Faz um bom tempo (mais de um semestre) que não escrevo algum post de apresentação. Eu quase voltei com essas postagens em junho na ocasião do Mês do Orgulho, mas acabou não dando por falta de tempo (trabalho e universidade me sugando até a alma). Fiquei pensando sobre qual mangá deveria retomar a série e decidi por “Ocean Rush” ou “Umi ga Hashiru Endroll”, Shoujo que me tocou muito quando li há alguns meses ^^.
“Umi ga Hashiru Endroll” (海が走るエンドロール) é um mangá Shoujo de John Tarachine. O mangá começou a ser publicado em outubro de 2020 na revista Mystery Bonita, da editora Akita Shoten. O mangá está em andamento no Japão com 5 volumes, sendo que o 5º foi lançado em 16 de agosto desse ano. A obra foi nominada para o 15º Manga Taishou Award em 2022 e para o Tezuka Osamu Cultural Prize em 2023, foi finalista do Grande Prêmio Mangá An An 2022 (o mesmo que “Yubisaki to Renren” concorreu e ganhou em 2020) e ganhou o Prêmio de Melhor Mangá Feminino no Kono Manga ga Sugoi! de 2022 quando a obra possuía apenas 1 volume lançado! E tendo apenas 5 volumes, a obra possui 750 mil cópias em circulação no Japão!
Estarei fazendo esse post baseado no conteúdo do volume #1 da edição francesa, lançado em maio desse ano pela Akata ^^
“Ocean Rush” vai contar a história da Umiko, uma senhora de 65 anos que recentemente perdeu seu marido. Os dias seguem uma certa monotonia e a certa altura, inquietação por parte dela, já que ela fica um tanto perdida agora que ele se foi. Um dia, enquanto ela estava passeando, ela decide ir ao cinema, local ao qual faziam décadas que ela não ia. O cinema é uma antiga paixão da Umiko, paixão essa que teve que ficar para trás por causa do seu casamento e a vida doméstica. Lá na sala de cinema, ela encontra Kai, que percebe o olhar dela para o mundo do cinema e acaba a convidando para que ela faça faculdade de artes. A partir daí, a Umiko vai desbravar esse (novo) mundo do cinema!
O mangá está chamando muita atenção no Japão. Como mencionei ali em cima, já ganhou muitos prêmios por lá e era questão de tempo até chegar no Ocidente. O primeiro país a ter a obra licenciada foi a Espanha no final do ano passado pela Milky Way Ediciones, e no final de março/2023, a Akata anunciou a obra e começou a publicá-la em maio. A proposta do mangá em si já é muito interessante. Lembra um pouco a ideia de “Metamorphose no Engawa“, sobre uma senhora que é fã de BL e que conhece uma jovem fujoshi, e as duas passam o dia comentando e compartilhando suas experiências. Mas tenho que dizer que a execução da proposta é muito melhor do que eu estava esperando!
Há muitos detalhes interessantes e que adoro em “Ocean Rush”. A começar pela protagonista, Umiko. Ela é tremendamente carismática, fofa e você se apega facilmente à personagem. Tem momentos bem emocionantes já no primeiro capítulo que, ao ler, já estava completamente rendido à ela. Eu gosto do ponto de vista da Umiko sobre as coisas, a maneira que ela pensa e interage com outros, principalmente com os mais jovens que ela (choque de geração). E deve ser cada vez mais explorado ao longo dos volumes da série. Adoro como ela vê os mais jovens e acha uma graça a vida deles, tal qual quando se vê uma criança tateando as coisas para descobrir ao seu redor. Há um certo fascínio dela pelas outras gerações e é algo bem legal.
E algo muito importante é que com o casamento, veio a família e o “cuidar da casa”. Para isso, ela teve que se abdicar do seu sonho. Com a morte do marido, não havia mais nada que a impedisse de seguir com o seu sonho. Não entendam errado: não é como se a Umiko não amasse o marido ou sua família. Amava (e ainda ama) ele, mas fato é que o casamento serviu como um impedimento e daí podemos até partir para a ideia de casamento como prisão, pois mesmo que ela não deixasse o casamento, a personagem ainda teria que lidar com uma jornada dupla, ou mesmo tripla do trabalho. Enfim, assunto que prefiro não discorrer aqui, até por não ser o principal da história, embora a autora abra margem para esse tipo de discussão, o que é excelente. Voltando, foi falando com sua filha que ela ganhou um empurrão que precisava para correr atrás do seu sonho.
A partir do momento que ela encontra o Kai, ele quem vai ser o ponto de virada nessa nova empreitada que a protagonista decide levar e é quem a certa altura, vai servir de motivação e até dar incentivos para que ela corra atrás daquilo que deseja. A meu ver, a Umiko de certa forma, vai guardando as coisas que sente para si e não consegue botar para fora, seja porque não tem com quem externar (ou não se sente confortável para), ou até mesmo pela questão de etarismo. Não é feito por maldade, mas são coisas normalizadas na nossa sociedade. Porém é o Kai quem percebe essas nuances, porque tirando a diferença de idade, eles são muito parecidos. Ele consegue perceber e há uma troca entre os dois.
