Os dramas de pessoas perdidas...

Agosto é mês de aniversário do blog e em 2024, são 5 anos de existência do site! Para tal, estou escrevendo uma série de resenhas (a maioria são obras de demografia feminina) e claro que os textos de apresentação não podiam ser deixados de lado! Para tal, estaremos publicando dois textos de apresentação em Agosto: o 1º foi “Whispering – Les voix du silence –“, Josei da Youko Fujitani, e que já foi publicado mais no começo do mês. Para este fim de mês, o mangá da vez é “& (AND)”, Josei da Mari Okazaki. “Whispering” foi escolhido tanto por a autora ser uma da qual gosto muito, como também pelo fator de que falamos de outro mangá dela no blog (O Sétimo Ano do Amor Puro). “&” por sua vez foi uma escolha tanto por ser um trabalho de autora que muito tenho curiosidade, como também por a Mari Okazaki ser uma grande veterana do mangá feminino e que definitivamente merece mais atenção!

“& (AND)” é escrito e ilustrado pela Mari Okazaki e começa a ser publicado no Japão em Abril de 2010 na revista FEEL YOUNG (uma revista que eu amo), da editora Shodensha. O mangá ficou em publicação até Fevereiro de 2014, quando foi concluído. A obra é completa em um total de 8 volumes.

Estarei utilizando o volume 1 da edição francesa para falar da obra no blog ^^


“& (AND)” vai contar a história da Kaoru, uma mulher de 26 anos que nunca teve um namorado e, na verdade, ela nunca se apaixonou por ninguém, isso porque, ainda tem o adicional de que ela não suporta ser tocada por pessoas desconhecidas, especialmente homens. Ela trabalha em um hospital como auxiliar médica/secretária e ela leva uma vida descomprometida e a certa altura, desmotivada. Ela então decide arranjar um novo emprego e ao encontrar um antigo colega da universidade chamado Shiro, ela abre um salão de manicure no hall de entrada do prédio que o Shiro é dono e trabalha como programador. Esse salão era como um sonho dela e nele, ela atende mulheres que não conseguem encontrar um espaço para ir a salões durante o dia.

“Enquanto mulher, talvez eu não dê prioridade as boas coisas. Mas tanto faz… eu, Kaoru Aoiki… Eu vou começar meu segundo trabalho!”
– Eu vou abrir um salão de manicure! Eu espero que nós possamos trabalhar em bons termos!

Eu tive que dar uma sinopse mais genérica, porque é meio complicado dizer do que se trata “&” sem que você adentre muito na história em si. A obra é sobre muitas coisas e normalmente quando alguém se propõe a falar de um pouco de tudo, ela não fala sobre nada, no fim das contas, porém, aqui, a Mari Okazaki consegue estabelecer várias linhas de frente de atuação que formam um trabalho fantástico e traz um resultado final explêndido!

Para começo de conversa, a Kaoru é uma garota muito desconexa de tudo, especialmente de sentimentos mais afetuosos. Não é que ela não nutra amor e carinho por ninguém, pelo contrário, mas há sempre uma certa sensação de distância dela e dos demais, uma impressão de ‘algo faltando’ e que mesmo ela não entende por completo o que é isso e o que ela deseja.

“Eu entendi no colégio… quando um garoto pegou minha mão pela primeira vez.
‘Desculpe, mas eu não te amo.’

Algo que representa perfeitamente isso é que embora ela tivesse essa vontade de ter um salão, quando ela finalmente consegue o local e começa os preparativos, alguns personagens confrontam ela sobre, na verdade, ela estar adiando o máximo que pode o começo do projeto. Ela realiza o primeiro atendimento antes da abertura oficial e enquanto ela faz as unhas da cliente, ela começa a sentir uma angústia, uma ansiedade que permanece constante até mesmo após a conclusão das mãos da cliente. Quando ela retoma a preparação do site da loja, ela divaga, ela demora mais que o necessário, ao mesmo tempo que reafirma mentalmente que precisa terminar logo.

Numa outra ponta, dentro do ambiente hospitalar, ainda vamos conhecer o médico Kôga Yagai, um homem de 40 e tantos anos que nesse começo, se mostra um belo incômodo e até meio cretino, porém, a medida que o mangá avança nesse volume, o que vemos é que na verdade, ele tem partes bem mais profundas e com um trauma muito forte gerado por episódios de sua vida enquanto médico. São marcas muito genuínas e que a autora consegue por em cena todo o medo, o trauma, a dor, não só do Yagai, como das pessoas envolvidas. Não vou entrar em detalhes para não estragar, mas a autora traz a história de um homem envolvido em um acidente e que é salvo pela equipe médica e, no entanto, isso pode não sido a melhor opção. O sofrimento daqueles ficam, o descaso do hospital, tudo é posto na mesa de uma forma tão densa que é um absurdo de bom.

