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Apenas uma mãe que ama seu filho ^^

É o finzinho do Mês do Orgulho de 2025 e ontem, dia 28, foi o Dia Internacional do Orgulho LGBTQIA+. Embora não tenha conseguido escrever sobre tudo o que eu gostaria inicialmente por causa da correria na universidade, eu gostaria de “fechar” o mês (ainda vamos ter mais um texto de obra LGBTIA+ neste fim de mês) com uma obra que é particularmente especial! E no caso, estou falando de “Eu acho que meu filho é gay”, mangá Seinen de Okura. Esse texto era para ter saído no Dia Internacional do Orgulho LGBTQIA+, mas não foi possível, porém vale a intenção.

“Acho que meu filho é gay” foi publicado no Japão sob o título “Uchii no Musuko wa Tabun Gay” (うちの息子はたぶんゲイ), sendo escrito e ilustrado pelo Okura. A obra foi publicada entre agosto de 2019 e fevereiro de 2023 na revista Gangan pixiv, da editora Square Enix. Os capítulos foram compilados em um total de 5 volumes. No Brasil, o mangá foi anunciado em Dezembro de 2023 pela Panini. A editora publicou a obra no país entre abril e agosto de 2024. Embora tenha sido publicado integralmente no Brasil, eu não tenho a edição brasileira. O que tenho é a edição francesa (Akata) que saiu antes do que no Brasil e é por meio do primeiro volume dela que falarei do mangá no blog. ^^

Sinopse: “Por conta do trabalho, meu marido está ausente. Então, no dia a dia, geralmente somos apenas eu e meus dois filhos. Talvez eu seja uma mãe coruja, mas acredito, de verdade, que ambos são bons garotos. Porém, há apenas uma coisinha que me deixa preocupada. Acho que Hiroki, meu filho mais velho, gosta de outro garoto. Ele tenta esconder, mas, às vezes, fica bem óbvio. Ainda não conversei com ele sobre isso, mas minha opinião a respeito dele é esta: ‘um menino honesto, adorável e que talvez seja gay’.
Esta é uma história repleta de amor entre uma mãe e seus filhos!”


  • História e Desenvolvimento

Bem, como é dito na sinopse, “Acho que meu filho é gay” conta os episódios cotidianos da Tomoko, uma mulher casada e mãe de dois filhos, sendo um deles o Hiroki, o filho mais velho e que ela desconfia ser gay. Para ela, não importa a sexualidade do filho e, na verdade, embora ele não tenha dito nada propriamente para ela (mesmo sempre deixando escapar alguma coisa), ela estará lá sempre para ajudar e dar apoio ao seu querido e amado filho. O mangá se constitui desses pequenos casos (em torno de 4-7 páginas por capítulo) cotidianos em que o Hiroki sempre deixa escapar uma frase ou situação que faça a Tomoko desconfiada e sempre levando a pensar que ele é gay, ao mesmo tempo que, de forma indireta, está prestando apoio.

“Eu acho que meu filho é gay… e sua honestidade lhe deixa ainda mais adorável”

O mangá é um daqueles exemplos de máximo de gentileza e ternura. A Tomoko não é colocada em momento nenhum como uma pessoa que está lá para constranger o filho ou forçar alguma “confissão” em termos de sexualidade, quando nem mesmo ele deve entender perfeitamente. Tudo que ela quer é observar e ver esse processo dele que é só dele. Ela apenas aceita, observa e presta apoio na medida que pode, além de claro, se divertir um pouco com as atrapalhadas do filho, que vez ou outra se confunde e acaba deixando sair essa expressão do desejo e da vontade por outros garotos, que na visão dela, são o suprassumo da fofura. ^^

O primeiro capítulo do mangá (e são 21 nesse primeiro volume) é com a Tomoko servindo o almoço e o Hiroki comenta sobre a receita de curry que sua mãe faz, no que num dado momento, ele acaba dizendo que o futuro namoradO dele vai ser muito bom na cozinha, até que ele se dá conta e corrige para namoradA e a reação da mãe é ficar quieta, enquanto pensa que ele é um péssimo mentiroso e é muito fofo.

