Dê as mãos e fuja comigo!

Para a ocasião do mês do orgulho de 2024, irei comentar nesses posts de apresentação dois mangás! O primeiro deles é “Entre nos mains”, um Josei Yuri até bem popular e que recebe elogios por onde quer que passe! Esse é um dos trabalhos mais famosos da Battan, uma autora que vem crescendo exponencialmente e ganhando cada vez mais destaque, seja no Japão ou no Ocidente!

“Entre nos mains” ou como foi publicado no Japão, “Kakeochi Girl” (かけおちガール), é um mangá escrito e ilustrado pela Battan. Ele foi publicado entre outubro de 2018 e Fevereiro de 2020 na revista Hatsu Kiss, uma ‘revista-irmã’ da Kiss e que, infelizmente, foi encerrada em Junho de 2021. O mangá foi publicado apenas em edições digitais, sendo concluído em 4 volumes, mas devido a popularidade da obra, ele ganhou uma edição impressa em 2021 pela própria Kiss. Essa edição impressa foi completa em 3 volumes e ganhou novas capas e diferentes da edição digital.

Para falar do mangá, irei usar como base o volume 1 da edição francesa ^^


“Entre nos mains” conta a história da Makimura e da Midori, duas garotas que se conheceram durante os anos que estudavam na mesma escola. A amizade se tornou amor e elas começaram um relacionamento que logo terminou ao fim do ensino médio. Anos se passaram e 10 anos mais tarde, Makimura está prestes a terminar seus estudos na faculdade e trabalha em um instituto oftalmológico. E nesse local que, por acaso, ela reencontra a Midori e os sentimentos que a Makimura havia deixado de lado, sem nunca tê-los esquecido, rapidamente ressurgem.

“Ambas, no cenário das aulas… nós trocamos cartas secretas cheias de amor… nossas mãos entrelaçadas, nossas unhas pintadas da mesma cor… nós nos beijamos… mais vezes do que eu posso contar.”

Para fazer esse texto, eu gostaria de ter lido a obra completa, mas como o texto do mangá é um pouco mais denso, uma leitura mais pesada, acabou que não foi possível. Mas esse volume inicial por si só já tem um material muito rico para comentar e explorar.

Algo que gosto nesse primeiro volume de “Entre nos mains” é que há uma ternura da autora nos momentos de lembrança das personagens e que, no entanto, ficam somente aí, na lembrança. No presente, a vida toma caminhos diversos e que nem sempre nos fazem feliz. As duas eram alegres durante o período no ensino médio como uma bolha protegida e que até aquela idade, não há tantas preocupações para se ter. A partir dali, é o símbolo de partir para uma vida de responsabilidades e a tão famigerada “vida adulta”. Para a Midori, isso também representou (por uma pressão social) dar fim ao relacionamento que ela vinha tendo com a Makimura.

– Nós somos adultas agora! Maki, não esqueça que… eu te amava!

A autora coloca a Makimura para descobrir mais da vida da Midori, porque desde que elas terminaram, ela meio que permaneceu no “mesmo lugar”. Ela seguiu com a vida, estudou e trabalha, porém, no campo amoroso, ela não conseguiu dar muitos passos e não conseguiu esquecer a Midori. Por outro lado, a Midori tem muito mais acontecimentos para acompanhar. Se você olhar por uma ótica do que a sociedade espera, ela está “com a vida feita”: trabalha, tem um marido (vai casar), tem uma casa e está construindo uma família, totalmente dentro do espectro de heteronormatividade. No entanto, essa é uma vida completamente infeliz.

A primeira imagem, ela passa completamente a impressão de uma pessoa satisfeita e até realizada com um marido legal, com um casamento praticamente marcado e um filho por vir. Porém, basta a Makimura se aproximar mais dela para começarmos a ver que toda essa felicidade só está na superfície. A Midori é uma personagem muito espontânea e é daquele tipo de pessoa expansiva, que tem uma boa energia. Ao mesmo tempo, ela não tem confiança em si mesma e não consegue se impor. Aquilo que as pessoas traçam para ela, será o caminho que vai seguir. Tanto que ela abdica do relacionamento que tinha com a amiga “facilmente”. Dessa forma, a protagonista acata do que o marido diz. E falando nele, ele é PÉSSIMO.

– Parece delicioso!! Você não sabia cozinhar, Midori!
– Hehe! Eu me esforcei, é por isso!
– AH NÃO, MAS SEM CHANCE. Midori, você é um completo fracasso na cozinha, hein! Isso daqui, por exemplo, você prepara sempre… Mas é melhor quando eu cozinho
– Bem, então você só precisa fazê-lo, Tazune!
– Espere, Midori! Foi você que queria fazer o jantar… e agora você tá reclamando?
– Ok, ok, me desculpe…
“Hein?”

