O anime do World Trigger sofreu do mesmo mal de Reborn, em que devemos assistir ou ler uma PENCA de episódios ou capítulos iniciais para a história finalmente se tornar interessante de consumir. E é engraçado que minha pretensão de continuar assistindo as temporadas seguintes eram nulas, porque minha vontade era baixa de retornar para a obra visto sua primeira temporada chata e longa demais. Só que dei mais uma chance ano passado para a segunda temporada e finalmente fui recompensado com uma narrativa bem melhor que sua primeira parte. Vou destrinchar mais no decorrer do texto. Bora lá.
SINOPSE: Um portal de outra dimensão apareceu e tem saído gigantescas criaturas invencíveis de lá, as quais ameaçam toda a humanidade. A única defesa que a Terra tem é um grupo de guerreiros que vai utilizar a mesma tecnologia alienígena para revidar! Fonte: Crunchyroll
A ideia desse post é sintetizar as minhas impressões das 3 primeiras temporadas do anime, até para eu abordar os temas principais da história sem entrar em spoilers importantes, servindo como um texto mais para indicação sobre o que esperar da obra para quem leu o post e ficou interessado pela sinopse e trailers que tenha visto na internet. E vou começar falando da minha motivação de assistir World Trigger que foi justamente por sua sinopse um tanto incomum. Temos a humanidade precisando se defender de criaturas interdimensionais, porém usando da mesma tecnologia que os inimigos utilizam para atacar os terráqueos. Essa premissa pode render diversas coisas, tanto sobre a perspectiva de diferenças estruturais ou culturais, como a instrumentalização dos humanos como armas de guerra em que os próprios desconhecem a origem do conflito em que participam. Além de que o Kuga ser um Neighbor (denominação que os humanos dão para todos os seres que não nasceram no nosso mundo), só nesse aspecto poderíamos aprofundar tantos assuntos, servindo como base para descobertas e aventuras sobre as características que as demais dimensões têm de diferente em comparativo com a nossa realidade.
Porém, se vocês leram a chamada desse post, deve ter percebido que esse começo de W.T. não foi tão bem assim estruturado. A começar pela escolha do autor em direcionar o Osamu e a Chika como protagonistas nessa introdução. E o problema nem está no background de cada um, pois ambos têm suas motivações bem estabelecidas por quererem entrar na Agência Border (nome da organização militar que é criada com propósito de ser a principal linha de defesa contra as invasões dos Neighbors, como também estuda a tecnologia dessa energia desconhecida Trion para construção de armamentos para combates), mas os personagens jamais avançam ou se desenvolvem além dessa ideia inicial de fazer parte da Border para resgatar ou buscar algo nesse começo. Posso dizer que é o “inicio”, porém demora mais da metade dos episódios lançados, somando as três temporadas, para que a Chika ou o Osamu ganham de fato destaque e sejam personagens relevantes. O Kuga que acaba chamando mais atenção, incluindo salvando boa parte das interações do trio principal com os demais personagens, graças ao seu carisma e ser bem direto ao ponto pelo seu poder de identificar se a pessoa mentiu ou não. O Osamu e a Chika são muito apagados. O Osamu é o pior, porque é o típico personagem secundário que não ganharia destaque nenhum por sua personalidade bem discreta e nada chamativa, mas que por algum motivo maluco, o autor de W.T. decidiu fazer dele o protagonista de sua história. Sério, é bem sofrível os primeiros 50 e tantos episódios por ser MUITO CHATO de acompanhar os dilemas do Osamu ou da Chika por justamente o autor não conseguir criar vínculos desses 2 personagens com o público que assiste. São tediosos e seus problemas pessoais perdem boa parte do peso dramático, quando os mesmos não demonstram com ações todos esses sofrimentos que os afligem.
