Um novelão dos bons!

Essa série de postagens está chegando ao 10º mangá sendo recomendado. Até o momento, apresentamos desde mangás de romance colegial, a outros tipos de trama como fantasia (“Les Chroniques d’Azfaréo“) e vida cotidiana (“Ocean Rush“). Sabemos que frequentemente o Shoujo (e tudo que pertence à demografia feminina) é estigmatizado como sendo apenas “obras de romance escolar”, no entanto, como já apresentado outras vezes e aqui novamente, iremos mostrar uma trama de vingança, sendo ele “Burn the House Down“, ou “Mitarai-ke, Enjou suru“!

“Mitarai-ke, Enjou suru” (御手洗家、炎上する), é um mangá Josei escrito e ilustrado por Moyashi Fujisawa. A obra estreou em março de 2017, na edição de maio/2017 da revista Kiss (Josei), da editora Kodansha. O mangá foi publicado até abril de 2021 e foi concluído em 8 volumes. Em julho desse ano, a obra teve uma adaptação para live-action pela Netflix sob o título “Consumidas pelo Fogo”. O mangá foi anunciado na França em Março de 2023 pela Akata e começou a ser lançado em junho. Estarei utilizando o volume #1 da edição francesa como base para escrever esse post. ^^

Capa da Kiss da edição de Maio/2017
Visual de “Consumidas pelo Fogo”

“Burn the House Down” vai contar a história da família Mitarai. Para falar do enredo e de onde vai partir, temos dois pontos principais: a infância (passado) e a juventude (presente) da Anzu, protagonista do mangá. Na infância de Anzu, sua vida desaba quando sua casa misteriosamente pega fogo. Na sua memória, a imagem de sua mãe ajoelhada pedindo perdão. Anos mais tarde, com a constante dúvida de onde surgiu o fogo que destruiu sua casa e sua família, Anzu vai trabalhar como empregada doméstica sob uma falsa identidade na casa da Makiko Mitarai. A verdade por de trás disso é que a Makiko tomou a vida da mãe da Anzu. Começa a partir daqui, uma história de mistério e vingança.

“Me desculpe! É minha culpa! Perdão… eu realmente sinto muito muito!”

A Moyashi Fujisawa começa a trabalhar no mundo dos mangás como assistente da Rumiko Takahashi (InuYasha; Urusei Yatsura) durante 7 anos. Ela começa a sua carreira em 2015 e logo ganha o prêmio “Grande Prix Nove Autor” da revista digital Hatsukiss (revista irmã da Kiss) com sua história curta “Femme fatale to hirugohan wo”. Ainda em 2015, ela lança “17-sai no Tou“, sua primeira série de mangá, completo em 2 volumes, e lá começa a explorar questões sociais como hierarquias estabelecidas em ambientes escolares. Até que em 2017, lança “Bourn the House Down”, que vem a ser (até o momento) seu mangá mais longo e que ela não só continua a explorar as relações interpessoais, suas problemáticas e como a sociedade se estrutura com sua hipocrisia, como também desenvolve aspectos da sua quadrinização (a montagem das páginas) que consegue ser bem única.


Se você está levemente inteirado do mundo novelístico brasileiro, essa ideia da protagonista trabalhar como empregada doméstica sob uma falsa identidade e estar em busca de vingança, vai te lembrar a trama de “Avenida Brasil”, uma das mais famosas novelas brasileiras e que é foi um completo fenômeno. E eu preciso começar esse post apontando o óbvio: a Makiko é a vilã e aos meus olhos, tal qual a Carminha em Avenida Brasil, ela é a personagem mais interessante da história até aqui (e provavelmente vai continuar sendo até o final).

Indo por partes e do começo: a Makiko é a matriarca de uma família bem-sucedida, com dois filhos e um marido dono de uma clínica odontológica. A própria Makiko possui uma certa fama e é com frequência entrevistada estampando capas de revistas por ser uma “referência de mulher”: é bonita, elegante, consegue manter a casa completamente arrumada mantendo a boa aparência e cozinha muito bem. É isso que ela quer que acreditem. Ela contrata a Anzu como sua empregada para que faça a limpeza da casa no seu lugar. Na verdade, a Makiko odeia esse serviço e a contratação da Anzu é um segredo, pois ela precisa continuar mantendo a imagem de perfeição que construiu.

