Viva à família na sua mais plena diversidade!

Olá pessoal, voltamos para mais um texto de apresentação aqui no blog. Para quem não sabe, daqui pouco mais de um mês, fará três anos desde que começou a publicar uma série de textos apresentando mangás de demografia feminina que, na nossa concepção, merecem atenção e destaque, como uma forma de instigar a leitura do público e servir de incentivo para que essas obras fossem pedidas para as editoras brasileiras – embora eu quase não compre mangás lançados aqui por uma série de questões, ainda acho muito importante que o público brasileiro possa ter acesso a essas obras, porque é o defendemos essencialmente. A ideia dessa coluna era ter um post todo mês, o que eu não consegui manter e hoje em dia, temos metade dos textos que deveríamos ter se tivesse conseguido manter mensal (são 18 lançados e com esse, 19), porém, ainda assim, tenho orgulho da seleção de obras que fizemos.

O mês de Agosto é o mês que o blog faz aniversário (dia 14) e neste ano, serão 5 anos de existência, então desde 1º de Agosto, estamos lançando uma resenha de mangá ao dia e entre esses textos, teremos posts de apresentação também! Não consegui publicar o post de apresentação de Julho, mas em compensação, neste mês serão 3 posts, sendo o primeiro deles “L’histoire de papa, papa et moi”!

“Hiro Miura (criança)
Um novo ser humano acaba de ver a luz do dia.
Nao Miura, o pai de Hiro.
E eu, Ai Odawara… o segundo pai de Hiro.
Nós três, agora somos uma família”

“L’histoire de papa, papa et moi” (A história de papai, papai e eu) foi publicado no Japão sob o título de “Boku no Papa to Papa no Hanashi” (ぼくのパパとパパの話). A obra é escrita e ilustrada por roji, tendo sido publicada entre Junho e Dezembro de 2022 na revista Byou de Waraku BL, da editora Libre e foi concluído inicialmente como volume único (este tendo sido lançado em 1º de Janeiro de 2023), porém, no final de Janeiro de 2023, a autora anunciou a continuação da obra. O volume #2, por sua vez, saiu agora em 1º de Agosto e ainda não se descarta a possibilidade de outro volume. O mangá rapidamente começou a ser licenciado por vários países: na Espanha (Papá, papá y yo – Nuestra histoira), saiu em Novembro/2023 pela Panini; na Polônia, em Março/2024 pela DANGO (Tatusiowie i ja); e na França, o mangá foi anunciado pela Taifu Comics em Junho e o lançamento ocorreu em 12 de Julho.

Para falar do mangá, estarei utilizando a edição francesa de base. E não se preocupem, não haverá spoilers da história ^^


Em “L’histoire de papa, papa et moi” temos um Japão em que o casamento igualitário foi aprovado e o casamento entre pessoas do mesmo sexo foi permitido. Na história, iremos acompanhar a vida do Nao e do Ai, que são casados e juntos, adotaram um bebê, o Hiro. Acompanhamos aqui, o casal cuidando do filho, enfrentando as dificuldades da paternidade e lidando com seus próprios dramas e problemas.

“Ele era nosso filho, contra todas as probabilidades.”

“L’histoire de papa, papa et moi” está muito mais próximo de algo que há muito tempo busco em um BL e que foi até algo que comentei na resenha de “O Sétimo Ano do Amor Puro” que será lançada daqui uns dias: um BL sem dramas ou conflitos. A obra tem um ponto de divergência entre os personagens mais para o final do volume, mas durante grande parte do volume 1, é um grande slice de um casal aprendendo e tentando lidar com a paternidade, especialmente nos primeiros meses de vida do Hiro, em que eles precisam aprender o que significa cada choro do bebê. E embora ele não chegue no ponto que eu mais queria (uma obra completamente soft, com um casal já formado e sem pontos de discussão), o ponto dramático é muito palpável, por algo muito bem estabelecido ao longo do volume e que quando cheg no ponto culminante, como posso dizer, me soou como um drama humano tão bem estruturado que chega ao ponto de soar estranho se ficasse por aquilo mesmo. Era algo necessário e essencial para a trama e para os personagens.

A obra durante os capítulos tem uma coisa que gostei bastante que é o fato dela transitar entre presente e passado, para que conheçamos melhor os personagens. Como o casal já está formado, a autora se utiliza de ganchos aqui e ali para puxar algum momento da vida passada dos personagens, conhecemos desde a infância do Nao e do Ai, até o momento que eles se conhecem na faculdade e quando começam o seu relacionamento. Tudo isso enquanto vemos o crescimento do Hiro no passar dos capítulos.

“E no colégio, nada mudou, muito pelo contrário”
– Mamãe, adivinha! Eu acho que gosto de garotos
– Ah, mesmo. Eu imaginava
– Eu também. Os garotos da minha classe estavam super surpresos.
– Você disse para todo mundo?
– Por que a mamãe desapareceu de um dia para o outro?
– Ela não queria mais… levar uma vida de mãe, simplesmente.
– É porque ela me detesta?
– Não realmente. Ela queria seguir outro caminho. Ela é mais feliz assim

O Ai desde muito criança sempre foi muito aberto com tudo e todos, de uma forma meio estabanada, mas com uma inocência e até certa ingenuidade. Quando ele chegou na adolescência, ele casualmente chegou para mãe e diz “Ah, acho que gosto de garotos :)”, adoro essa cena, porque tem um toque de humor pela forma como ele diz casualmente, mas também pela maneira que a autora traz um tom de normalidade com a qual os pais enxergam o filho, é uma sensação boa de conforto e de desejo de que fosse visto assim na realidade (não que não tenham casos em que seja dessa forma, mas sabemos como é na maioria das vezes). A autora até comenta no posfácio do volume que gostaria de expressar pelo mangá essa visão de normalidade, porque é assim que é aos olhos dela, são apenas pessoas vivendo, se divertindo e nesse caso, constituindo família, sem causar mal a ninguém.

