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Ficção científica com crítica social!

É Março de 2025 e agora dia 8, é Dia Internacional das Mulheres. Em alguns anos, nas redes sociais do blog, nós aproveitamos essa ocasião para comentar algumas obras e autoras que achamos que merecem (mais) destaque e no blog propriamente, tentamos aproveitar o mês para evocar alguma obra com algum assunto pertinente entorno da figura da mulher na sociedade. Neste mês, eu tentarei trabalhar essa ideia em duas frentes, com duas obras distintas. Não sei se irei conseguir, mas em todo caso, o 1º texto (este) será lançado no começo de Março e o 2º, se tudo for bem, no fim do mês ^^

Começando por “Gene Bride” (ジーンブライド), o mangá foi escrito e ilustrado por Hitomi Takano. A obra foi pré-publicada no Japão na revista FEEL YOUNG (Shodensha) entre Junho de 2021 e Agosto de 2024, sendo concluído em 4 volumes (o último, lançado em Janeiro de 2025). O mangá ganhou o Grande Prêmio do Bros Comic Awards 2022.

Capas das edições de Julho de 2021 (quando o mangá estreou) e Junho de 2023 da FEEL YOUNG

Na França, o mangá foi anunciado em 6 de Junho de 2023 pela Glénat, em uma iniciativa da Glénat em aumentar (um pouco) a quantia de mangás de demografia feminina no seu catálogo. A obra começou a ser publicada por lá em Outubro do mesmo e conta com 3 dos 4 volumes lançados. O 4º ainda não tem previsão de lançamento. Falarei do mangá no blog com base no volume 1 da edição francesa ^^


“Gene Bride” conta a história da Ichi Isahaya, uma mulher de 30 anos que trabalha na Echo Inside, uma empresa de jornalismo em que ela faz entrevistas com estrelas do mundo do entretenimento. Em um desses dias de trabalho, ela acaba encontrando com o Makuhito Masaki, que diz ser um de seus antigos colegas de escola – do qual ela não se lembra – e que afirma ser o “homem da vida dela”, relembrando o projeto “Gene Bride” feito na escola, que buscava encontrar ‘parceiros ideais’ com base nas características de cada um dos alunos. Fato é que a abordagem do homem causa muito estranhamento na Ichi, que prontamente o rejeita. Porém, por um motivo ou por outro, a Ichi se verá meio que ‘obrigada a contar com a figura do Makuhito por perto e, a partir disso, nos envolvemos mais com o passado desses personagens e pendências das quais a Ichi é assombrada de seus tempos na escola…

– Senhor Kaibara, passamos agora para “Eurêka!”, seu último filme. A cena onde os dois atores fogem é muito emocionante…
– Me diga… eles te contrataram recentemente?
– Desculpe? Eh, não… faz um tempo que eu trabalho com eles…
– Ah, sim? Bem… é a primeira vez que eu encontro uma moça tão bonita aqui…
– Eh… e se nós voltássemos onde estávamos? A cena onde os dois atores correm ao longo da piscina… lembra o filme “O Berço da Primavera”…

A primeira página do mangá (acima) é um diálogo com a Ichi fazendo uma entrevista com um diretor de cinema e na qual, ela faz uma pergunta sobre o filme, no que o diretor desvia o assunto para perguntar se haviam contratado a Ichi há pouco tempo, pois ele nunca tinha visto uma garota tão bonita naquela agência. Ali já deu para entender que eu estava diante de uma obra-prima!

O primeiro capítulo em especial, ilustra muito bem a vibe da obra ao longo de todo o volume. A Hitomi Takano ilustra muito bem o dia a dia de uma mulher na sociedade: depois da página de abertura, ela mostra a Ichi caminhando e no trajeto, ela encontra um homem num parque se masturbando livremente, a céu aberto, vendo as moças que passavam pela região e, mesmo com as denúncias feitas à polícia, o homem continua lá. Em outro dia de trabalho, ao se encontrar com o diretor de cinema (o mesmo da 1ª página) para trabalho, a primeira coisa que ele diz que as roupas dela no outro dia eram muito femininas – nesta nova ocasião, ela estava com roupas mais neutras, fechadas e de cor escura/preta. Nesse mesmo dia, o Makuhito estava presente e ele comenta sobre o filme do diretor, mencionando a mesma cena que a Ichi tinha comentado e que ele não havia dado importância, pois estava mais focado em falar da aparência dela, a reação do diretor foi de extrema felicidade e entusiasmo, mencionando até que normalmente ninguém percebia aquela cena específica e as inspirações por de trás dela. E ali, fica muito clara a ideia de homens só reconhecerem como iguais, a figura de outros homens, de só prestarem atenção no que outros homens dizem. E como a Ichi brilhantemente pontua: “Por que sua única lembrança de mim se limita à minha saia?”.