No fim das contas, se for ver bem, é um mangá sobre pessoas perdidas, que não sabem que estão perdidas e que se encontram com outras pessoas que estão na mesma forma/posição e que talvez, a partir desse encontro, consigam compreender o lugar que estão e quem sabe, encontrem um refúgio ou uma saída juntos. Isso não significa que a maneira como isso acontecerá pode ser a mais saudável, o que torna tudo mais interessante e instigante para saber como a autora irá desenvolver.

A Mari Okazaki é uma veterana da demografia feminina, tendo começado sua carreira há 30 anos e seguindo na ativa até hoje. A arte dela sempre foi um deslumbre à parte. O desenho dela colorido é um show, um trabalho impecável de utilização de cores. São cores vivas, vibrantes, que chamam atenção e ao mesmo tempo que contrastam, combinam entre si. Ela brinca muito com as cores para fazer composições incríveis. E o desenho interno dos mangás não fica nem um pouco atrás. Aqui em “&” cada página é de uma riqueza de detalhes sem tamanho, brincando com a composição para trazer movimento e não sei explicar direito, mas lendo o mangá dá sempre uma sensação meio sinestésica, que é uma delícia de ver, de ler e de acompanhar mesmo. Há desde páginas mais cotidianas que passam movimentação (como a forma que ela desenha o cabelo da Kaoru), a páginas violentas, agressivas e que ela consegue transmitir a sensação de pânico e desespero.

Acho tão triste a edição não ter páginas coloridas…

A Mari Okazaki nasceu em 15 de Junho de 1967, em Nagano. Ela se formou na Tama Art University, no Departamento de Design e especialização em Design Gráfico. Ela começou a sua carreira profissional nos mangás em 1994, publicando pela primeira vez na revista Bouquet, da editora Shueisha, com o mangá “Bathroom Fable” e ganhando um prêmio pela publicação. Em 1998, na revista Bouquet, ela publicada o volume único “Shutter Love“. No ano de 2001, ela publica a coletânea “Yawarakai Kara” (Cookie/Shueisha) e em 2002, temos a coletânea “Sex no Ato Otokonoko no Ase wa Hachimitsu Nioi ga Suru” (FEEL YOUNG/Shodensha). É em 2003 que ela começa a publicar “Suppli” na revista FEEL YOUNG e se consagrando como um de seus trabalhos mais importantes e emblemáticos (tenho muita vontade de ler esse!). A obra é completa em 11 volumes e foi publicada entre 2003 e 2009. Em 2014, ela vai para o Seinen e publica “A Un” na Gekkan! Spirits, da Shogakukan. Esse é o seu mangá mais longo até hoje, com 14 volumes, lançados entre 2014 e 2021.

“Suppli” #1 e “A Un” #1

Ainda em 2014, ela volta a FEEL YOUNG para lançar o volume único “Zutto Dokushin de Iru Tsumori?” e em 2016, ela começa uma nova série na FEEL YOUNG: “Kashimashi Meshi“, em andamento com 6 volumes. Em 2021, ela publica “Anata ni Kikasetai Uta ga Arunda“, um volume único lançado na revista Shuukan SPA!, da editora Fusosha, que é a adaptação em mangá do roteiro escrito por Moegara, para um dorama de mesmo nome. E por fim, seu outro mangá atual é “Haibaiyoushi Mizuiro“, um mangá sobre inseminação artificial que ficou em 7º lugar no ‘Kono Manga ga Sugoi! 2024’ na categoria de Mangá Masculino.

“Zutto Dokushin de Iru Tsumori?”, “Kashimashi Meshi” #1 e “Haibaiyoushi Mizuiro” #1

A Mari Okazaki, quando está na demografia feminina, frequentemente está escrevendo sobre dramas humanos, normalmente relacionados a problemas de relacionamento. Em “Suppli” temos uma mulher que termina com o namorado e fica completamente desolada, enquanto passa por outras dificuldades na vida; “Kashimashi Meshi” é sobre um grupo de amigos – bem diferentes entre si – que se reúnem para comer e enquanto comem, compartilham os problemas de suas vidas, incluindo seus amores; e em “&”, novamente temos uma protagonista que se encontra desconectada e um pouco perdida, que nunca teve relacionamentos, odeia o contato de pessoas desconhecidas e de certa forma, é empurrada para que entre em algum relacionamento. Eu gosto da recorrência desse tema porque embora semelhantes, em cada obra temos um cenário diferente e a maneira como a Mari coloca as coisas em cena é diferente, sempre explorando uma nuance diferente em cada trabalho.

– Você deve assumir a responsabilidades e me ter como esposa!

Para “& (AND)” é isso, espero que tenham gostado e ficado um pouco interessados no mangá! Abaixo eu deixo o link de um vídeo mostrando a edição francesa do mangá e em sequência, a lista de todos os mangás que já falamos nessa coluna de apresentação de mangás de demografia feminina ^^

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