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Em "ARTE", Kei Ohkubo grita por igualdade!

O blog estará completando 5 anos daqui alguns dias (dia 14) e estamos publicando resenhas de mangás diariamente no blog, como uma forma de celebração… Entre mangás mais recentes e alguns mais antigos, publicados no Brasil e outros não, temos “ARTE”, da Kei Ohkubo, que é inédito no Brasil, mas é publicado na França.

“ARTE” (アルテ) é um mangá escrito e ilustrado pela Kei Ohkubo. A obra começou a ser publicada em Outubro de 2013 na revista Comic Zenon, da editora Tokuma Shoten. O mangá está em andamento no Japão com 19 volumes e recentemente, a autora informou via Twitter que o mangá está próximo do fim, restando apenas alguns capítulos até o final. O mangá foi anunciado na França em Junho de 2015 pela editora komikku e começou a ser publicado em 19 de Agosto do mesmo ano. A editora atualmente lançou 18 dos 19 volumes, e o 19º será lançado daqui alguns dias na França, em 22 de Agosto. Adquiri o volume #1 da edição francesa em Dezembro de 2023 e venho trazer impressões gerais da obra ^^

Sinopse: “Florença. Início do século XVI.
Neste berço do Renascimento, que viu a arte florescer em todo o seu esplendor, uma jovem aristocrata chamada Arte sonha em tornar-se pintora e aspira a ser aprendiz numa das muitas oficinas da cidade…
Infelizmente! Esta era de abundância cultural foi também a da misoginia, e era inconcebível que uma jovem aspirasse a ganhar a vida com a sua arte e o seu trabalho. Será que os muitos obstáculos que estão no caminho de Arte superarão a louca energia louca desta aristocrata?”


  • História e Desenvolvimento

Conheci “ARTE” graças a adaptação em anime que foi ao ar em 2020, logo no começo da pandemia. A época, eu gostei bastante desse começo da animação – embora houvessem claros problemas de produção – e lembro como se fosse hoje como esse começo do anime gerou uma enorme repercussão/problematização do Anitwitter e do Anituber. Isso porque, logo no primeiro episódio, temos aquela cena absolutamente memorável em que a arte está procurando mestres que pelo menos olhassem seus desenhos, para que ela tentasse ser uma aprendiz. Todo mundo rejeita ela puramente por ser uma mulher, até que ela se cansa disso e corta os cabelos, renunciando ao que a tornaria uma mulher (na visão da época) e não obstante, ela ainda ameaça cortar os seios, caso não fosse suficiente cortar os cabelos. Posteriormente, o anime ainda conversa, de uma maneira muito interessante sobre como homens são a ruína para mulheres como a Arte – protagonista da história – que tentam viver sozinhas, construindo e reunindo fundos pelo seu próprio trabalho, o que a obra foi chamada de “maniqueísta”. Eu não vou me alongar muito nesse assuntos, eu escrevi um texto comentando sobre e o @rubnesio escreveu outro (muito bom, por sinal), mas o ponto é que “ARTE” conseguiu mostrar o lado machista de uma galera da ala mais progressista e fato é que essa adaptação só serviu para dois fins: 1. Me fazer conhecer a obra e 2. Levantar essas discussões, porque lendo o mangá agora, o anime passa anos-luz da qualidade do mangá.

” ‘Mulher’, ‘mulher’, ‘mulher’… Vocês me irritam com isso… se isso os incomoda tanto…

Indo para o mangá agora, “ARTE” vai contar a história da Arte, uma jovem garota de 16 anos que faz parte de uma baixa burguesia/aristocracia e que depois do falecimento do pai, se vê sendo pressionada pela mãe para que ela deixe a pintura e o desenho de lado (coisa que ela ama) para focar no casório, isso porque a mãe precisa juntar o dinheiro para o dote dela (que é como se vendessem a filha para o futuro marido), já que a mãe não herda nada do marido, pelas leis da época, então precisam acelerar as coisas e conseguir casá-la o quanto antes. Em vida, o pai da Arte incentivava ela nos estudos, especialmente no desenho. A época (século VXI, com a Renascença a todo vapor), era bem visto que mulheres nobres tivessem algum nível de educação: saber ler, escrever, ter conhecimento da cultura, da música e de afazeres doméstico, mas claro, essa educação sempre em um nível abaixo dos homens. O pai dela via com bons olhos a paixão dela pelo desenho e bancava professores de arte para ela, coisa que sua mãe via com certa repulsa, porque acreditava que nenhum homem veria essas habilidades com bons olhos.

