Adeus, Meu Jardim de Rosas...

Adeus Meu Jardim de Rosas…

Olá queridos e amados leitores e seguidores! Chegamos ao mês de Dezembro e a recomendação para o último mês do ano é o maravilhoso “Goodbye my Rose Garden“! Dando uma repassada básica no que se trata essa nossa coluna mensal: para quem acompanha o mercado nacional de mangás, sabe que alguns gêneros ou demografias são raros de serem publicados por aqui, sobretudo obras como Shoujos, Joseis, BLs e Yuris/GLs, tendo pouquíssimas obras lançadas anualmente no Brasil. Em razão disso, em Outubro desse ano começamos um projeto de divulgação de obras que estão dentro dessas demografias como uma forma de tentar chamar atenção das editoras para esses títulos, mas também como recomendações para os leitores, já que a probabilidade de sermos ouvidos é mínima (tentamos sem desistir!), além de claro, servir como motivação para que vocês peçam esses títulos para as editoras nacionais. No 1º mês (Outubro/2021) falamos de “Yubisaki to Renren” (Shoujo), no 2º foi a vez de “Hananoi-kun to Koi no Yamai” (Shoujo) e no 3º mês comentamos de “Honnou Switch” (Josei). No mês de Dezembro, o quarto mangá que falaremos é um Yuri 🙂

Goodbye my Rose Garden“, é um mangá Yuri escrito e ilustrado por Dr. pepperco. A obra estreou no Japão em 9 de Julho de 2018, na revista digital MAGxiv (Shounen), da editora MAG Garden. Seu primeiro encadernado foi lançado em 10 de Janeiro de 2019 e foi encerrado em 8 de Fevereiro do ano seguinte, com o lançamento do volume 3. Apesar de não ser muito conhecido por aqui, a obra chamou atenção de alguns países ocidentais, sendo lançado na França (Komikku) (edição que estou usando de base para comentar da obra aqui), na Espanha (Arechi Manga) e Estados Unidos (Seven Seas). Por onde a obra passou, críticas extremamente positivas foram dadas e hoje venho reafirmar a alta qualidade da história ^^

Irei usar como base para comentar o título aqui apenas o 1º volume da edição francesa. Não se preocupem com spoilers, pois não falarei de nada de grande importância para a narrativa. A intenção com o post é apenas fazer uma pequena apresentação do mangá, instigar a leitura e pedidos para as editoras ^^


Do que se trata Goodbye my Rose Garden? A obra se passa no início dos anos de 1900 (século XX) e na história iremos acompanhar a Hanako, uma garota japonesa que viajou até a Inglaterra para encontrar um escritor que ela admira muito, Victor Franks, e que deseja que ele leia seu romance. Chegando lá, a editora que publica as obras do autor se recusa a dar quaisquer informações sobre quem é ou onde está o Victor. Desesperada e sem ter para onde ir, ela se encontra com Alice, uma jovem nobre que a ajuda e a recebe como sua nova emprega de casa. Se por um lado a generosidade de Alice é aparente, por outro, pensamentos sombrios também percorrem sua mente. Em um dia, em troca de informações sobre quem é Victor Franks, Alice propõe para que Hanako a mate. A partir daí, Hanako irá tentar descobrir as reais intenções de sua mestra e tentar ajudá-la.

“Hanako… Me mate!”

Já na sinopse, a obra traz uma carga dramática ao tom da narrativa e que é mesclado aos tons de comédia inclusos ao longo do 1º volume. A autora consegue transitar muito bem entre esses momentos de tensão com as cenas cômicas, ora como quebra de expectativa, ora como alivio nas situações cotidianas das personagens, o que torna elas ainda mais carismáticas e divertidas.

Agora uma das coisas que gostei logo nas primeiras páginas do volume é a abordagem de como mulheres escritoras não são bem vistas na sociedade da época. Há toda uma construção para retratar essa dificuldade das mulheres nesse contexto social. Nessa cena inicial, um moço diz para a Hanako abandonar o sonho dela de escrever para se casar e ser feliz, o que gera sua revolta, pois ela tinha atravessado o oceano e até acreditava que a Inglaterra seria diferente do Japão. A obra até menciona sobre autoras que tiveram que se esconder atrás de pseudônimos masculinos para terem seus livros publicados e não sofrerem o preconceito de serem rejeitados por terem sido escritos por mulheres. Não só isso, como também há casos de autoras que tiveram que pedir para algum homem (amigo, marido…) para que publicasse o livro no nome deles, vide a autora de “Frankenstein”, Mary Shelley, que teve sua publicação rejeitada mais de uma vez e mesmo após conseguir uma editora que a lançasse, ela não foi credita na primeira publicação, tendo apenas um posfácio escrito por seu noivo, Percy Shelley.