Não vou ser injusto e jogar a culpa toda na história original, visto que o anime aprimorou ainda mais esses defeitos, alongando demais diversas cenas além do necessário, deixando uma narrativa vagarosa e desinteressante, principalmente considerando os momentos de lutas. Não se pode esquecer que essa obra começou sendo publicada na revista da JUMP. As batalhas que eram para serem empolgantes na primeira temporada, diversas vezes eram destruídas, no sentido narrativo, por falta de peso emocional graças a direção e pouca verba na parte da produção. O negócio chega a ser tão complicado, que teve um momento absurdo de que um dos episódios da primeira temporada reutilizou a mesma cena cômica, mesmo frame e fundo, 9 vezes em pouco mais de 14 minutos de duração (os outros 7 minutos do mesmo episódio foi de recapitulação do que aconteceu em episódios passados). Só não vou dizer que foi um completo desastre a produção da primeira temporada, já que os últimos 12 episódios deram uma melhorada, tanto no sentido de urgência quanto a problemas estabelecidos em relação à primeira invasão dos Aftokrators. Aliás, também um bom momento foi esse da invasão dos Aftokrators na primeira temporada. Nem tanto pela direção, mas sim de todos os elementos de perigos que trouxeram para essa saga, visto que agora existe um risco de vida de boa parte do elenco principal durante esse momento, além das óbvias consequências que serviram de força motriz para o trio principal.
Mais alguns pontos que posso destacar dessa primeira temporada é a história do Kuga sobre o motivo dele ter ido para a Terra, que é bem legal e intrigante, de certa forma, porque correlaciona outros elementos, como diferentes sociedades e raças, indicando possíveis ameaças para a Terra por terem armas e tecnologias ainda desconhecidas pelos humanos. A trilha sonora vale destacar também, com openings e OSTs maravilhosas (alguma coisa tinha que se salvar naquela produção). A parte política da trama merece elogios, pois dá para ver que o autor nesse quesito tem total domínio. Ele errou mesmo nos protagonistas. Até personagens que nem sei se posso considerar secundários, têm mais carisma que o Osamu e a Chika. Aliás, boa parte do elenco é descolado ou com atitudes extravagantes, que lembram muito o modo do Tite Kubo de criar personagens em Bleach. O Kubo fez escola para esses novos autores, pois em Jujutsu é a mesma coisa. Mas voltando ao assunto, vale elogiar a construção do mundo. O autor de W.T consegue criar um caos controlado em meio a infinitas possibilidades que a história abre como caminhos para a narrativa poder abordar nas tramas mais adiante. E creio que seja mesmo esses aspectos que chamou minha atenção na primeira temporada.
Entretanto, eu não podia imaginar que eu sairia completamente satisfeito ao terminar de assistir a segunda e terceira temporada. Para os desavisados, boa parte da staff mudou em relação a primeira temporada. O diretor e os principais animadores foram as alterações mais notáveis e é impossível não reparar. Virou outro anime. A apatia que tínhamos da direção anterior, agora recebemos cenas de ação mais inventivas e dinâmicas, com SAKUGAS. ISSO MESMO, SAKUGAS. Coisa que era impossível na primeira temporada, as temporadas seguintes foram agraciadas com o empenho de uma equipe de produção bem melhor. Sério gente, eu não consigo colocar em palavras o meu choque inicial. Até tento expor esse momento no post de primeiras impressões da segunda temporada (link aqui), mesmo assim ainda é bem inacreditável o salto de qualidade que teve de uma temporada para outra. Outro exemplo próximo a esse sentimento que eu tive, foi com a segunda temporada de Oregairu. Foi a mesma situação, em que rolou mudança na equipe de produção e teve aquele upgrade de visual e de direção.
O que também rolou em W.T. foi o mais espaço que deram para o elenco de apoio. Apesar de que na maior parte do desenvolvimento dessa galera toda sempre está associado a uma luta ou treinamento, foi muito legal acompanhar os distintos núcleos, tanto pela variedade, como pela personalidade de cada um. Teve pelo menos uns 3 personagens com seus backgrounds que são excelentes. Vários desses momentos é somente explorado em um episódio, porém é trabalhado de forma que quem assiste, ao menos simpatize com o passado sendo mostrado, colocando mais peso dramático a cada vitória ou derrota desse respectivo personagem durante as lutas.
