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Ao adentrar sua noite, eu fui salvo

“Tocando a sua Noite” ou como foi publicado na França “Touching your night”, foi publicado no Japão sob o título “Kimi no Yoru ni Fureru” (君の夜に触れる). A obra foi escrita e ilustrada pela Moyori Mori, lançada entre agosto de 2021 e agosto de 2022 na revista fromRED da editora ShuCream (uma ‘parceira’ da editora Shodensha) e foi concluída em volume único. No Brasil, o mangá foi anunciado no final de 2024, com promessa de lançamento em formato digital para dezembro (o que não aconteceu) e o lançamento impresso viria futuramente. O impresso ainda não tem previsão, mas o digital saiu em 20 de janeiro e queria aproveitar a ocasião para comentar a obra, quando sair o impresso, talvez eu volte a falar do mangá no blog…

Na França, o mangá foi anunciado em 20 de maio de 2024 pela Taifu Comics e o lançamento ocorreu em 21 de junho. Para a ocasião do lançamento, a Taifu fez uma ação com a livraria Momie, proporcionando uma sobrecapa exclusiva para quem comprasse o mangá na livraria. Eu comprei a edição francesa e será por ela que irei basear meus comentários sobre o mangá. ^^

Sinopse: “Chinatsu é um assassino que se reencontrou com o destino. Seu nome é Kasumi. Ele é o garoto que lhe estendeu a mão quando assassinaram seu irmão na frente de seus olhos.Alguns anos depois, Chinatsu o salva de um trombadinha. Quando Kasumi diz que não enxerga, Chinatsu não consegue deixá-lo ali mesmo e, mesmo sabendo que não deveria, acaba se aproximando cada vez mais dele… Essa é uma história de salvação onde dois rapazes presos pela escuridão vão, aos poucos, quebrando a solidão um do outro.”


  • História e Desenvolvimento

Entre os nomes mais balados dentre as autoras mais jovens no mangá BL está a Moyori Mori, autora de “Tocando a sua Noite”. Ela é tão falada e não é à toa, pois “Tocando a sua Noite” é o seu trabalho de estreia e tem muito o que ser comentado. Este é um mangá sólido, bem construído, de um cuidado e sensibilidade, que acho realmente impressionante, pois é preciso um controle narrativo excelente para chegar nesse ponto que ela conseguiu alcançar com o mangá e é também um dos BLs mais lindos que li nos últimos anos com folga!

A história acompanha o Chinatsu, um assassino que não consegue matar ninguém, isso porque, durante a infância, viu seu irmão mais velho morrer diante dos seus olhos (assassinado), passando a ser atormentado pela imagem daquele dia. No entanto, naquele mesmo dia, o Chinatsu encontra o Kasumi por acaso, se encantando com o rapaz com feição inocente e pelo olhar brilhante. Um dia, anos mais tarde, o Chinatsu reencontra o Kasumi e descobre que ele é cego, e estando perdido, o Chinatsu o ajuda a encontrar seu caminho de volta para casa. A partir dali, o Chinatsu não consegue mais deixar o garoto cuja pureza tanto o encanta, ao mesmo tempo que teme que o Kasumi seja ‘contaminado’ ou ‘manchado’ estando com ele.

Os dois vão se aproximando, primeiramente em uma relação amical, pois o Kasumi tem consideração com o Chinatsu como alguém que ele enxerga como sendo mais vivido, que já foi a vários lugares e que portanto experenciou várias coisas ao longo do anos, enquanto ele mesmo fica principalmente confinado em casa, indo a poucos lugares e sendo limitado às redondezas da região. O Kasumi foi criado meio que como um problema, sendo visto a certa altura como um castigo, e até tratado como um incômodo, dado que ele nasceu com baixa visão e foi perdendo a capacidade de enxergar cada vez mais conforme crescia (no ‘presente’, ele já está totalmente cego).

– Que eu e você… nós pudéssemos, talvez, virar amigos.

Enquanto que do lado do Chinatsu, para além da tormenta pelo trauma daquela fatídica noite, ele ainda precisa lidar com a pressão do pai, que será uma figura importante mais para o final da história, que quer que ele se torne um verdadeiro assassino e usa a morte do outro filho como um palanque para que o Chinatsu se torne um assassino de fato. E em razão disso, tendo as mãos manchadas de sangue e não tendo um futuro que seja bom, o Chinatsu tem receios em fazer uma aproximação com o Kasumi. Tem alguns pormenores correndo em paralelo, seja na relação do Kasumi com a família dele, como do Chinatsu com a dele. Os dois são bem interessantes, porque ambos têm famílias disfuncionais e que de uma forma ou de outra, deixaram marcas em seus filhos. Tanto no caso de um, como no caso do outro, a figura do irmão que era quem os protegia e os tentava manter seguros e no caso do Kasumi, o irmão dele, Satoru, tem arrependimentos quanto a não conseguir proteger o irmão como ele gostaria, se impondo mais frente ao tratamento que os pais davam ao irmãozinho.

