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Kotomi Aoki coloca em cena o abuso sexual, assédio, bullying e problemas da adolescência...

É mês de Outubro de 2024 e para este mês, tentaremos publicar dois textos de apresentação: o 1º sendo este de “Don’t Fake your Smile”, enquanto que o 2º texto será publicado daqui alguns dias e será mais “temático” com a ocasião do Halloween.

No mês de Agosto, publicamos três textos de apresentação no mesmo mês (“Boku no Papa to Papa no Hanashi“; “Hisohiso -Silent Voice-“; e “& (AND)“), em parte como fazendo parte das comemorações dos 5 anos do blog, mas também como uma forma de compensar os meses que passamos sem publicar textos de apresentação. A medida do possível, vez ou outra deve sair 2 ou 3 textos de apresentação no mesmo mês ^^

Falando do mangá agora, “Don’t Fake your Smile” é um mangá Shoujo escrito e ilustrado pela Kotomi Aoki. A obra foi publicada no Japão entre Julho de 2017 e Setembro de 2020 na revista Cheese!, da editora Shogakukan, sob o título “Niji, Amaete yo.” (虹、甘えてよ。). A série foi concluída em um total de 9 volumes. Iremos falar mais da carreira da autora no post, mas queria colocar aqui de antemão que a soma de cópias acumuladas de todas as obras da autora ultrapassam as 25 milhões de cópias, um número muito importante e bem significativo, para uma autora com mais de 25 anos de carreira. O mangá foi lançado na França entre Março de 2020 e e Março de 2022 pela Akata e é a partir da edição francesa que falaremos do mangá.

Capa das edições de Dezembro/2017 e Janeiro/2019 da revista Cheese!

Para escrever o post, estarei tendo como base os volumes 1 a 6, mas não se preocupem, não trarei spoilers ou grandes detalhes/pormenores da história. A ideia é dar um panorama geral do que li até aqui, como forma de instigar a leitura. Antes de começar, vale o aviso: o mangá trata de abuso sexual e tem cenas bem fortes (mas não explícitas) de tentativas disso, então cuidado com a leitura.


“Don’t Fake your Smile” vai contar a história de um trio de personagens: a Niji, o Gaku e o Hiyori. Os três são amigos e fazem parte do clube de judô da escola. A Niji gosta do Gaku; o Gaku, gosta da Niji; e o Hiyori também gosta do Gaku. São três adolescentes que, por um motivo ou por outro, guardam esses sentimentos para si e vão levando suas vidas normalmente. Um dia, porém, quando a Niji estava voltando para casa, ela é atacada por um homem misterioso e sofre uma violenta tentativa de abuso sexual.

O abuso, felizmente, não dá certo e o homem consegue fugir, sem que a Niji conseguisse ver seu rosto. No dia seguinte, ela chega na escola cheia de ataduras e curativos, por conta das feridas do ataque. Ela, aquele ponto, tenta passar uma imagem de que tudo vai bem, tenta até mesmo fazer “piadas” e vender uma imagem de pessoa forte, sendo até mesmo aplaudida pela turma. No entanto, há marcas que ficam e a Niji não consegue lidar mais com o toque de outras pessoas, mesmo entre aquelas que ela conhece, especialmente se for de um homem, mudando drasticamente a maneira com a qual ela lida com os outros ao seu redor, incluindo com o Gaku, o garoto que ela gosta.

A Kotomi Aoki explora, então, as marcas que o abuso (ou a tentativa dele) deixa nas vitimas, bem como outras situações e dramas que são muito recorrentes na vida de adolescentes, como a descoberta da sexualidade e o bullying escolar. Nesse primeiro ato da história, especialmente com a Niji, a autora trabalha com 3 frentes de abordagem: a primeira dela é o descredibilizar, não acreditar ou mesmo, minimizar, a fala da Niji, o que por sua vez vai se relacionar com bullying. A autora traz aqui a escola como sendo um espaço que por vezes, é muito ameaçador para uma minoria, então embora nesse começo as pessoas entorno da Niji acreditem e confiem na sua fala, não demora muito para ver professores, alunos e alunAs descredibilizando a personagem. Tem uma cena com garotos de outras turmas tirando sarro da agressão que a Niji sofreu.

A outra abordagem da autora é justamente quanto às marcas e o que essas marcas fizeram (ou melhor, forçaram) a Niji a mudar. Não só no relacionamento que ela tem com os amigos, mas com tudo. Por exemplo, andar no trem para ela se mostrou como um verdadeiro martírio, isso porque são trens muito lotados, um espaço fechado (o que dá uma certa sensação claustrofóbica), com várias pessoas encostando nela e que tem uma chance de assédio muito grande. E sem esquecer que aproximações de pessoas (seja quem for) que ela não percebe, principalmente pelas costas, são aterrorizantes e logo remetem à tentativa de abuso, porque quem a atacou, o fez pelas suas costas. Vale dizer que essas cenas não contém abuso explícito, em partes por o cara não ter chego no ato em si, mas também por uma questão de que o ato não é o importante para a autora mostrar, mas são cenas de muita violência, no sentido de que a Niji luta e são momentos que causam muitíssimo mal-estar, é muito pesado. Quando li o volume 1 e chegou nessa parte, que vem meio “de repente”, eu precisei dar uma pausa na leitura e ir ler algo mais leve.

E por fim, a outra linha que a autora trabalha é quanto ao abusador. Quando falamos de abusadores, é sempre muito importante lembrar ou pensar que normalmente (no Brasil, mas creio que seja uma tendência à nível mundial) o abusador é um conhecido, é uma “pessoa comum” que está no nosso cotidiano e a Kotomi Aoki faz isso em “Don’t Fake your Smile”. Não irei contar quem é a pessoa, porque é um personagem muito importante, mas ele está sempre à espreita e é um personagem TÃO incômodo, propositalmente incômodo, porque ele está frequentemente em cena e a certa altura, fazendo uma tortura psicológica, chega a ser um pouco assustador.