“Eu não vou permitir que me julgue unicamente em função do meu sexo! Eu acreditava… que este país era diferente do Japão. Eu não atravessei o Oceano para ser ridicularizada assim!”

Outro debate importante tem relação com a sexualidade e casamentos forçados. É de conhecimento geral que até não muito tempo atrás, se tinham casamentos arranjados, muito se pensando em status e conexões entre as famílias. E com uma obra se passando no começo do século XX, esse aspecto é presente na narrativa. Tanto pelo lado de sexismo, porque o casamento é visto como algo fundamental a mulher, como uma garantia de felicidade ou complemento que lhe faltava para alcançar certa estabilidade na sua vida. A Alice está comprometida com um moço chamado Edward, que entra muito na questão de que ele não é necessariamente uma pessoa ruim, mas reproduz os pensamentos da época, e que acaba sendo bem sufocante para a Alice. A Hanako tem até uma boa primeira impressão do rapaz, porém o homem não parece ser exatamente uma flor que se cheire. Ele não é exatamente o foco nesse volume, mas parece que sua participação será mais relevante dentro do volume 2, e talvez no 3. Ressalto a participação dele, porque uma das temáticas que são destaques nesta série é a questão do preconceito, mas sobretudo de relações entre pessoas do mesmo sexo serem consideradas crimes nessa época.

Já não bastasse serem crimes, tem toda a questão de que circula nos corredores, por assim dizer, que a Alice é lésbica, sendo essa uma grande preocupação da personagem em relação a reputação da família. É uma coisa que realmente a atormenta sobre a possibilidade de alguém descobrir seu segredo. Embora não tenha sido deixado explícito que ela seja lésbica, é evidente que ela tem uma postura de afastar o Edward. Ela é bem esquiva quando ele tenta se aproximar querendo “mais alguma coisa”. Há todo um clima (para lá de fofo) entre ela e a Hanako. E sem esquecer que achei muito bom a autora introduzir pessoas reais para compor esse lado histórico. Em um determinado ponto do volume, é mencionado a morte de Oscar Wilde, um escritor irlandês que teve um relacionamento homossexual. Chegou a ser preso por esse motivo e essa informação deixa a Alice muito abalada, porque provavelmente era uma das referências dela, um autor símbolo, e que se foi. A construção desse terror da personagem é muito bom mesmo. Ela fica com muito medo de ser descoberta e sabe que há quem esteja planejando para expor ela, ainda mais que há um rumor envolvendo a mesma e uma certa personagem que não é muito trabalhada nesse volume, sendo uma das situações jogadas no roteiro e que servem para atrair o leitor a continuar lendo. Enfim, ela fica muito mal de cogitar essas possibilidades e quem acaba a confortando nessas ocasiões é a Hanako, que se tornou sua confidente e que carrega a promessa de matá-la.

Por sinal, tem uma cena muito linda dela perguntando qual seria o problema de ter dois homens se amando. Eles estão apenas… amando. Então qual o problema daquilo? A personagem é muito ingênua e isso fascina a Alice, ao mesmo tempo que deixa ela preocupada. O dono da livraria que as duas estavam naquele momento pede para que ela não saia dizendo essas coisas para qualquer um, pois poderia acabar sendo um problema para as duas. Essas pendências deixadas ao longo do volume tornam o ambiente muito hostil de forma geral, porque a Alice está em um campo minado e não sabe bem o que fazer. Não é deixado claro nesse começo qual seria o real motivo por ela querer morrer, mas creio eu que tenha relação com a personagem não poder se envolver com mulheres, estando fadada a um casamento que não quer, com uma vida de infelicidade. O mangá também traz uma carga bem poética em suas passagens, fazendo ocasionalmente citações, frases bem melancólicas, românticas, e até de certa forma, frases de escapismo da realidade, dessa vontade de estar em um mundo melhor, sem esse tipo de preocupações ou medos. É quase um dos períodos do Romantismo no Brasil. Orna tão bem com o cenário (século XX), com a ambientação, que é uma mistura muito boa e que enriquece a obra.

