Embora seja completamente inédita no Brasil, a Natsumi Aida é particularmente querida na França e pelo público francófono. A mangaka foi publicada pela primeira vez pela Delcourt em abril de 2009 com “Switch Girl!!“, o maior mangá da carreira da artista e o maior sucesso da autora. A obra foi um enorme sucesso na França, vendendo mais 850 mil cópias em 25 volumes. Aproveitando o sucesso da série, a autora foi convidada participar da Japan Expo em julho de 2012. A visita a tocou profundamente, pois ela não tinha noção do sucesso que sua obra fazia na França e o quão querida era sua obra, percebendo que seu trabalho poderia tocar significativamente as pessoas. Mais de 10 anos depois desse evento e após algumas idas pontuais à França nesse meio tempo, a autora retornou à Europa em março de 2025, para participar da Feira do Livro de Bruxelas (Foire du Livre de Bruxelles), na Bélgica, aproveitando o lançamento de “Le Bourge et la Cagole” (Toudai-kun to Moto Gal-san: Kakusakon Royal) pela Akata.

Na ocasião, a autora conversou com seu público, fez conferências, sessões de autógrafo, concedeu entrevistas à imprensa, além de ter permitido, pela primeira vez, que tirassem fotos dela. Uma dessas entrevistas, é a que traduzimos hoje! Aproveitamos a ocasião do lançamento do texto de apresentação de “Ugly Princess” (Kengai Princess), que vocês podem ler pelo link abaixo, para evidenciar mais o trabalho da mangaka. ^^
A entrevista foi feita pelo Arthur Bayon e está disponível na íntegra no Le Figaro.
Conhecida por seu best-seller Switch Girl!!, a artista está de volta com a tradução da sua comédia romântica Le Bourge e la Cagole [Toudai-kun to Moto Gal-san: Kakusakon Royal].
Célebre por seu divertido best-seller Switch Girl!! (Delcourt), a japonesa Natsumi Aida apresenta a sua última série Le Bourge et la Cagole (Akata), uma comédia romântica cheia de energia em um contexto de lutas de classes.

Le Figaro – Poderia nos contar a gênese de Le Bourge et la Cagole, mangá publicado entre 2021 e 2024 na revista BE LOVE [Kodansha]?
Natsumi Aida – Foi a primeira vez que eu desenhei uma série para uma revista cujo os leitores de 30 anos ou até um pouco mais. Era importante encontrar uma temática para esse público leitor, diferente daqueles das minhas séries anteriores. A ideia do casamento apareceu rapidamente, mas eu não queria fazer algo chato. Daí a ideia de um confronto entre uma futura esposa e sua sogra em uma espécie de “batalha” entre as duas, acentuada pelos meios sociais opostos.
Le Figaro – Sua protagonista, Manatsu, se define como uma ex-gal. O que seria isso exatamente?
Natsumi Aida – Quando eu estava no colégio nos anos 1990, a cultura gal [gyaru] era algo presente. Era um movimento estético influente que me deixou uma impressão forte. As gals têm aparência consideradas extravagante, com uma maquiagem cuidadosa… mas o ponto chave é que elas exprimem o que elas amam, sem se importar com o julgamento de quem está ao redor. com uma maneira um tanto típica de falar. Com estilo ‘wha, que maneiro’, ‘tá de boas’ (risos)… É também um estado de espírito, de dizer a si mesmo que, o que quer que aconteça, iremos em frente, sem se deixar abater pelas provações. Acho essa mentalidade inspiradora e isso correspondia à personagem que eu tinha vontade de escrever. Aliás, se fizéssemos um salto no passado, a heroína de “Swtich Girll!!“, Nika, também era descrita como uma gal: ela era popular, influente e cuidava da sua aparência.