– Ah! Mas é a senhora Mitarai!
– Bom dia!
– Nós a vimos na [revista] Olga deste mês! Que tudo ‘Modelo de dona de casa’!
– Oh não, vejam… eu sou apenas uma novata…

A Makiko tem um maneirismo e um narcisismo interessante. Para além da questão das aparências, há uma vaidade em ter as pessoas prestando atenção nela pela sua imagem, pelos outros a terem como uma referência a ser seguida e mesmo um egocentrismo, pelo lado da alimentação das redes sociais e a necessidade de mais e mais engajamento. Ao mesmo tempo, a personagem tenta se convencer dessa perfeição (não só dela como de toda a família). 

O que eu gosto na personagem é que ela tem um lado tremendamente esnobe, exagerado, que a certa altura, mostra sua fragilidade (na maneira como se comportam) que acho fascinante em vilãs. Elas são o tipo de personagem que surtam quando a imagem ou seus planos estão prestes a serem arruinados, o que normalmente resulta em sequências ótimas e divertidas de acompanhar. Quanto a quadrinização que mencionei acima, acredito que ela corrobora muito pelo meu gosto por esse mangá. Ele traz um certo exagero textual, mas também visual, que torna essas cenas excelentes como um todo. Eu gosto disso e a autora consegue ser bem convincente!

“Uma mulher… que se apropriou da vida da nossa mãe… de sua casa… seus negócios… seu marido… ela roubou tudo. Como podemos deixar passar uma coisa dessas?!”

Nessa postagem eu prefiro não entrar em detalhes do como as coisas acontecem, porque muitas vezes “o que acontece” é menos importante. A forma como as coisas caminham que é o foco nessa história. Saber que a Makiko tomou a vida da mãe da Anzu é o de onde a história parte, porém como ela teria feito isso é o que importa (e pensa em um case de sucesso que é o dela).

Se vocês repararam, esse post até aqui está sendo eu falando da vilã e praticamente não disse um “a” sobre a protagonista. Acontece que assim como uma mocinha de novela, ela não é exatamente carismática, ou pelo menos não é a personagem que mais me chama atenção. Não é que ela seja uma personagem ruim. Ela é competente e cumpre sua função. É o fio condutor para que vejamos o que realmente é interessa na história e claro, para que vejamos mais dos personagens principais que cercam a história.

– Se você roubar o que quer que seja, eu não terei piedade
– Certamente…
– Isso acontece, então prefiro esclarecer. Então, conto com você
– Tome cuidado

A Anzu usa o disfarce de emprega para investigar e a medida que vai encontrando acessórios e peças que eram da mãe dela e que a Makiko roubou, vai levando para sua mãe como um sinal de boas recordações pela história que havia entorno daquelas peças. Talvez até como um símbolo de esperança. E a partir disso, ela consegue buscar algumas pistas e mais mistérios vão surgindo. Mais na parte final do volume, surge um certo personagem que “divide” a linha narrativa e apresenta um outro campo de visão da história, tornando o mangá ainda mais dinâmico.

O meu plano com relação a esse mangá (a edição francesa), era comprar apenas o volume #1 para fazer o post e fim. Só que o mangá me pegou em cheio, muito mais do que achei que seria e acabei decidindo comprar a coleção. A partir do final do 2º capítulo eu já estava interessado para saber o que iria acontecer a partir dali. E o que me pega nele é que para além da narrativa estar sendo feita de uma maneira ótima, nada (nada mesmo) é o que parece aqui. Os personagens apresentam situação em que eles se dizem X, entretanto, conforme a história anda, eles são o oposto ou tem algo de errado na versão da história que os personagens apresentam. A Makiko mesmo é um ótimo exemplo: ela se vende como uma mulher perfeita e invejável, mas por de trás, contrata uma empregada para manter a casa limpa e esconde isso dos outros. O mangá tem um ar de hipocrisia, aliado com a questão de sociedade das aparências que é MA-RA-VILHOSO!

“Makiko Watari… se tornou Makiko Mitarai… já é tarde demais”

“Burn the House Down” apresentou um começo interessante E acredito que se fosse lançado no Brasil, teria muito potencial. Não cheguei a ver o live-action na Netflix para ver como estão fazendo (só sei que adaptaram um volume do mangá por episódio), porém acharia legal ver uma adaptação brasileira dele, já que combina muito com nosso estilo de produção noveleira (não é à toa que algumas pessoas chamam o mangá de “Avenida Brasil do Japão”). Nunca vai acontecer, mas acharia legal, rs. Abaixo vocês veem um vídeo mostrando a edição francesa em detalhes 🙂

Fica a recomendação para ao menos darem uma olhadinha na obra. Se tudo for bem, em dezembro sai mais um post de apresentação aqui no blog. ^^

Adriana Esteves faria a Makiko, mas a Makiko não faria a Carminha! 😌

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