Já o Nao, por sua vez, é um personagem com um dilema familiar muito mais intenso. A autora não trabalha exatamente com homofobia no mangá, mas o que ela mostra para o personagem é uma família disfuncional. O Nao viveu e cresceu apenas com o pai dele, porque a sua mãe saiu de casa e foi viver outra vida. Ela não conseguia lidar com aquela realidade e foi embora. O que gosto aqui é que a autora dá um tom muito condescendente com a mãe, porque não há um julgamento pelo que ela fez. O pai do Nao até comenta que não pode julgar ela e acha que pode ter sido o melhor para ela e, no entanto, não deixa de comentar que para o Nao, aquilo não será fácil, como não foi. O Nao passa a remoer esse sentimento de abandono durante a infância e adolescência, e continua a ressoar até na vida adulta, na maneira como ele tende a enxergar o conceito de família e a cobrar muito de si mesmo, para com a sua. Além disso, quando ele estava na faculdade – um pouco antes de conhecer o Ai – ele perdeu o pai dele, ficando sozinho. Tem um lado de desamparo e de solidão que aos poucos, vai sendo preenchido pelo Ai conforme os dois vão se conhecendo, o que é muito bonito de se ver.

– Papai… por que a mamãe nos abandonou?
– Eh, bem… sua mãe tentou se encaixar no molde, mas sem sucesso.
– O que isso quer dizer, afinal?
– Ah se eu soubesse…
– Você não sente saudade?
– Sim, mas eu não suportava mais a ver sofrendo. É melhor assim. Não deve ser fácil para você, no entanto.
“Eu sinto muito”

Essa pressão que o Nao coloca sobre si vai aumentando, aumentando, aumentando, até o momento em que isso vêm a tona e não há como voltar atrás, resultando na parte mais dramática que mencionei. Gosto muito de tramas em que o casal conversa para resolver seus problemas e aqui, sendo eles adultos e com um filho, a autora consegue passar um ar de pessoas maduras – ainda que jovens – para os personagens, tornando tudo muito crível aos meus olhos. Brigas são normais e esperadas, afinal, as pessoas são diferentes e não concordam com absolutamente tudo e a maneira com a qual falamos com os outros, a escolha das palavras, pode machucar, mesmo que sem intenção. Eles entendem, esperam, esfriam a cabeça e tentam novamente.

A autora consegue contar essas duas histórias (passado e presente) em paralelo de uma maneira tão boa. Ela executa isso com maestria e tem tanto o lado de interessante, por esses pequenos aspectos sociais, como o lado de conforto pela relação do casal com o filho. O crescimento do Hiro passa rapidamente ao longo do volume, tendo alguns saltos de meses e, as vezes, até de anos, porém, são ‘flashs’ tão gostosos que mesmo sendo apenas um recorte muito específico da vida dos três – porque não dura muito cada momento/capítulo – dá uma impressão de intimidade que é uma maravilha de acompanhar. Fiquei muito feliz com o anúncio da continuação da obra e espero muito que o volume 2 seja lançado ainda neste ano na França (no mais tardar, começo do ano que vem) e torço para que, quem sabe, não haja um 3º volume ^^


Falando um pouquinho sobre a autora, a roji é uma mangaka relativamente nova. Seu primeiro mangá profissional foi lançado em Junho de 2022, sendo justamente “L’histoire de papa, papa et moi“, sendo publicado sob o título “Boku no Papa to Papa no Hanashi” na revista Byou de Waraku BL (Libre). No mês seguinte, em Julho de 2022, na (falecida) revista NUUDE, da editora Tokyo Mangasha, ela lança “Michizure Encore“. O mangá teve apenas 1 capítulo publicado, isso porque pouco tempo depois, a revista foi encerrada. Não se sabe exatamente o destino que o mangá terá, pode ser que daqui uns anos ele reaparece em outra revista. Em Novembro de 2022, ela estreia “Shinyuu no ‘Dousei Shite’ ni ‘Un’ te Iu Made“, um volume único publicado na revista BE x BOY (Libre) e por fim, seu último mangá compilado é “Ao to Midori“, publicado entre Abril e Agosto de 2023 na revista Canna, da editora Printemps Shuppan. Há alguns meses, ela começou um novo mangá na Canna intitulado “Nanisore ai ka yo” (algo como “O que é o amor?”), além de uma continuação para “Ao to Midori”, mas ainda não há previsão para o lançamento do volume impresso de ambos.

Algo que dá para ver bem forte nas obras da autora é o gosto por tramas bem cotidianas, com um apelo muito forte pela ‘banalidade’ dele e tramas mais leves e divertidas ^^. Creio que ela ainda vá muito longe e seu primeiro mangá já é um grande sucesso, já tendo sido licenciado em alguns países e algumas das outras obras da autora também já estão sendo licenciadas, “Ao to Midori”, por exemplo, saiu na Polônia pela DANGO em Fevereiro desse ano com o título “Ao i Midori“.


É isso pessoal, fica aqui a minha enorme recomendação ao mangá. Ele é sem dúvidas uma das obras mais adoráveis que li nos últimos anos e uma das mais redondinhas também. Deixo abaixo o vídeo mostrando a edição francesa em detalhes e na sequência, a lista com os demais posts de apresentação que fizemos no blog ^^

“Seu querido e amado Hiro está aqui. Eu, Hiro, o primeiro e único!”

2 thoughts on “Conheça “L’histoire de papa, papa et moi” (Boku no Papa to Papa no Hanashi)

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