A época que o mangá começou a ser publicado na França, a Akata era uma editora que trabalhava editando os mangás da Delcourt.
Le Figaro – Le Bourge et la Cagole defende o amor que transcende as classes sociais… as diferenças de origem ainda afetam os relacionamentos no Japão?
Natsumi Aida – Não estou convencida de que haja uma pressão social sobre os casais, mas se os valores de cada um forem diferentes, os relacionamentos não necessariamente duram muito. Quando viemos de duas origens diferentes, isso pode ser um verdadeiro obstáculo. Depois, há uma grande distinção entre o relacionamento romântico e o casamento. Podemos viver o primeiro sem se preocupar com as normas, mas quando estamos realmente em busca de um marido ou de uma esposa, é diferente: as pessoas tem uma tendência a olhar atentamente a situação financeira e o status social do outro. Essa distinção sempre me causou um desconforto e tenho a impressão que ela se fortaleceu nos últimos anos.
Le Figaro – Por de trás da comédia romântica, seu mangá fala da influência de uma mãe sobre seu filho e da pressão familiar de forma geral. Você foi apoiada pelos seus pais na sua carreira como mangaka?
Natsumi Aida – Minha mãe colocava uma pequena pressão no dia a dia, mas não especificamente no meu desejo de me tornar mangaka. E quando ela me dizia alguma coisa, dada a minha personalidade, tinha a tendência a lhe responder três vezes mais forte e não me importar… Então, isso não tinha impacto. Eu tive a sorte de crescer em um um lar onde meus pais costumavam me dizer: “É a sua vida, você ganhará dinheiro da maneira que você quiser”. Eles me davam liberdade.
Le Figaro – Switch Girl!!, “Ugly Princess” [Kengai Princess] e “Analog Drop” colocavam em cena personagens colegiais. Desta vez, seus personagens principais estão na casa dos 30 anos. O que isso muda em termos de escrita e desenho?
Natsumi Aida – Quando desenhamos para adolescentes, devemos fazê-los parte do sonho. As aparências são importantes: preciso que os personagens pareçam ‘cool’ para capturar o interesse dos leitores e das editoras. Quando estamos no Ensino Fundamental ou no Médio, temos a tendência a viver em um universo mais fechado, mas nos interessamos bastante pelo amor. Enquanto autora, quando envelhecemos, ganhamos experiência, nos interessamos em mais assuntos que possamos integrar em nossas obras.

Le Figaro – Sua protagonista e as pessoas ao redor dela se mostram intensas em seus comportamentos… As manifestações são inúmeras. De onde vem sua inspiração nesse quesito?
Natsumi Aida – A história se passa na cidade de Hachiôji (40 minutos de trem de Tóquio; nota do editor), onde eu vivi até meus 10 anos de idade. É um lugar popular, onde as pessoas são bastante exageradas… Eu não digo isso como uma crítica! Eles falam alto, têm aparência de ‘bandidos’… Eu usei minhas lembranças de infância para construir os personagens entorno da Manatsu.
Le Figaro – Desde quando você trabalha com [arte] digital? O ato de desenhar no Tablet é o mesmo que no papel?
Natsumi Aida – Em 2018, eu comecei um webtoon (“Naraku no Hana“, inédito na França [e no Brasil]; nota do editor) no aplicativo Manga Mee da Shueisha. Como era uma plataforma inteiramente digital, achei que era o momento de começar, principalmente por ser uma série totalmente colorida. Isso correspondia a um momento onde o preço do material de base para desenhar tradicionalmente tinha aumentado bastante. Entre as vantagens do digital, há a possibilidade de utilizar modelos 3D para ganhar tempo nos cenários e em outros elementos. Do lado das desvantagens, diria que o ato de desenhar fica menos memorável. Eu me lembro mais dos tempos onde eu desenhava tradicionalmente. Há uma espécie de paradoxo com o digital: se nós fazemos um erro, podemos apagar, voltar atrás, há menos estresse… Por consequência, o nível de intensidade do desenho pode não ser o mesmo de quando começamos um desenho à mão.
Le Figaro – Como você descreveria sua relação com seu leitores francófonos?
Natsumi Aida – Eu tenho uma relação única com meus leitores franceses. Minha vinda à Japan Expo em 2012 foi um momento marcante e que ficará gravado em minha memória. Estou comovida de ter sido convidada para ir à Bruxelas. Eu trouxe pastas com quadros [as páginas] originais na minha bagagem para mostrar aos jornalistas e leitores que vieram para as sessões de autógrafos. Tenho presentes para distribuir… é uma maneira de retribuir todo o amor que eu recebi.

Na legenda do Le Figaro: ” ‘Em toda minha carreira, eu só fiz duas sessões de autógrafo no Japão!‘, conta a mangaka, feliz de poder encontrar fãs francófonos em Bruxelas.”
Via Le Figaro
Le Figaro – Você é uma fã declarada de Akira Toriyama. O que você sentiu com o anúncio de sua morte? Que influência ele teve em sua carreira?
Natsumi Aida – A morte do mestre Toriyama, anunciada tão brutalmente há um ano, me marcou profundamente. Durante um mês, fiquei chocada e deprimida. Ao longo do ano, tomei consciência do impacto que sua obra tinha no meu próprio trabalho, notavelmente na maneira de desenhar as aparências, mas também nas piadas visuais. Isso teve um impacto duradouro na forma de expressar minha arte.
E foi isso! Espero que tenham gostado e se tiverem oportunidade, deem uma chance ao trabalho da Natsumi Aida! (leiam o texto do blog sobre “Kengai Princess“)
Reforçamos que a entrevista está disponível (e de forma gratuita) no site do Le Figaro ^^