– HEIN? Eu.. eu queria dizer namorada!! Minha futura namorada!! Eu me enganei de novo!! Hahahahaha
* Quando se trata de falar de amor… Hiroki muitas vezes fala demais e sempre que ele evoca um potencial “namorado”, ele entra em pânico… *
– Enfim, eu ainda não tenho namorada…. mas mais tarde, talvez. É claro que ela cozinha bem! Hahahaha

Outro destaque da obra é o Yûri, o irmão mais novo do Hiroki. É um garoto quieto, mas sempre muito observador. Ele, assim como mãe, já sacou sobre os interesses amorosos do irmão e a medida do possível, tenta ele mesmo dar uma mãozinha para o irmão escapar de algumas situações que ele se coloca. Além disso, o personagem também aparenta ser assexual ou aromântico, por uma dada hora, quando o pai deles fala sobre amor e relacionamentos, ele diz que o amor e as garotas não são do seu interesse.

E mais para frente no volume, quem também entra em cena é o Akiyoshi, o pai dos garotos e esposo da Tomoko. Ele é um contraponto a Tomoko, pois enquanto a mãe já sacou tudo sobre o filho, o pai segue completamente desligado desse aspecto e, em razão disso, vez ou outra fala coisas bem preconceituosas, que são o paradigma e visões conservadoras perpetuadas na sociedade, fazendo uma reprodução dessas concepções. O que acho bacana é que o Okura se utiliza disso não só para discutir o assunto, como coloca a Tomoko para quebrar essas visões do marido. E em todo caso, não é um pai tenha exatamente um horror a ideia de homossexualidade e que sejam aqueles casos que a gente só abandona. O que o autor mostra aqui é um caso de pessoa que pode mudar seus pensamentos e concepções, e que acima de tudo, ama seus filhos.

– Não… Não é isso! Claro que o amor me interessa! Mas… É só que…
– Eu também sou um garoto, mas eu não ligo para o amor e garotas. Isso é um problema?
– Hein? Não, não, não disse isso! Mas você é um pouco jovem demais…
– Eu tenho três homens em casa e nenhum se parece com o outro! Mesmo sendo pai e filhos, vocês são tão diferentes, será que realmente existe um comportamento ‘normal’ de garoto?
* Eu não sei dizer se Yûri interveio para ajudar seu irmão, porque ele se deu conta de sua orientação sexual. Mas em todo caso, mas eu sei que quero ouvir meus filhos… e de entender melhor o que eles sentem. *
– Eu tenho colegas que falam o tempo todo… é uma história de homossexuais que está passando na TV. Parece que até tem homens se casando! Acho que esses tempos, ouvimos falar bastante da comunidade LGBT e todo esse blablabla. De qualquer forma, mesmo que a série fosse interessante, só de ver caras se beijando, é o suficiente para me deixar enojado!
– Nã-Não mas você me surpreendeu!! Essa coisa entre caras, é impossível!!
– Não é? Mas as garotas adoram isso
– Sim, vai saber porquê!
– Você viu a série?
– Você está brincando? Eu tenho mais o que fazer!
– Eu acho uma pena…

Como são capítulos muito curtinhos e que a estrutura base se conserva (uma situação cotidiana que a Tomoko presencia e a leva a pensar que seu filho é adorável e gay), não vale a pena falar do conteúdo em si, porque tudo é muito bom e divertido de ler de forma geral. Então, o que vou fazer aqui é separar alguns dos meus capítulos favoritos desse volume e comentar brevemente a situação que ocorre nele.

