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Um doce de história

Youko Fujitani é uma autora que gosto bastante. Meu primeiro contato com a autora foi com “O Sétimo Ano do Amor Puro”, BL que foi lançado no Brasil há alguns anos atrás e que eu achei uma graça (não sei a ordem que esses posts serão publicados, mas a resenha foi ou será publicada em alguns dias). Agora, eu volto a ter contato com uma de suas principais obras e ela é ninguém menos que “Whispering – Les voix du silence -“, um Josei de 6 volumes que foi publicado na França entre Maio de 2018 e Julho de 2019 pela Akata. Aproveito a ocasião do aniversário de 5 anos do blog para comentar um pouco do mangá na nossa ‘coluna’ de posts de apresentação de mangás de demografia feminina ^^

“Whispering – Les voix du silence -” foi publicado no Japão sob o título “Hisohiso -Silent Voice-“. A obra estreou em Setembro de 2018 na revista Sylph, da editora ASCII Media Works e posteriormente, foi movida para a Comic it da mesma editora. “Whispering”, inclusive, foi movido para a Comic it logo no início da criação da revista, estando lá quase que desde o nascimento dela em Fevereiro de 2015 (como curiosidade, o foco da revista são mulheres adultas com a idade de tocar mulheres que “gostariam de ler coisas novas, não apenas histórias de amor!”). O mangá foi publicado na revista até ser concluído em Março de 2016, rendendo 6 volumes no total.

Para falar do mangá, estarei utilizando o 1º volume da edição francesa ^^


“Whispering” fala sobre Kôji, um estudante de ensino médio que leva sua vida de forma bem ordinária. Acorda, vai para a escola, tem alguns amigos, incomoda uma garota com suas investidas românticas… Tudo normal. Um dia, ele e seus amigos encontram uma criança – chamada Daichi – que está deitada numa praça completamente envolta de animais. Essa criança um pouco misteriosa diz coisas que tocam o Kôji de uma forma diferente e após o maior contato entre eles, o Kôji percebe que essa criança tem o dom de ouvir o pensamento das coisas, sejam animais, plantas ou mesmo objetos. E isso o toca pois quando ele era criança, ele também era capaz de ouvir esses pensamentos, o que acaba criando uma conexão entre eles – mesmo que com a relutância do Kôji, a princípio.

– Bom, pare de tirar sarro de mim?!
– Oh… desculpa ter te acordado! Você pode nos devolver a bola?
– Parem de colocar suas unhas nela… parece que isso a faz mal

A Youko Fujitani, pelo que percebo, tem uma tendência a abordar em suas obras as vidas comuns das pessoas. O cotidiano, os relacionamentos e a vida. Aqui, embora com um toque de fantasia – o que traz um gosto bem especial – ela remonta isso e de uma maneira ainda mais doce. A obra é uma delícia de leitura. Eu escrevo esse post bem no comecinho de Julho de 2024 e eu li o 1º volume no final de Junho e ele é uma daquelas leituras que passam tranquilamente, com um texto muito ágil e fluido.

Mas voltando a história, o Kôji não tem e não teve uma boa relação com esses poderes, crescendo um tanto traumatizado por seus pais – especialmente sua mãe – achar bizarro ele conversar com objetos e ter até um certo medo do próprio filho por isso. Por isso, ele cresceu um pouco desconectado de tudo e de todos, ele veste uma máscara que não é exatamente ele, quero dizer, não é que ele finja ser o que não é, é mais como se os dias, os amigos ou mesmo as investidas dele na garota que ele (em tese) gosta fossem para mascarar esse trauma e de fato, esquecer tudo o que aconteceu na infância. O encontro dele com o Daichi logo de cara desperta memórias que ele não queria lembrar, justamente lembranças da infância e embora ele tente fingir que não notou, que não é com ele, ele no entanto, não consegue se manter indiferente ao garoto, sempre retomando o local onde se viram da primeira vez, para observá-lo e ver onde isso irá levá-lo.

– Pare! Isso me dá nojo!