O marido da Midori, Tazune, é um personagem horrível. Maravilhosamente bem construído para ser dessa forma. Ele é o típico homem medíocre: um cara comum, que fica frustrado com o próprio fracasso e não o bastante, fica completamente irritado quando mulheres se saem melhor que ele, já que na sua concepção, elas são inferiores. Ou seja, a pura misoginia. Nesse contexto, a Midori é a vitima perfeita para ele, justamente porque o personagem consegue aproveitar da sua fragilidade e sempre colocar a protagonista como abaixo dele, alimentando um ciclo da qual a Midori dificilmente vai conseguir sair, especialmente com uma pressão por matrimônio e estando grávida.

Ele tem um background interessante, porque a autora consegue dar uma profundidade para o marido e mostrar uma complexidade do personagem (e que também serve para mostrar que pessoas são complexas), mas sem esquecer jamais que os problemas do passado por quaisquer que sejam, não podem ser usados como uma desculpa para validar os erros (e crimes) do presente. Ele abandona a Makimura em momentos que ela precisa, trai ela, ofende, a constrange na frente dos outros para abalar sua autoestima, até chegar ao ponto da violência física.

– Não vai usar camisinha hoje?
– Nah, veja… eu odeio camisinha. Tudo beeem, não se preocupe. Eu nunca engravidei uma garota. Eu te juro! Isso nunca aconteceu antes, é bom.
“Quando é que ele começou a falar assim?”

Eu disse que a obra tem uma “ternura” na hora de mostrar o passado e também há uma delicadeza na dor, porque a Battan consegue transpor esses sentimentos de uma forma tão angustiante, tão dolorida e até desesperadora, sendo uma sensação de estar perdido no meio do nada, mas o desenho dela é tão elegante, radiante e expressivo, que compõe tudo de uma maneira tão única. É um misto de sensações conflitantes entre si e que no todo, formam uma experiência maravilhosa de se ter na leitura.

Fato é que esse reencontro entre essas duas amigas, que já foram mais que amigas, veio em uma hora excelente, não só pelo lado da Midori que estava precisando de alguém com que pudesse contar e servir como um incentivo ou refúgio, como também pela própria Makimura que tem seu lado mal resolvido com o passado entre as duas e no fim das contas, é claro que nenhuma delas esqueceu ou deixou completamente de lado o que tiveram no passado.

– Você realmente esqueceu?

A Battan começou sua carreira nos anos 2010, principalmente no mundo dos doujinshi e como artista, expondo em diversas galerias. O primeiro trabalho da Battan que se tem registro é “Nijiiro Complex“, publicado entre 2015 e 2016 na Young Magazine the 3rd (revista Seinen da Kodansha) e completo em 2 volumes. Ainda em 2016, ela publica “Tenmongakusha no Otto ga Aresugite Shindoi.” (algo como “Meu marido, que é astrônomo, é tão chato que me incomoda.“), um ensaio em volume único lançado na Young Magazine (Kodansha) sobre o marido da Battan e o período que ela repentinamente teve que morar na Alemanha devido ao trabalho dele. A partir dali, a autora entrou com força na demografia feminina, publicando em sequência: “Kakeochi Girl” em 2018 (Hatsukiss/Kodansha), “Ane no Yuujin” um Yuri em volume único em 2019 (Torch/Leed), uma coletânea de histórias chamada “Itemo Tattemo Irarenai no” em 2020 (FEEL YOUNG/Shodensha), outra coletânea em 2021 intitulada “Mabataki” (Torch/Leed) e “Kemutai Ane to Zurui Imouto“, que foi publicado entre 2021 e 2023 na revista Kiss e completo em 5 volumes!

Atualmente, a autora publica “Soshite Heroine wa Inaku Natta” (algo como “E então, a heroína se foi“), o mangá começou a ser publicado em 2021 na revista Torch, mas a autora rompeu com a Leed e o mangá passou para a editora Futabasha, passando a ganhar edições impressas no selo da revista JOUR (Josei) em maio de 2024 e com o volume 2 saindo em junho/2024. A autora ainda é bem requisitada para fazer ilustrações de capas de romances.

“Kakeochi” acabou se tornando sua obra mais emblemática e a que mais fez ela ganhar projeções. Se eu fosse dizer uma segunda obra mais importante, seria “Kemutai Ane to Zurui Imouto”, que é sobre as intrigas de duas irmãs que se reencontram após a morte da mãe delas. Estou bem ansioso para ler ele. O lançamento na França começa em setembro. Ela tem um estilo de arte muito único, designs com traços bem marcantes e uma composição de páginas fascinante. Falo há algum tempo no blog que ela é uma autora para se ficar de olho, pois ainda tem muito para contar e espero que tenham ficado interessados em conhecer pelo menos um pouco do trabalho dela, especialmente no caso de “Entre nos mains”. ^^

Abaixo eu deixo o vídeo mostrando os volumes da edição francesa e na sequência, a lista com todos os mangás que já comentamos nessa série de textos! Nos vemos dentro de alguns dias, mais no fim do mês, para outro post de apresentação. ^^

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