção é maravilhosa e a animação dá peso no movimento. Parece muito real eles brigando enquanto a Shouko luta para dizer que está tentando o seu melhor, porque desde ali, acho que ela já tinha essa construção social de que ela era um fardo e deve começar essa questão que resulta no clímax do filme (assunto para mais tarde). Acho interessante como quando a Shouko entra na escola. O pessoal está mais disposto a ajudá-la, mas pouco tempo depois, já começam a achar cansativo e evitam ela. Não querem escrever no caderno e nem estão interessados em língua de sinais. E quando ela sai, na última cena desse momento da infância, mostra como ela fez falta para as atividades de sala, porque era ela que limpava a sala antes de ir embora, era ela que cuidava das flores… Ishida passou poucas e boas? Passou, mas eu sou muito revoltado com os demais colegas. Teve uma grande vitimização (Oi Kawai!).”Eu tentei parar ele, mas ele não me ouvia”, porque quando dá merda, eles fogem e se fazem de justiceiros, “vingando” a Shouko. Eu acho muito legal essa percepção do Ishida, porque ele acha que acabar com a própria vida é a solução/alívio que todos terão ou o melhor caminho à se seguir. Ele tenta acertar algumas coisas como devolver o dinheiro da mãe e acabar por ali. Mas eu gosto de ver como ele muda, porque sumir não vai fazer ninguém feliz e não vai compensar o sofrimento da Shouko ou amenizar tudo o que ele fez. E é basicamente a mãe dele que dá esse pontapé inicial para ele parar de tentar se suicidar e achar um outro meio de se retratar e tentar compensar pelos seus atos. Adoro a representação visual desse bloqueio que tem com as pessoas ao seu redor e gosto que conforme ele vai interagindo com mais pessoas, criando laços ou destruindo relacionamento com seus amigos. Esses ‘Xs’ caem ou voltam.

Rub: Toda essa primeira parte é bem trabalhada para servir como base do desenvolvimento do Ishida. Agora que começa a diferença maior entre as mídias. Como tem pouco tempo, muitas coisas são tiradas ou aceleradas em comparação ao que o mangá fez na narrativa. A mais notável é a participação do professor e de como ele era mais escroto no original do que foi na adaptação. Compreendo que tiveram que cortar várias paradas, mas esse lance da escola era uma crítica muito forte da autora quanto as instituições de ensino japonesas quando lidam com alguém com necessidades especiais, segregando em vez de incluir na rotina dos demais alunos. E outra mudança significativa fica por conta da participação dos personagens secundários. Tirando a Ueno e o Nagatsuka, os demais são jogados para escanteio e só são usados perto do clímax do filme. É aquele negócio de que talvez um anime de 12 episódios poderia resolver e até aprofundar outras questões que seriam boas de debater, no entanto, para o que tinha disponível, fizeram um bom trabalho para tentar deixar somente o essencial e a mensagem principal, chamando atenção para um assunto negligenciado naquele país. Um papel que acho importante é da irmã da Shouko, Yuzuru. Ela é nossos olhos dentro da família da Shouko, porque ela que acompanha todo o dilema da irmã em viver com sua condição, perdendo ainda mais sua audição, e de como ela fica triste ao ser maltratada por outras pessoas. Além disso, também acompanhamos de como a mãe das duas está completamente desgastada. Nem falo do estado físico, porque dependendo do grau da condição, cuidar de um deficiente esgota o emocional do responsável legal da pessoa necessitada. Tanto que a mãe está fazendo o que não é aconselhável, que é isolar sua família do convívio da sociedade, restringindo as ações da filha, visando sua proteção. Só que nenhum ser humano está preparado para viver sozinho para o resto da vida. Mesmo com o convívio difícil é necessário para uma estabilidade emocional, não só da pessoa em questão, quanto dos seus familiares a sua volta.