Começo os destaques pelo capítulo 3, em que a Tomoko, por acaso, acaba vendo que o Hiroki recebeu mensagens de um colega de escola e este colega é provavelmente o garoto que o Hiroki gosta. Nele, a reação da Tomoko é de vergonha, por ter visto algo que não devia, mas também de felicidade pela reação super alegre e fofa do filho ao ver as mensagens que recebeu. No capítulo 9, temos uma conversa em que o pai deles pergunta se “não é normal todo homem ter interesse em garotas?”, o que deixa o Hiroki desconcertado e o Yûri entra em cena para dizer que não tem interesse em romance (que mencionamos mais acima), o que gosto nesse daqui é da fala da Tomoko: “Eu tenho três homens em casa e nenhum se parece com o outro! Mesmo sendo pai e filhos, vocês são tão diferentes, será que realmente existe um comportamento ‘normal’ de garoto?“. No capítulo 13, o Hiroki leva o Daigo, o garoto que ele gosta, em casa e rola uma conversa sobre amar pratos e comidas, o que a Tomoko aproveita para brincar dizendo que espera que o filho possa, um dia, dizer francamente que ama (os pratos dela). ^^. Por fim, no capítulo 18, a Tomoko conversa com o Yûri sobre o que ele pensa do Daigo. O que o Yûri se preocupa é se o Daigo é como o irmão, e, ainda que os dois não tenham dito nada explicitamente sobre sexualidade, ficou bem entendido que o mais novo também já se deu conta do irmão e se preocupa com ele.

– Hein?! Não é como se… eu estivesse apaixonado por ele ou o que quer que seja, hein?!
– Desculpe? Eu falava de amar meus pratos. Isso me parecia evidente.
AH!! Sim, claro!!
* A orientação sexual do meu filho parece fazê-lo sempre evitar mostrar suas preferências… e mesmo sem essa dificuldade adicional, entendo que continua sendo um exercício vergonhoso. Entendo que ele está com ciúmes do Daigo… Eu sou parecida. Eu adoraria que nós pudéssemos falar abertamente daqueles que amamos.
– Diria que o Hiroki gosta muito dele… mas eu me pergunto o que ele pensa.
– Isso é importante?
– O que me pergunto é se ele é como o Hiroki
– Entendo… é verdade…

Lendo o mangá, fica aparente que a certa altura, a Tomoko é uma vontade ou desejo do autor de que pais fossem assim e acho que em especial, que sua mãe assim fosse. A descoberta da sexualidade é sempre um processo complicado e nesta sociedade que mói tudo e todos que não se encaixem dentro do padrão cis heteronormativo, a autoaceitação por vezes é algo doloroso, pois muitas vezes, não só é preciso lidar com a pressão social “externa” (o julgamento de quem você é alheio), como também pela pressão familiar. E aqui, a Tomoko entra como um ideal, do que seria de melhor que existisse no mundo. Eu estou falando apenas do volume #1 na resenha, mas no posfácio/extras do volume #3, o autor conta que se assumiu para sua mãe e embora a reação não tenha sido lá das mais positivas, ela o entendeu, o que é um aspecto legal tendo em consideração que o autor também é LGBTQIA+ e também é parte dessas vivências que ele mesmo coloca na obra.

Eu já vi algumas pessoas que acham o mangá chato, argumentando que é sempre a mesma piada. Eu discordo, pois embora a piada principal seja sempre com a mãe terminando os capítulos pensando “Eu acho que meu filho é gay” junto de alguma frase que complementa o tema do capítulo, o Okura faz um trabalho de diversificação da temática bom. Ele explora, pela perspectiva da mãe, aspectos que são comuns a pessoas nesse processo de descobrimento e autoaceitação. E como vemos tudo na perspectiva da mãe do Hiroki, é um aspecto legal, porque é um pouco se estivéssemos olhando para nós mesmos ou ainda, vendo o que nossas mães poderiam achar.

*na livraria*
– Oh, o livro que estava no quarto do Hiroki! Ah, então não tinha nada de erótico no fim. É por outro motivo que ele ficou envergonhado com a ideia de eu ver… é destinado a um público feminino…
*no livro: para todas as mulheres loucas por músculos <3 Aqui está o livro que você sempre sonhou!*

E independente disso, não consigo não me divertir com a obra. Tem vários momentos que vão desde o constrangedor, ao divertido ou mesmo emocionante pela maneira com a qual o autor monta e conduz o mangá. É maravilhoso!


Um pequeno à parte aqui… o blog nasceu em agosto de 2019 e desde lá, sempre tratei o blog como algo de intimidade. Por diversas vezes, comentei sobre aspectos da minha vida e utilizei da minha vivência para exemplificar assuntos que vi em várias obras. Falei do bullying que sofri na escola quando comentei de “A Voz do Silêncio” e falei de homofobia quando comentei os primeiros capítulos de “Boku ga Otto ni Deau Made“, isso só para citar alguns exemplos. Fiz isso tanto por ser um espaço em que eu podia externar as coisas que eu sentia, já que não tinha com quem falar, especialmente nos anos de pandemia, mas também, porque elucidam as narrativas que eu estava comentando.