[tradução dos dois últimos quadros]
E o momento onde os dois atores correm ao longo da piscina, a câmera e as cores brilhantes… você faz diversas referências a “Berço da Primavera”… eu sinto um grande respeito por esse grande clássico.
– Ah simmm? Você me deixa realmente contente! Obrigado!
– Eh bem! Você me impressionou! Em geral, as pessoas não percebem a referência a este filme!
* A cena onde os dois atores correm ao longo da piscina, me lembra o filme “O Berço da Primavera”… *
– Como você fez para entender? Esse filme nem mesmo saiu em DVD!
* Oh! Senhor cineasta… que lindo sorriso! Por que eu não consegui… iluminar sua feição dessa forma?! *
* Por que sua única lembrança de mim… se limita à minha saia? *

E falando no Makuhito, eu acho ele um personagem fascinante. Ele tem uma série de “tiques” e TOCs, sendo extremamente metódico e odiando tudo que não saia como ele planejou previamente. Ele é extremamente direto, no sentido de falar o que pensa, sem pensar muito no que os outros podem achar, ao mesmo tempo que não consegue ser nem um pouco sucinto na sua abordagem. Ele é MUITO prolixo, como dá para ver em uma das páginas que coloquei acima.

Mas o que me fascina mesmo é ele tem uma total falta de tato no que tange os perigos que envolve ser mulher. Tem uma cena em que o Makuhito se pergunta uma série de coisas que ele não consegue entender, como a Ichi querer usar um anel de compromisso mesmo não tendo nenhum namorado/marido (assim, ela pareceria comprometida e os homens não a importunariam) ou sobre como os movimentos da Ichi precisam levar em consideração os homens ao redor dela, porque um descuido da parte dela, pode resultar na sua morte (e na de qualquer outra mulher, por serem mulheres). E ele precisa raciocinar, pensar e até pesquisar na internet para começar a entender essas questões. Eu acho muito interessante a figura dele nesse quesito, porque o Makuhito está ali meio que para ilustrar (como se desenhasse mesmo) para os homens, as dificuldades em ser mulher, mostrando o personagem como uma representação da embelecida dos homens.

– Então, desta vez você prefere ir sozinha?
– Se você me seguir, eu te bato.
– No entanto, foi você que me pediu para te acompanhar em um trabalho.
– Eu vou quebrar seus joelhos.
– Eu tenho a impressão de que você não quer responder minhas perguntas.
– Agora que você tem mais de uma hora livre, porque você não se dedica a trabalhar neste assunto?
– Não. Isso não me interessa mais.
– Faça como for bom para você.
– Eu vou usar esse tempo para refletir a maneira como vou arrumar minha sacada. Estou ocupado o suficiente com meus próprios negócios.
– Que bom para você. Vocês podem se preocupar unicamente com seus pequenos negócios. Enquanto nós, nós somos obrigadas a integrar vocês em todos os nossos cálculos… senão, corremos risco de morrer.

E mesmo assim, tem um Q nele que é realmente fascinante. É um misto pela ingenuidade (eu brinco que o cérebro do Makuhito é liso como um peito de frango) e esse jeitão excêntrico dele, dão uma graça toda nele, que torna a obra mais interessante de acompanhar. Ele compõe muito do humor da obra e a autora sabe usá-lo de forma muito interessante. E eu gosto que a Hitomi Takano, ao longo de todo o primeiro tomo, dá um toque tragicômico em algumas dessas situações que a protagonista vivencia. Ela dá a seriedade necessária nos momentos em que isso é exigido, mas também trabalha com esse humor um pouco sarcástico em outros vários momentos, enquanto desenha a vida da personagem feminina para os leitores.

– Que gentileza…

O mangá não é só comédia e nem só composto por crítica ao machismo e a misoginia encrustada na sociedade patriarcal. Tem uma história de mistério correndo por de trás de tudo que envolve o título do mangá: o ‘Gene Bride’, o tal arranjo feito na época de escola que visava encontrar “pares ideais” para os alunos com base em uma suposta “compatibilidade genética”. Além disso, ainda tem alguma relação envolvendo uma antiga amiga de escola da Ichi que corre por de trás, pois é algo que assombra a Ichi de alguma forma, por algo que ela não fez, não pôde fazer ou não teve coragem o suficiente para fazer, especialmente por algum problema que houve na escola durante o período que ela estudava lá.