Alex: Sim, mas eu ainda fico com um pé atrás sobre se seria melhor Koe no Katachi ter sido um anime para TV com uns 12 episódios, porque pelo que eu lembro do mangá (não é muito, então pode rolar alguma gafe), aquele miolo não é tão “carregado”. O filme fica muito dinâmico e sabe aproveitar o espaço de tempo que tem. Eu não sei se um anime TV conseguiria dar esse mesmo dinamismo. Talvez eles tivessem que inchar a trama para fazer ela render ou incluir/abordar ainda melhor os tópicos que trabalham na obra, e dependendo da mão que tiver ali na composição do roteiro, poderia se tornar maçante de assistir. Não sei, apenas suposições. A mudança que eu mais lembro do mangá para o anime é que cortaram o desenvolvimento do filme que o Nagatsuka quer fazer e que ocupa um boom tempo desses volumes centrais do mangá. Salvo engano, no filme nem mencionam e tipo, acaba nem fazendo falta, tirando claro, que usam esse filme para trabalhar melhor com os personagens secundários que, como você disse, ficam mais de escanteio e ganham ‘destaque’ apenas em momentos chaves para a trama. Eu acho que o filme em si, de forma isolada, funciona perfeitamente bem. Eu não sinto que tem algo faltando ali e é ótimo. Conseguem amarrar muito bem as pontas e tiram o que “não faz falta”, deixando a essência do roteiro e a mensagem que ele quer passar para quem vê. Eu gosto muito da Yuzuru. Ela tem aquelas tentativas de tentar proteger sua irmã (reflexo do que sua mãe faz), chegando a se passar por um cara fingindo ser o namorado da Shouko, ou tentar incriminar o Ishida tirando uma foto dele pulando da ponte, fazendo ele se afastar da Shouko pelo mal que ele já fez à ela no passado. Essa visão dela vai mudando conforme eles vão tendo contato. Ele vai vendo a família dele e o meio que vive, passando até ajudar o Ishida e a Shouko a estabelecer uma amizade. Mas de princípio, não é o mesmo para a mãe das duas. Assim, vou falar pela minha mãe, porque meu irmão mais novo tem deficiência (síndrome de down e alguns outros problemas). Quando ele era mais novo, ela tinha que ir para cima e para baixo para consultas dele, e era cansativo. Tinha semanas que eram os 5 dias da semana saindo para ir em algum lugar por causa dele. Ao menos a gente não tem relatos com bullying na escola no caso dele. O que está sendo mais estressante/desgastante é ter que dar aulas. Tem seu grau de cansaço em ter que cuidar dele, porque requer mais atenção do que uma criança sem deficiências. E tem um momento no mangá que cortaram no anime que é envolvendo a família da Nishimiya e lembro vagamente de mostrarem a Shouko ainda novinha, porque o pai dela tinha falecido ou tinha se separado e a família do pai não estava querendo ter responsabilidade com a Shouko, porque já suspeitavam que ela tinha deficiência auditiva. Acho que essa é uma das cenas que mais achei que fez falta na adaptação animada. Tem alguns momentos bem pesados, como a Shouko descobrindo que ficou surda de vez de um ouvido (ou pelo menos foi o que deu a entender).

Rub: Como eu li o mangá primeiro, achei muito corrido sim aquele meio do filme. Tanto que se você reler o mangá, dá para notar que em 7 minutos de filme, eles comeram dois volumes. Foi muito acelerado, e até acho que deu uma prejudicada legal no momento do parque em que saem para se divertir ou quando eles tem a discussão todos na ponte em cima do riacho. Tem algumas informações e desenvolvimentos que só quem leu o original vai compreender o motivo que tal personagem falou X e Y, ou do porquê outra personagem ainda nega tal ato no primeiro clímax… Você entende a ideia geral, mas não compreende as ações de todos ali, sacas? Acaba que os secundários saem só como escrotos e no mangá eles são melhores trabalhados nesse sentido, dando uma justificativa para eles além de estereótipos. Mas é complicado adaptar aquele material em apenas duas horas. Até recomendo o filme para pessoas que não são fãs de ler mangás, porém se quer ter, digamos, uma experiência completa, vá para o mangá, porque ali tem tempo para boas partes dos assuntos que a autora quis levantar como criticas da sociedade. A minha reclamação para o filme é mais nessa segunda parte, porque eu prefiro o trecho final aqui do que no original. Sinto que o arco do Ishida foi concluído no filme de uma forma mais contundente do que no mangá, porque depois que o protagonista resgata a Shouko e cai no lugar dela, o filme dá uma dinâmica melhor para as consequências da decisão da Shouko do que foi no mangá. Gosto muito da cena da Shouko pedindo perdão pela ação inconsequente dela para a mãe do Ishida ou de como é elaborado o processo de superação do medo do Ishida em ver as outras pessoas como semelhantes, sem receio do que vão achar dele. Acho que no filme, todo o caminho até chegar naquele final é recompensador. Acho lindo também a cena dos dois protagonistas se entendendo finalmente um com o outro, sem a amarra dos passados que ambos tinham e os prendia em seus próprios mundos. No mangá é mais frio esse final, algo mais crível e pesado, em que o sentimento é reconfortante, porém ainda fica aquela sensação de que ambos vão conviver juntos e que terão muitos problemas a serem superados. É apenas um novo recomeço para uma nova difícil jornada. Não é tão feliz que costumam apresentar nesse tipo de histórias de superação.