“Costura… bordado, renda… as boas maneiras… noções básicas de leitura e cálculo… todas essas disciplinas deveriam fazer de mim uma boa esposa. Eu as estudei sem reclamar só por obrigação.”

Determinada a ser uma artista profissional, ela sai de casa em busca de alguém que a aceite como aprendiz, o que se mostra uma missão muito complicada, já que em todas os estúdios que ela bate na porta, ela é prontamente recusada inteiramente por ser uma mulher. É após essa sequência de eventos que chegamos na cena que mencionei no começo da resenha. Esse momento é algo tão marcante para mim, que não importa quantas vezes eu o veja, seja assistindo no anime, ou lendo no mangá, ele continua extremamente impactante, tal qual a primeira vez que eu o vi.

Eu estou pronta para renunciar a minha qualificação como mulher! Então? Não?! Os cabelos não são suficiente?! Então vou me livrar dos meus seios!”

Caos instaurado, quem vai e aparta toda a situação é o Leo, um pintor meio solitário que até então, nunca havia recebido ninguém como aprendiz. Bem, nunca é dito o seu nome completo, mas é bem ‘claro’ aqui que “Leo” é ninguém menos que Leonardo Da Vinci. E por sinal, a Arte, em tese, é uma personagem baseada na Artemisia Gentileschi. Embora as datas não batam, já que “ARTE” se passa no começo do século VXI (ou seja, começo dos anos 1500) e a Artemisia nasceu em 1593, no final do século, quem lê o mangá acredita muito nisso e há outras situações/personagens históricos que não batem, como o próprio Da Vinci. Ele nasceu no meio do século XV, ou seja, no começo do século XVI ele já estava bem velho, no fim da vida, muito diferente desse Leo que aparece no mangá. Mas fato é que não é esse o ponto que a autora quer trabalhar. Ela não quer fazer um pleno retrato de tudo do século XVI, o que ela quer fazer é se utilizar desse cenário para mostrar a vida de uma mulher que é muito limitada em decorrência do machismo e da misoginia e quer “rasgar” esse tecido do tempo para mostrar que mulheres são tão capazes quanto ou até melhores do que homens (além de outros recortes sociais).

Voltando a obra, o Leo dá uma chance – muito enganosa – para que a Arte se torne aprendiz, passando uma tarefa praticamente impossível de ser concluída, com o prazo de 1 dia. A ideia era que ela não conseguisse mesmo, pois particularmente lhe irrita a ideia de uma garota da burguesia (detalhe: esse Leo é de origem pobre) querendo ser aprendiz, puramente como um capricho (na concepção dele). O que para a surpresa dele, a Arte consegue realizar a tarefa e ele até revela seus planos iniciais. A reação que ele esperava da Arte é de raiva e, no entanto, foi o oposto, isso porque pelo menos ele deu uma olhada no trabalho dela, coisa que os demais se recusaram a fazer.

“- Eu sei que não é fácil para uma mulher viver por seus próprios meios… mas… é uma raiva irreprimível que eu carrego comigo que me impulsiona a viver uma vida autônoma. Eu ignoro onde isso vai me levar, mas eu quero ser treinada… para poder viver da minha arte e do meu trabalho. Eu quero viver na dignidade e não sofrer mais humilhações… Eu quero viver pelos próprios meios!

Outro aspecto importante, é que ao contrário dos demais, o Leo a trata como pessoa. Coloca atividades e tarefas tendo em vista que ela é um ser humano plenamente capaz, ao contrário de todos os demais que antes de qualquer coisa, vão colocar o seu gênero na frente como um impeditivo. No decorrer do volume, temos a aparição do Angelo, um garoto aprendiz também e que vendo o trabalho pesado que ela faz, se oferece para ajudar a Arte e é mais um que coloca o gênero a frente da pessoa. É aquilo, de boas intenções o inferno está cheio e claro, a Arte recusa prontamente.

Tem algumas coisas menores que acho bem interessantes, como a mãe da Arte que embora não apareça muito, é uma personagem que serve de contraponto à personagem principal. Como a Kei Ohkubo usa a Arte para trabalhar com uma vertente de estar a frente do seu tempo, a mãe dela representa um pensamento da época, mas é numa linha de que não tem exatamente como você esperar tal pensamento, se não existia um movimento que permitisse que essa visão progressista fosse vista. A mãe da Arte continua sendo péssima, mas tem camadas na relação dela com a personagem, especialmente enquanto mãe e como pessoa que sabe como aquela sociedade se estrutura.