“Gene Bride” é classificado como uma ficção científica e durante toda a leitura do volume, eu fiquei me perguntando o porquê disso, até vir a última página do volume #1. Ali a obra mostrou totalmente a que veio e será a partir daquele ponto que veremos realmente do que se trata “Gene Bride” (tanto a obra em si, como o projeto feito nessa escola) e os desdobramentos envolvendo o passado da protagonista.

Nesse caso, eu gostaria de ter lido um pouco mais da obra (pelo menos mais um volume) para poder fazer um texto mais robusto. No entanto, só pude comprar 1 volume (meu plano era ter a série inteira e ia continuar, mas fui demitido e estou sem trabalho no momento…) e só foi possível ir até aqui. No entanto, do que acompanhei de comentários sobre a obra na França, o mangá continua extremamente interessante e dado tudo que a autora conseguiu proporcionar ao longo do volume + o gancho espetacular, não tenho dúvidas de que esse é um trabalho que merece muita atenção!


Falando um pouco da carreira da autora, a Hitomi Takano debuta soa carreira em meados da década passada. A maioria das suas obras são datadas de tem começado em 2015 e nesse primeiro momento, ela já teve um contato forte com a Shodensha, pois começou a publicar “Tsuranaru Stella” na onBLUE (revista BL) e que foi compilado como volume único em 2017 (uma coletânea de histórias). Ainda em 2015, ela começa “ ‘Su’ no Tsuku Kotoba de Itte Kure” na revista BE x BOY da editora Libre Shuppan e que em 2016, foi compilado como volume único. E no final de 2015, ela começa a publicar “Watashi no Shounen“, o trabalho mais famoso da autora – embora ainda pouco comentado no Ocidente – que foi publicado entre 2015 e 2020 passando por duas revistas e de duas editoras diferentes: entre 2015 e 2018, o mangá foi publicado na Gekkan Action, da editora Futabasha, depois a obra mudou de revista e editora, passando para a Young Magazine (Kodansha). Watashi no Shounen” é, inclusive, seu único trabalho em revista de demografia masculina. A obra foi completa em 2020 com 9 volumes e rendeu muito destaque para a autora no Japão, pois foi nomeado para o 10º Manga Taisho Award de 2017, no mesmo ano o mangá foi rankeado em 3º lugar no ‘Tsugi ni Kuru Manga Awards’ e em 2º no ‘Kono Manga ga Sugoi! 2017’ na repartição de mangá masculino. Em 2018, com apenas 5 volumes, ainda, foi relatado que a obra tinha mais de 1.1 milhão de cópias em circulação no Japão.

Em 2016, a Hitomi participou do segundo volume de “Mangaka Gohan Nisshi“, um projeto da FEEL YOUNG em 2 volumes que reuniu diversas autoras muito emblemáticas da FEEL YOUNG e da onBLUE que gira entorno de culinária! E por fim, em 2021, ela volta à FEEL YOUNG para publicar “Gene Bride”. No momento, a autora não está publicando nenhuma outra obra.

Capas de, respectivamente, “Tsuranaru Stella“, ” ‘Su’ no Tsuku Kotoba de Itte Kure“, “Mangaka Gohan Nisshi” #2 e volumes #1 e #9 (último) “Watashi no Shounen

A Hitomi Takano sempre teve um estilo artístico muito chamativo e ao longo dos anos, ela desenvolveu o senso estético dela brilhantemente! “Gene Bride” tem ilustrações absolutamente lindas, sejam nas capas, como nas ilustrações que ela fez para a FEEL YOUNG ao longo dos anos que a obra ficou em publicação. Além disso, ela faz composições e sequências de páginas ótimas, com um desenho muito detalhado e polido. É muito lindo de se ver!


“Gene Bride”, por sair em uma revista da qual eu tenho plena confiança na qualidade das obras que são publicadas, eu sabia que eu iria gostar e que se tratava de uma obra com muita qualidade. As críticas muito positivas para a obra fazem muito jus ao que vi no mangá e é um trabalho para se ler, realmente. Com um ótimo humor, que aborda misoginia e a violência contra a mulher, além de dramas humanos e sem esquecer da parte de ficção científica. Um prato cheio para se deliciar!

Por esse texto, é só! Deixo o vídeo mostrando a edição francesa e em sequência, a lista com todas as obras que já escrevi recomendando aqui no blog nesse de apresentação! Se tudo der certo, nos encontramos no fim do mês para falar de um outro mangá de demografia feminina e de uma autora indispensável no cenário atual! ^^

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