E no caso do Chinatsu, tem um lado bem legal no passado dele, que traz um peso a mais na morte do irmão, sendo o pai a fonte de toda essa desestabilidade. Não vou entrar em detalhes, porque é uma parte importante da narrativa na segunda metade do tomo, no entanto, posso dizer que é excelente, embora muito breve. Por ser um volume único, tem muita coisa narrativa que a autora claramente poderia ter desenvolvido e esticado mais, tornando o mangá uma série curta, e sinceramente, acho que ninguém reclamaria se assim fosse, no entanto a grande maioria das revistas, por serem pequenas e de editoras menores, já tem obras pensadas para serem volumes únicos, até para terem um fluxo de publicações constante. E este sendo o trabalho de estreia da Moyori, não havia o que pudesse ser feito. Não faço esses apontamentos como algo ruim propriamente, pois dentro do que ela tinha de possibilidade e o que ela entregou de fato, é um trabalho muitíssimo competente e redondo. Ela consegue mostrar coisas, sem soar apressado demais, além de manter tudo de maneira tocante.

– Ele vai ficar cego? Naquela idade? Meu Deus, coitado… O que vamos fazer para a sucessão do estabelecimento nesse caso? Não há nenhuma chance de recuperar a visão? Doutor, eu suplico, faça alguma coisa. Ele deveria ser o nosso herdeiro.
– Pare com isso! Nós estamos falando sobre a saúde do nosso filho!
– E o que você planeja fazer com isso depois?!

“Touching your night” é um mangá sobre alguém que é constantemente atormentado pela culpa de ter causado a morte do irmão e se vê perdido desde então e é sobre um garoto que, de maneira diferente, também se sente perdido e deslocado do meio em que vive, dado a condição com a qual foi criado (e que por sinal, é explorado o lado da sua criação como uma pessoa cega). E é nesse encontro, de duas pessoas “incompletas”, que juntas elas conseguem encontrar uma forma de se sentirem em paz, de ter alguém com quem possam contar, reconfortar e procurar quando não estiverem no seu melhor, de ter a possibilidade de encontrar um caminho alternativo que não aquele que vinham caminhando até então. Ou ainda, é na figura do outro, que eles enfim conseguem caminhar, encontrando um sentido nas suas vidas que não o sofrimento e a constante solidão. Acho lindo toda a ideia de você encontrar, e aqui, no sentido mais amplo, seja em um amigo, um familiar ou em um namorado(a)(e)/marido(a)(e) – alguém que você seja realmente cúmplice e que se sinta genuinamente bem só de estar perto, dos momentos mais “banais” do dia a dia, aos mais especiais. E nesses casos, há uma beleza em que qualquer coisa “banal” aos olhos dos outros, seja tão especial para você.

A autora tem uma delicadeza grande na maneira como expressa os sentimentos tortuosos dos personagens, da mesma maneira que é tocante a forma como ela põe em cena os momentos em que estão se ajudando e tentando ofertar conforto um ao outro. As indecisões e o receio de avançar e seguir em frente, ornado com o desenho sublime da Moyori Mori tornam tudo especial. Tem páginas belíssimas, com composições realmente lindas! Mesmo sendo o primeiro mangá dela, a autora tem um domínio artístico grande, seja com o desenho como em composição, mas também em um nível poético pela maneira como monta e orquestra o andamento da obra. Se fosse para mencionar uma página, eu gosto de uma página dupla que ela fez em que os personagens vão à praia e de uma outra em que os dois vão a um aquário e parece que eles estão submersos com os peixes passando.

– Sim. Neste lugar… tem um aquário enorme.
* O som das ondas. Um cheiro de brisa marinha? *
– ! É frio. A… a praia?
– Sim

Fechando, os comentários sobre a história em si, o Chinatsu e o Kasumi formam um casal lindo. Eu não acredito nessas histórias de “almas gêmeas”, mas que existe uma boniteza nesse tipo de conto, isso existe. E embora a autora não trabalhe com essa ideia aqui, é quase como se fosse isso. Eu comento sobre como existe uma linguagem poética e simbólica forte ao longo do mangá, de forma que esse encontro dos dois soa como se fosse o melhor possível, que não havia possibilidade de não ficarem juntos e de como é lindo que assim tenha sido. Definitivamente, é uma linda história de superação, de seguir em frente, de amizade e de amor. ^^

* No entanto, você estava lá para me consolar… e eu entendi pela primeira vez que a noite podia ser quente e doce *

  • A Autora

A Moyori Mori estreou profissionalmente com “Tocando a sua Noite”. O mangá é um sucesso no Japão, acumulando 10 reimpressões. Vale dizer, aliás, no começo do ano passado, passado um bom tempo desde que o mangá foi lançado no Japão, a autora publicou um capítulo extra do mangá. Infelizmente, ele não chegou em nenhum canto do ocidente (nem mesmo em e-book) e por isso, nem sei o que se passa no capítulo. É um capítulo de 46 páginas, mas parece que é um episódio cotidiano da vida dos protagonista pós fim do mangá.