Fiz todo esse comentário só para dizer que, no começo desse ano, me assumi gay para a minha mãe. Foi uma situação constrangedora pela forma como se deu, mas o fato é que ela ficou mais triste por eu não ter falado antes e por minhas amigas da universidade saberem e ela não. Ou seja, por ela ser “a última a saber”. Ela e eu sempre tivemos uma cumplicidade enorme e, mesmo eu não podendo contar sobre minha sexualidade por medo de acabar chegando no meu pai, extremamente homofóbico, ela entendeu as razões e ela sabe que não é algo fácil de contar, ainda mais ela sabendo e conhecendo o marido que tem. No fim das contas, foi algo que “saiu das minhas costas”, já que era algo que eu queria falar há muito tempo e que hoje, acho que só aumentou nossa proximidade. ^^

– Eh, oh! Minha namorada, você quis dizer!!
– Oh, eh… sim, claro! Também acabei errando… desculpe…

É com essa pequena mensagem e confissão, que eu gostaria de encerrar esse segmento da resenha e comentar que o mundo precisa muito, mas muito de mais mães (e pais) como a Tomoko!


  • O Autor

Okura possui mais de uma década de publicações, sendo principalmente um autor independente e lançando seu trabalho na internet. O primeiro que se tem registro é “Sorairo Flutter“, que nasceu como um web-mangá e que entre 2017 e 2018, ganhou uma versão serializada na Gangan Joker (Square Enix) completa em 3 volumes. Essa versão foi ilustrada pela Koma Hashii e foi lançada no Brasil integralmente em 2024 pela Mythos sob o título “That Blue Sky Feeling“. E em 2019, ele estreia “Acho que meu filho é gay“, seu maior sucesso até aqui. Atualmente, o autor publica quadrinhos e histórias curtas na internet, mas desde o fim de “Acho que meu filho é gay”, ele não lançou nenhuma obra por alguma editora.


  • A edição francesa

Na França, a obra saiu pela Akata no formato 12,8 x 18 cm (semelhante a “citrus”, “given”…). A obra tem sobrecapa fosca, cerca de 130 páginas por volume. Não se sabe o papel do miolo, mas é semelhante aos de cor creme que temos aqui no Brasil (pólen). As páginas coloridas são no papel couché brilho. O mangá saiu com o preço de 7,95 € (em torno de R$ 51,10 reais na cotação atual [28/06/2025]). Abaixo, vocês podem ver um vídeo mostrando a edição francesa em detalhes ^^

Embora eu não tenha a edição brasileira para comentar sobre, posso pelo menos passar as especificações: o mangá foi publicado pela Panini no formato 15 x 21 cm, capa cartonada com sobrecapa, no papel offwhite 66g e preço de capa de R$ 37,90.


  • Conclusão

“Acho que meu filho é gay” é o tipo de mangá que todo mundo deveria ler, principalmente aqueles que nutrem algum preconceito/homofobia, mas a gente sabe que, infelizmente, aqueles que precisam quebrar suas visões e concepções são justamente aqueles que não leem. Mas de toda forma, é uma ótima obra para se celebrar a aceitação de quem é. Para além da diversão, é aquele tipo de obra que causa conforto e o “quentinho no coração” que é uma delícia de sentir! Recomendo enormemente. ^^


  • Ficha Técnica (edição brasileira)
  • Título original: Uchi no Musuko wa Tabun Gay (うちの息子はたぶんゲイ)
  • Título nacional: Acho que meu filho é gay
  • Autor: Okura
  • Serialização no Japão: Gangan pixiv
  • Editora japonesa: Square Enix
  • Editora nacional: Panini
  • Quantidade de volumes: Completo com 5 volumes
  • Formato: 15 x 21 cm; capa cartonada com sobrecapa
  • Preço de capa: R$ 37,90
  • Compre em: Loja Panini/Amazon

1 thought on “Resenha: Acho que meu filho é gay (volume 1)

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