Essa interação inicial, embora um pouco ríspida, começa a mudar rapidamente e de uma maneira muito natural. O Daichi é uma criança fechada, mas que muda muito de figura quando conhece e simpatiza com alguém, então não demora muito para que ele veja o Kôji como uma figura especial para ele, especialmente pelo fato do Kôji ser como o Daichi e de certa forma, orientar e compartilhar experiências. Como o Daichi é uma criança, a forma com a qual ele enxerga o mundo é muito diferente do Kôji, em particular porque ao contrário dele, o Daichi tem pais que não ‘demonizam’ o próprio filho e muito embora, mais para frente, vejamos que a mãe ache, sim, preocupante essa relação do filho com os objetos, plantas e animais, ela não demonstra isso efetivamente para o filho, o que faz com que essas preocupações não impactem diretamente na forma com que ele interage com as coisas e nem o deixe traumatizado por essa fase.

Algo que aprecio muito no mangá é a introspecção de personagem que a autora faz no Kôji. Monólogos internos são bem comuns e recorrentes na demografia feminina e podem servir como um fio condutor da narrativa para dar pistas e/ou instigar o leitor a querer saber mais sobre o que se passa com os personagens e aqui, a Youko faz o uso disso de maneira sublime. O Kôji constante está refletindo sobre o Daichi e o que acontece ao seu redor. Ele é uma pessoa desconectada do resto e que conforme vai conhecendo aquela criança consegue, pela primeira vez em muito tempo, estabelecer uma conexão com seu entorno, seja com a criança, com a mãe do Daichi ou mesmo com seus amigos da escola.

– … Você tem… o mesmo poder que eu…

Essa relação entre os dois, que tem uma grande diferença de idade, acaba sendo muito interessante pelo campo de que o Kôji começa vendo o Daichi como alguém que é só mais uma criança e no entanto, o que vemos é que há uma troca de vivências entre os dois. Aquilo de que um tem algo a ensinar para o outro. Direta ou indiretamente, eles fazem isso e vão melhorando como pessoas, principalmente o Kôji nesse contexto, que começa a ver o mundo ao seu redor com outros olhos e a refletir sobre como ele teria sido se seus pais não tivessem o tratado como ‘uma coisa’ na infância e talvez, apesar da particularidade, ele tivesse sido uma criança mais feliz, no fim das contas. Creio que até dê para estabelecer uma relação em como o ser humano tende a ver o que é diferente da norma (do que se estabelece como “comum” ou “maioria”, e, consequentemente, “normal”) como esquisito, ruim ou mesmo como algo que deve ser exterminado.

Enfim, é uma história que apesar do toque fantástico da trama, trata muito de dramas humanos, como abandono familiar, o se sentir perdido e desconectado do resto, a falta de propósito de ser e estar… Os monólogos dos personagens e a própria ideia de ‘ouvir o pensamento das coisas’ sempre remontam uma ideia muito bacana de observar as coisas por uma outra perspectiva, mas também de parar e ouvir o que o(s) outro(s) tem a dizer. Tudo envolto de um clima muito tranquilo e gostoso de acompanhar. A capacidade da autora de trazer uma sensação relaxante ao ler é impressionante.

Nós já falamos da carreira da autora no post de “O Sétimo Ano do Amor Puro” (será lançado amanhã, 15/08), então os convido a lê-lo, mas gostaria de falar que aqui em “Whispering”, a autora assumi um ar diferente de “O Sétimo Ano” na hora de desenhar e compor o mangá. Lá, a leitura me soou mais sóbria, enquanto que aqui, ela traz uma impressão relaxante e até nostálgica, quase como se você lesse o mangá em uma tarde ensolarada, em um gramado e com uma brisa gostosa, é uma sensação bem especial. Como são obras com propostas diferentes, faz sentido que o tom seja dessa forma, por isso, fico bastante curioso para saber que tipo de abordagem e sensações ela traz em “ougo karen wa amagamisuru“, o mangá TL (Teen Love) da autora. Espero poder lê-lo algum dia.

Volume #1 de “ougo karen wa amagami suru

Por “Whispering” é isso, espero que o post tenham cativado vocês a procurar para ler e torço para que chegue ao Brasil, porque embora eu quase não compre mais mangás lançados aqui, sempre digo que o público geral merece ter acesso a essas obras e demografia feminina é algo que defendemos e continuaremos a defender. Abaixo vocês podem ver um vídeo mostrando a edição francesa e em sequência, a lista de obras que já recomendamos no blog ^^

2 thoughts on “Conheça “Whispering – Les voix du silence -” (Hisohiso -Silent Voice-)

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