O sucesso da autora agora continua com “Ignat no Hanayome“, a série atual da autora. “Ignat” estrou em junho de 2016, na 20ª edição da fromRED. A obra teve seu primeiro volume lançado no final de 2024 e foi reimpresso no Japão cerca de 2 meses depois do lançamento. A obra está em andamento com 1 volume no momento e começou a ser licenciada no ocidente, sendo primeiramente anunciada na Polônia pela DANGO. Não se sabe quantos volumes o mangá terá, mas se tratando de uma série, é sinal de que a revista confia na autora para entregar algo maior agora, dando maior liberdade para que ela crie e desenvolva o universo e seus personagens. ^^

Capa do capítulo extra de “Tocando a sua Noite” + 1ª página do capítulo.
Capa do 1º volume de “Ignat no Hanayome
Capa completa de “Ignat no Hanayome

A fromRED, revista onde o mangá foi publicado, é como uma “revista irmã” da revista onBLUE, da editora Shodensha (ShuCream era uma subsidiária da Shodensha e até hoje, as duas empresas mantém uma relação próxima). Ela nasceu em meados de 2020 e que gosto de ficar de olho ao que é publicado, pois frequentemente está rendendo trabalhos bons, com artistas incríveis e roteiros ótimos. E melhor ainda, vindo de autoras jovens, com pouquíssimos ou nenhum trabalho profissional publicado, como foi o caso da Moyori Mori. Posso, ainda, dar exemplo da Ichika Yuno com “Canção do Amanhecer” (Yoake no Uta) ou da Macho Tako com “Otsukaresama, Kurose-kun”, que ainda está em publicação (não rendeu volume encadernado ainda) e vem chamando atenção pelo desenho lindo e por ser um BL de horror.

Capa japonesa do 5º volume “Canção do Amanhecer” e capa do 1º capítulo de “Otsukaresama, Kurose-kun

Fato é que a fromRED ainda vai colher bons frutos se continuar com a curadoria atual que eles possuem. Vão colher não, já estão colhendo, vide grandes sucessos dentro e fora do Japão. ^^


  • A edição francesa

O mangá foi lançado na França pela Taifu Comics no formato 13 x 18 cm, em capa cartonada e sobrecapa. O papel não sabemos qual é (nunca se divulga qual o tipo de papel), mas é parecido com os em tom creme utilizados por aqui, como o Offwhite da Panini ou o Pólen usado pela JBC (pela textura, parece mais com o que a JBC usa nos seus mangás). O mangá tem 208 páginas e foi publicado ao preço de 9,35 € (cerca de R$ 56,90 na cotação do dia 26/02/2025). Abaixo vocês podem ver o vídeo mostrando a edição francesa, tanto a capa regular, como a sobrecapa variante que consegui adquirir. ^^

No Brasil foi disponibilizada apenas a edição digital no momento, mas a editora disse que lançará em formato físico futuramente. O e-book foi disponibilizado pelo preço de R$ 29,90. Não cheguei a comprar, então não sei dizer como está a qualidade do texto e do e-book em si.


  • Conclusão

Por favor, leiam! Só isso. É um favor que farão para si. É o tipo de obra que é para se indicar facilmente para qualquer pessoa (desde que ela esteja aberta para o mangá). Eu não diria que ela é daquelas “leituras obrigatórias” como disse recentemente com “Helter Skelter” (um Josei) ou “Boy meets Maria” (pegando outro BL como exemplo), mas é o tipo de leitura que vale a pena de se ter. Gosta de um drama? Só vai. Casal fofo? Pode ir também! Quer olhar na perspectiva de ter um personagem com deficiência? Ótimo também! Enfim, várias possibilidades por onde quer que você olhe.

E aproveito para desejar todo sucesso do mundo para a Moyori Mori e que ela produza cada vez mais obras para ser aclamada dentro e fora do Japão! ^^


  • Ficha Técnica
  • Título original: Kimi no Yoru ni Fureru (君の夜に触れる)
  • Título nacional: Tocando a sua Noite
  • Título francês: Touching your night
  • Autora: Moyori Mori
  • Serialização no Japão: fromRED
  • Editora japonesa: ShuCream
  • Editora francesa: Taifu Comics
  • Quantidade de volumes: Volume único
  • Formato: 13 x 18 cm; capa cartonada com sobrecapa
  • Preço de capa: R$ 29,90 (e-book nacional)/ 9,35 € (impresso francês)

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