Tem duas pilares centrais nessa história quando tratamos de personagens: a Niji pelo abuso que sofreu e como ela vai lidar com os sentimentos que tem pelo Gaku dali em diante; e o Hiyori, que é de quem falaremos agora. O grande drama do Hiyori está na sua sexualidade, ele é um homem gay, adolescente e que gosta do melhor amigo (hétero) e sofre todo dia pela impossibilidade de ter um relacionamento com essa pessoa. De certa forma e a certa altura do mangá, o Hiyori até sente um pouco de raiva (o que podemos ler como certa inveja) da Niji, porque para ela, é tudo mais fácil (nesse campo), porque ele sabe que os dois se gostam e não há nenhum impeditivo real que impeça os dois.

A medida que a história avança, o Hiyori vai vendo o Gaku e a Niji caminharem, enquanto ele fica para trás. E tudo isso vai formando um emaranhado, uma bola de neve enorme, da qual ele definitivamente não consegue lidar, lhe restando entrar em um “relacionamento” que por si só, já é tóxico pela maneira como se inicia, mas também é moral e eticamente errado, e com um agravante pela pessoa desse relacionamento ser… complicada, para dizer o mínimo. É nesse “relacionamento” que ele vai ter experiências das quais ele nunca pôde ter, mas também é nele que ele vai ficando mais e mais isolado, porque ele vai se ligando a essa pessoa (de uma forma até um tanto consciente), ao mesmo tempo que a outra parte sabe que ele ‘não tem mais ninguém para contar’ e se aproveita disso.

– Este não seria… seu primeiro beijo, por acaso?

O Gaku é o grande recurso de roteiro da autora para fazer a história andar. Ele funciona como uma peteca que fica sendo atirada de um lado para o outro. Ele é até bem resolvido consigo mesmo, mas claro, tem seus próprios pré-conceitos e faz merda, como qualquer outra pessoa, e tenta refazer as coisas de uma forma direita, sem que machuque quem ele mais se importa (e aqui, vale tanto para a Niji, como para o Hiyori).

Tem outros pormenores muito legais e que não vou comentar aqui, porque acho mais interessante de serem descobertos durante a leitura propriamente. É um mangá com uma leitura muito fluida, é um dos mangás em francês que mais consigo ler tranquilamente e que leio até bem rápido! Eu já li 2/3 da obra e o último terço, pelo que parece, terá maior enfoque no Hiyori, então estou bem interessado para onde a autora irá caminhar e o que ela tem mais para contar nessa parte final do mangá ^^

Falando um pouco da autora… a Kotomi Aoki está produzindo para a demografia feminina já tem quase 30 anos. Ela começou sua carreira em 1998 com o mangá “99 no NA-MI-DA“, publicado na revista Sho-Comi (Shogakukan) e em 1999, ela publica o volume único “Taiyou ga Ippai“, lançado nas revistas Sho-ComiX e Sho-Comi e que inclui “99 no NA-MI-DA”. Entre os anos 2000 e 2005, ela publicou muitos volumes únicos e séries curtas de 2 volumes como “Jesus!“, “Aishikata mo Wakarazuni” e “Koisuru Heart ga No to Iu” (todos publicados pela Shogakukan).

Entre Dezembro de 2002 e Junho de 2005, ela publica sua primeira série longa: “Boku wa Imouto ni Koi o Suru“, lançada na revista Sho-Comi, completa em 10 volumes e que até recebeu adaptação em anime (em formato de OVA). Em 2005 ela lança “Boku no Hatsukoi o Kimi ni Sasagu“, uma side story de “Boku wa Imouto”, completo em 12 volumes (em 2019 ganhou uma reedição em 5 volumes). A obra venceu o 53º Shogakukan Manga Award na categoria de Mangá Shoujo. É em 2009 ela começa “Kanojo wa Uso o Aishisugiteru“, que possivelmente é sua obra mais famosa, importante e emblemática. O mangá foi publicado até Fevereiro de 2017 na revista Cheese! (Shogakukan), sendo concluído em 22 volumes, sendo sua obra mais longa até hoje. Por fim, em Julho de 2017, ela publica “Niji, Amaete yo.“, na revista Cheese!, concluindo o mangá em Setembro de 2020, com um total de 9 volumes. Neste ano, ela começou uma nova publicação na revista Cheese!, o mangá é chamado “Boku no Ato” e comentamos a notícia no blog. Basicamente, esse novo mangá é sobre uma garota que faz parte do conselho estudantil e é a garota “certinha” e um garoto que é mulherengo e, no entanto, um dia, ele vê uma marca de chupão no pescoço dela…

Na ordem: “Taiyou ga Ippai”, “Boku wa Imouto ni Koi o Suru”, “Boku no Hatsukoi o Kimi ni Sasagu”, “Kanojo wa Uso o Aishisugiteru” e “Niji, Amaete yo.”
Página colorida na estreia de “Boku no Ato”

“Don’t Fake your Smile” é daqueles dramas dos bons! Uma leitura excelente, fluida, com dramas e personagens ótimos. Gostei muito do que li até agora e estou bem animado para os últimos três volumes. Fica a recomendação! ^^

Como de costume, abaixo temos o vídeo mostrando o primeiro volume da edição francesa e logo em seguida, a lista com todas as obras que já comentamos nos nossos textos de apresentação 🙂

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