Lembram do “caos controlado” que citei acima? A nova produção do anime entendeu completamente a proposta e consegue dar tempo de tela para diferentes batalhas, tanto na invasão da segunda temporada, quanto na competição em que o trio principal está participando para conseguir vaga na Frota de Expedição que está prevista para meses adiante para resgatar geral sequestrada pelos Neighbors. E todas as disputas e brigas estão ocorrendo simultaneamente, sempre abordando distintas perspectivas do mesmo ponto. Também é bom elogiar sobre como os personagens PENSAM nas lutas. Pode parecer bobo, mas ao menos não ser aquele estereótipo do cara de óculos que faz a estratégia, enquanto MAIS NENHUM PERSONAGEM tem pensamentos lógicos, é bem enjoativo. Óbvio que temos níveis de inteligência para cada um do elenco, porém é algo bem mais crível. Ainda continuamos tendo o personagem estrategista, mas mesmo aquele lutador que tem níveis de Trion baixos ou habilidades de batalhas imensas, ele pensa sobre o próximo passo ou analisa como ele pode vencer a disputa que se envolveu naquele instante. Assim, todas as lutas se tornam legais de assistir, para conseguirmos acompanhar não só as intenções de cada um, como o próprio local e cenário do embate constrói para mais uma variável que pode contribuir ou atrapalhar cada lutador. E é bem gritante a diferença de dinamismo nesses momentos em comparação com a primeira temporada. Eu fiquei empolgado assistindo a segunda e a terceira parte de W.T., coisa que jamais senti vendo a anterior.
Só que o meu destaque vai para o crescimento do Osamu e da Chika, mas olha só. Em 18 episódios (nos 6 primeiros da segunda temporada eles não aparecem, se focando por completo na invasão da galera que é escravizada pelos Aftokrators) conseguiram, finalmente, me fazer me importar com ambos os personagens. Não só isso, como deram até arcos para cada um, com a Chika aprendendo a superar seu medo de rejeição e culpa que possa sofrer caso seus amigos a culpem de um erro, e do Osamu lidando com suas limitações, porém melhorando sua autoconfiança por ser fraco em batalha, e acreditar que seus amigos estarão lá para ajudá-lo, caso necessário. O que eu não sabia o que esperar foi todo o segmento que envolve o Hyuse. Ele sendo um Aftokrator nativo, poderia descambar para algo clichê como acontece com os anti-heróis de mangás shounens, com arco de redenção e o grupo principal aceitá-lo como aliado. Bem, está sendo isso que está acontecendo no anime, porém seguiu por um caminho fora do costumeiro. Vão explorar outros conceitos do personagem, como a lavagem cerebral que sofreu, o sistema hierárquico absoluto, em que o mestre de cada um dos Aftokrators é uma espécie de senhor de engenho, e que se for designado para tal pessoa, deve obedecê-la incondicionalmente… coisas do tipo que serão abordados mais adiante na história, que podem render partes bem interessantes de debates entre os personagens com a visão de realidade de cada um. O autor está estabelecendo vínculos do Hyuse com o trio principal e não descartaria que teremos o personagem passando para o lado dos terráqueos, com um arco melhor trabalhado.
Vale a menção para a personagem da Youko. Apesar de seguir bem na linha de tsundere, é a do elenco feminino que mais se destaca dentre todas as que apareceram durante essas duas últimas temporadas. O que não vale elogios são as openings e endings dessas seasons. São bem genéricas e nada marcantes, coisa que na primeira temporada as músicas eram boas. Pelo menos a OST continua sublime. Também o que me marcou mais foi o final da terceira temporada. A luta final é impressionante, e adorei essa regra de competição multi-time que apresentam, em que um grupo não pode se concentrar em apenas um time adversário, mas sim em várias outras equipes que estão espalhadas por toda a arena. Aliás, o anime termina logo após a final do torneio, não nos mostrando o desfecho e reações pós batalha. Da forma como finalizou, não duvido que tenha mais temporadas de World Trigger em um futuro não tão distante.
Apesar que metade do meu texto eu esteja elogiando World Trigger, é MUITO complicado escrever aqui para você assistir o anime sem problema que é diversão garantida. A primeira temporada tem 73 episódios, e é uma experiência sofrível consumir esses 2/3 inicial da animação. O que posso garantir é que melhora a história e narrativa de World Trigger mais para frente. O lance é que se você se interessou por assistir, terá que passar por coisas muito maçantes para ter uma recompensa e diversão devida. Se por acaso vocês quiserem tentar, o anime é possível ser encontrado na Crunchyroll.