Alex: Entendo. Eu não tenho muita base para falar do mangá, porque minha memória é horrível, então mesmo tendo lido o mangá há tempo (terminei minha leitura no começo do ano passado), a parte do meio eu não lembro de quase nada, só os pilares mesmo… E se eu não tivesse reassistido o filme, eu também só ia lembrar de poucas coisas. Mas concordo que no filme, o pessoal parece ser só um bando de escroto. A Kawai da forma que ela começa o filme, é a forma que ela termina. A sensação de que ela continua uma fingida filha da puta. Também acho que o filme é uma boa forma de introduzir a obra, tanto para quem não gosta de mangás, como para quem é de fora da bolha. Eu até recomendei o filme para uma professora minha do ano passado que tem distúrbio de auditivo e o marido dela é surdo, então achei legal recomendar o filme para ela. Se assistiu, eu ainda não sei XD. Eu tenho minhas cenas favoritas nessa reta final. Primeiro que o levou a Shouko a querer cometer suicídio foram esses anos e anos de uma sociedade que a vê como um problema. Inclusive acho que um dos motivos para ela querer estar sempre sendo prestativa na infância, querer fazer amizades e aturar tudo aquilo, é meio que por ela ter essa imagem de incômodo. A Yuzuru até tenta, de sua maneira, tentar convencer a Shouko a preservar e a valorizar sua vida espalhando fotos de animais mortos na parede da casa. E eu acho que tanto a decisão dela, como a do Ishida conversam muito, porque ambos acharam que a solução seria desaparecer do mundo, só que com o Ishida o maior dos problemas foi ter feito sua mãe chorar e queimar mais de 1 milhão de ienes, enquanto que a Shouko acabou causando um acidente real. Agora ela passa a entender o peso das suas ações e que suicídio não é o melhor caminho para reparar aquilo que ela quebrou. Para muitos, o ato de se ajoelhar diante dos pés de alguém pode parecer qualquer coisa, mas para os japoneses é o ápice de arrependimento. Eu achei maravilhosa tanto quando a mãe e a Yuzuru se ajoelha diante da mãe do Ishida, como a Shouko fazendo o mesmo, tentando pedir desculpas e falar. Acho linda a cena dela correndo até a ponte e o Ishida acordando no meio da noite e saindo vagando (hospital sem segurança XD) pelo mesmo caminho. Eu acho tão lindo eles se encontrando ali e conversando, se entendendo. Foi uma das cenas mais emocionantes para mim. Ele pedindo para ela ajudar ele a ter uma vida melhor. Agora o finalzinho é um dos melhores pontos. Mostra todo o medo do Ishida de entrar na escola, se preparando e articulando algumas frases que ele pode vir a usar, aquele receio do que vão falar/pensar dele dali em diante e com ele enjoado por causa da situação. Fora a cena final de quando ele finalmente decide olhar à sua volta e encarar as pessoas de frente. É lindo demais!

Rub: Hospital sem segurança é normal, tanto que SAO mostra isso com MUITA EXATIDÃO nessa temporada XP. E o filme trabalha muito sobre redenção e arrependimentos em suas várias formas. Eu adoro a obra e o filme é sim uma excelente apresentação para pessoas que não assistem animes. A minha mãe assistiu o filme e adorou. Como o enredo foge do ramo otaku, ela acaba chamando atenção do público em geral. Ainda tem o lance do filme estar disponível na Netflix e o mangá vai ser republicado no Brasil. Então eu super recomendo vocês assistirem o filme e se tiver a possibilidade, vá atrás do mangá porque vale muito a pena. A história é muito boa, edificante e vale a pena ir atrás.

Alex: Recomendo a obra totalmente, tanto o anime como o mangá. Aproveitando que começará a ser republicado no Brasil pela NewPOP, quando o volume 1 for lançado entre o fim de outubro e o começo de novembro, faremos a resenha e mostraremos a nova edição, então aguardem ^^. Antes de encerrar minha parte aqui, quero exaltar a direção da Naoko Yamada que mandou muito bem no filme. Como passei a ficar de olho nesses aspectos de produção, é comum que alguns diretores e animadores tenham suas características. No caso da Yamada, uma delas é o reflexo dos personagens no chão. Se vocês repararem, há diversos momentos com a sombra dos personagens sendo refletidas. Aqueles frames que há um pequeno pedaço do personagem e um destaque maior no fundo, como quando a mãe da Nishimiya vai dar um tapa na Ueno, é bem característico dela (Vi uma cena semelhante em “Liz to Aoi Tori”, que também foi dirigido por ela). Ela vai fazer falta na indústria. Além de terem tido a decisão de ter diversos momentos sem trilha sonora, conversando muito bem com a ideia do filme de trabalhar com a surdez, é fabuloso! Enfim, super recomendo o filme.


Espero que tenham gostado e aguardem a resenha do volume 1 do mangá e por mais alguma review de anime da Kyoto Animation (provavelmente será “Violet Evergarden – Gaiden”), e nos vemos em alguma outra postagem por aí ^^

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