O que contribui para isso também é o senso de narrativa excelente da autora. Ela consegue construir diálogos e sequências de páginas excelentes, com uma expressividade e uma fluidez que a narrativa pede. Eu não tenho um bom francês, normalmente tenho muita dificuldade para ler mangás, mas com Ocean Rush consegui ler até tranquilamente. Não é muito carregado de texto e o que tem, leio fácil e rápido, dando uma sensação prazerosa durante a leitura. Tem uma dupla página excelente (abaixo), com o Kai mostrando o que ele produziu que é excelente!
E em Ocean Rush, a autora faz uma grande homenagem ao que é o cinema (ela gosta bastante do cenário europeu, seja cultural ou territorial). Um aspecto que marca isso é que toda página de abertura de capítulo faz uma referência a algum pôster de filme clássico. Eu não consigo pegar as referências, porque sou uma completa negação para filmes clássicos (e ando bem afastado da produção ocidental como um todo), mas acho legal a existência disso.
Acho que o grande último aspecto que mais merece destaque nesse primeiro volume é a relação de amizade que a Umiko constrói com o Kai ao longo do volume e que rompe as barreiras entre as gerações. Sabe, não há aquele sentimento ou sensação de que ele, por ser mais jovem, sabe mais ou “é melhor” que a Umiko por ser uma senhora. Não, pelo contrário. Eles são como iguais e há apenas uma diferença de vivências e tempo. Não que um seja mais ou menos que o outro, mas sim uma relação que mostra cumplicidade. Um consegue ler o outro e compreender o que o outro está sentindo sem que seja necessário dizer algo. E isso é destacado pela forma como outras pessoas próximas ao Kai agem perto da Umiko. Me apeguei muito a esses dois e estou curioso para ver como a John Tarachine irá desenvolver essa relação ao longo dos próximos volumes, especialmente porque tem um personagem particularmente interessante e que se relaciona com o passado de um dos personagens. Estou bem curioso.
E acho que fechando, no verso do volume, tem uma frase dizendo “Nunca é tarde demais para retomar seus estudos!” e não poderia ser mais preciso, especialmente quando é algo em que gostamos. Sempre vale a pena tentar. Há não muito tempo atrás, houve uma discussão no Twitter de uma “querida” falando que era absurdo que uma senhora entrasse em uma universidade pública para estudar por hobby, sendo que há muitos jovens que querem estudar e que não conseguem pelas poucas vagas. O jovem seria proveitoso, porque ele traria serventia produtiva (portanto, útil ao capitalismo), enquanto que a senhora por estar “no fim da vida”, não trariam esse “”proveito””, como se o estudo não fosse pelo conhecimento e prazer, mas sim puramente porque precisa estar à serviço do capitalismo como mão de obra. Em tempos de idiotices como essas sendo ditas, “Ocean Rush” é uma leitura muito proveitosa para reflexão.
Agora sobre a John Tarachine, falemos um pouquinho da sua carreira. A John Tarachine não é completamente desconhecida do cenário brasileiro, tendo sido lançada aqui com “A Feiticeira do Castelo” pela Mythos no começo desse ano. Ela começa sua carreira fazendo doujinshin BL de “Kuroko no Basket” no começo dos anos 2010. E sua carreira profissional como mangaka se inicia ainda em meados dos anos 2010, no BL, participando de antologias. Em 2015, ela lança “Unknown”, um BL de volume único pela Fusion Production e começa a publicar sua primeira série: “Goodnight, I love you…“, na Comic It, da ASCII Media Works. Em 2019, começa “A Feiticeira do Castelo” (na França, pela Akata, como “La sorcière du château aux chardons“), lançado no Japão na revista Comic Tatan da editora Tokuma Shoten. Até que em 2020 ela começa “Umi ga Hashiru Endroll“, ou “Ocean Rush“. A John Tarachine é muito versátil e dá para ver isso olhando seu currículo. Começou com obras BL (que já abordam temáticas diferentes) e com seus Shoujoseis explorando temáticas como solidão, perda e família, como em Goodnight, I love you…; fantasia, romance e o encontro de uma nova família em A Feiticeira do Castelo; amizade, etarismo e a corrida atrás dos seus sonhos com Ocean Rush. Com um estilo gráfico muito marcante e um ritmo narrativo excelente, é definitivamente uma autora para se ficar de olho ^^.
“Umi ga Hashiru Endroll” é uma leitura bem gostosa de fazer, tranquila, ágil e até leve, embora tenha seus momentos mais emocionantes e dramáticos. É, a meu ver, um dos grandes trabalhos sendo publicados no Japão no momento e que merece mais olhares para a obra. A John Tarachine ainda tem muito a mostrar, seja nesse mangá, nos trabalhos anteriores e nos vindouros que ela fará. Espero que deem uma chance, curtam e abracem a proposta da série. Abaixo tem um vídeo mostrando o primeiro volume da edição francesa da obra ^^.
De momento, é isso. Espero conseguir voltar a fazer essas postagens de apresentação a mangás de demografia feminina. Gostaria de escrever bem mais, mas a questão de tempo está bem complicada e quando tenho tempo, normalmente estou cansado demais para conseguir escrever. É complicado, mas vou tentando. Se tudo correr bem, o próximo texto deve envolver uma trama mais “quente” (e não é no sentido sexual da palavra). Aguardem! ^^
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