“- Eh… você não fechou os olhos durante a noite… você deveria descansar um pouco, senhora….
– Não, está fora de cogitação… você sabe bem que as mulheres não herdam nada… Eu posso ser expulsa deste palácio a qualquer momento, então resolvo meus assuntos enquanto ainda há tempo.
– Senhora…”

Mais para o fim do volume, temos uma história envolvendo a Veronica, uma cortesã que conseguiu enriquecer nesse meio atendendo a homens, contando histórias e conhecimento, cobrando por esses serviços. Eu gosto muito da personagem – e arrisco a dizer que a própria Kei Ohkubo também, pois me parece que ela particularmente capricha na hora de desenhar a personagem – porque tem um background muito bacana entorno dela. Não entrarei em detalhes nesta resenha, por ser spoiler, mas digamos que ela se tornará uma amiga e conselheira da Arte e dado o contexto histórico que a obra se passa (que eu não acho assim tããão diferente de hoje, nesse aspecto), serão conselhos muito valiosos e que claro, irão irritar bastante os homens, rs.

Como eu disse lá em cima, o anime só serviu para me fazer conhecer a obra, porque depois de alguns episódios, a produção não só derrete como começa a cortar muito material. As coisas ficam muito corridas, com um ritmo muito ruim e subtraindo partes muito importantes para a história, mesmo as coisas ‘mínimas tiradas fazem falta. O anime dá um outro tom para a obra e para a narrativa que vendo só o anime, é estranho, mas lendo o mangá, dá para perceber o quão inferior é a adaptação.

“ARTE” é uma obra MUITO longa. Vai acabar com 20 volumes ou mais e isso é bem mais do que posso bancar, mas gostei tanto do primeiro volume que quero muito continuar, então vou pelo menos tentar comprar 1 volume a cada 4 ou 6 meses.

“Não faça isso!”

  • A Autora

A Kei Ohkubo começa sua carreira em 2011, publicando o one-shot “Hammer Hammer”, no volume 18 da revista Fellows!, da editora Enterbrain (dois anos depois, a revista passa a se chamar “Harta” ^^). E é em 2013 que ela começa a publicar “ARTE” na Comic Zenon, da editora Tokuma Shoten. Como dito, são 19 volumes publicados, com o 20º previsto para 19 de Outubro e está na reta final. Essa é a primeira e até o momento, única série da autora, mas estamos torcendo desde já para que não seja a única e que ela continue a apresentar esse nível de obras e histórias ^^

Como curiosidade, a Kei Ohkubo desenha tudo à mão! Então toda aquela riqueza de detalhes é fruto de um enorme trabalho manual feito pela autora. Frequentemente a autora posta rascunhos de capítulos e das capas no Twitter dela. Vou deixar um link para verem ^^


  • A edição francesa

“ARTE” está em publicação na França pela editora komikku. O mangá é publicado no formato 12,8 x 18,2 cm, com capa cartonada com sobrecapa fosca e verniz localizado. O volume 1 tem pouco mais de 190 páginas e inclui páginas coloridas no papel couché brilho. A obra é lançada ao preço de 7,90 €. Abaixo, vocês podem ver um vídeo mostrando a edição francesa:


  • Conclusão

“ARTE” é, para mim, um mangá muitíssimo emblemático e é de uma tristeza enorme que a obra não tenha chego ao Brasil (e provavelmente, nunca chegará). É um mangá muito rico que, embora a autora mexa em alguns fatos e pessoas históricas para melhor compor sua narrativa, ainda assim, é de uma importância enorme. O começo é muitíssimo promissor e espero que essa resenha ajude a ter pelo menos um tiquinho de interesse pelo mangá ^^

Obrigado por lerem e até o próximo texto!


  • Ficha Técnica
  • Título original: ARTE (アルテ)
  • Título francês: ARTE
  • Autora: Kei Ohkubo
  • Editora Francesa: Éditions komikku
  • Mês de Lançamento na França: Agosto/2015
  • Quantidade de volumes: Em andamento com 19 volumes
  • Formato: 13,1 x 18,3 cm, capa cartonada com sobrecapa
  • Papel: ??? – páginas coloridas em papel couché
  • Número de páginas: 192 páginas
  • Brinde da Edição: —
  • Preço de capa: 7,90 €

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