“Não acha presunçoso fingir controlar o amor um do outro? Esse é um sentimento muito livre! O que não é natural, é limitar a uma classe social ou a um gênero!”

Tem um momento mais puxado para romantismo que estamos mais acostumados a ver nesse tipo de histórias, que é com uma garota pobre se casando com um cara rico. No caso, essa garota era uma das empregadas da casa da Alice e que vai ao seu casamento. A autora faz um paralelo de que se com essa diferença de classes com um casal hetero já tem dificuldades, imagina com um casal homossexual, sendo isso potencializado. Tinha o lado da diferença econômica e para completar, ainda seria um casal do mesmo sexo. Tanto é que o Oscar tinha um relacionamento com o filho de um marquês. Ele tentou processar esse marquês por difamação e acabou tendo o relacionamento dele exposto para o júri e no fim, quem acabou sendo preso foi ele. Tem esse lado das dificuldades maiores para casais homossexuais e que não é tão diferente da nossa realidade. Nós até não podemos ser presos, mas tem dezenas de países que ser homossexual ainda é tido como algo criminoso. Ainda tem o lado do preconceito. Então não é exatamente seguro sair na rua de mãos dadas, ou simplesmente se assumir para familiares.

“Pare… Por que você me aceitou? Eu não quero reviver isso… sozinha…”

A obra parte da proposta da Alice contar mais sobre o Victor para a Hanako se ela aceitar matar ela depois disso. Assim, se você é um pouco atento, só pela sinopse, já dá para ter uma ideia de quem possa ser o escritor, até porque a autora não quer que isso seja um grande mistério para a série, e sim como um chamariz para o que ela de fato quer mostrar na narrativa. E ela faz isso muito bem! É tudo muito bem amarrado, tendo diversos aspectos interessantes sendo introduzidos na narrativa. Questões sociais como papel de gênero, sexismo, o próprio preconceito e de ter que manter sua sexualidade escondida, para além dos mistérios que a autora deixa espalhados, com personagens que podem vir a serem problemas nos próximos encadernados. É um volume curtinho, com média de 160 páginas, mas que tem muito material e excelente conteúdo. São 160 páginas muito bem aproveitadas, com personagens marcantes e questões sociais sendo desenvolvidas.

“Eu aceito sua condição!”

Indo para o final, queria só destacar a arte da Dr. pepperco que é deslumbrante. É tudo muito lindo! É um show a parte de ficar observando as roupas, cabelos, adereços, principalmente quando tem quadros mais próximos, que aí sim a autora mostra a riqueza de detalhes. Por ser uma época que tem todo aquele ar de elegância nas vestimentas, o ambiente fica tudo tão mais encantador. É fabuloso. A própria ambientação é excelente, com os prédios, roupas, e até os jardins, tudo muito bem estudado para compor as cenas para de fato passar a impressão de que estamos em um mangá do começo do século passado (coisa que outros títulos por aí pecam). Dou destaque, principalmente, as páginas com cenários abertos, como as aberturas de capítulo. Tem um capricho adicional nesses momentos! ^^

“Você! Você é irrecuperável!”

Fica a nossa recomendação (com a sugestão do RUB também inclusa) de “Goodbye my Rose Garden”. É uma série bem curtinha e que pode ser uma oportunidade para que as editoras criem interesse em conseguir a licença (ou se pelo menos lessem a postagem e achassem uma boa arriscar, rs) para publicação no Brasil. Aqui você pode deixar a sua sugestão para a NewPOP no Cantinho de Sugestões (que também está fixado no Twitter oficial deles). Para a JBC, peça no Indique JBC. E para pedir para a Panini ou Devir, mande uma mensagem por DM no Instagram das editoras ^^

Esse post deve estar sendo lançado no dia 24 ou 25 de Dezembro/2021. Então desejamos a todos um Feliz Natal previamente <3

A edição francesa em detalhes ^^