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Asumiko Nakamura visita o clássico cenários dos internatos femininos...

É Mês do Orgulho de 2025 e como a gente sempre tenta fazer (mas raramente consegue cumprir de forma plena ou como gostaria), é a ocasião mais que perfeita para por em centro de destaque obras LGBTQIA+! Não que não o fazemos durante o ano como um todo, afinal, tal qual o Dia Internacional das Mulheres, todo dia é dia de se evidenciar obras, trabalhos e autoras que estão produzindo seja material LGBTQIA+ propriamente, como produção feminina. E como sempre gostamos de juntar e combinar as coisas, nada mais perfeito do que unir demografia feminina (no caso, um Josei) com o LGBTQIA+ (no caso, Yuri) para a ocasião deste mês!

Uma das obras escolhidas por mim para evidenciar foi “Mejirobana no Saku“, mangá Josei-Yuri da Asumiko Nakamura, autora muitíssimo conhecida pela série de “Doukyusei“, que está em publicação no Brasil pela JBC. “Mejirobana no Saku” (メジロバナの咲く) é publicado desde outubro de 2017 na revista Rakuen Le Paradis, revista Josei trimestral da editora Hakusensha. A obra está em andamento com 4 volumes, sendo que o quarto tomo foi lançado no Japão foi em 30 de agosto do ano passado. Ainda não há previsão de término para o mangá no Japão. Na França, a obra foi anunciada em novembro 2023, na ocasião da Y/Con (um evento voltado para o BL, mas que comporta obras de temática LGBTQIA+ em geral), e a publicação foi iniciada no ano seguinte, em novembro de 2024, com o título “L’Internat des Fleurs” (O Internato das Flores). Atualmente, a editora lançou 2 volumes e o 3º está previsto para meados de setembro.

Eu adquiri o volume #1 da edição francesa na época do lançamento e é por meio desta edição que irei falar do mangá. ^^


Pois bem, “Mejirobana no Saku” conta a história da Ruby, que vive em um internato só para garotas e que também é sua escola. Próximo do natal, ela descobre que terá que passar os feriados de fim de ano no internato. Sentindo-se abandonada por seus paism que estão em processo de divórcio, ela não passará o feriado sozinha, porém sua companhia será Steph, conhecida como “a dama de aço” por ter um rumor de que ela tem uma prótese metálica em uma das pernas, fazendo um som de metal batendo enquanto ela caminha. A Ruby é aquele arquétipo de personagem mais radiante que vai contrastar com o da Steph, que por sua vez, é uma personagem mais fria e distante. A história vai acompanhar essas duas que, ora parecem mais próximas, ora se distanciam e entre esse vai e vem, sentimentos vão aparecendo…

Tanto no começo da história do que viria a ser o BL, como no começo do Yuri no Japão, era comum que as histórias se passassem nesses internatos homoparticipativos (com apenas meninos ou apenas meninas) e que se passavam fora do Japão, o mais frequente na Europa (como é o caso de “Mejirobana”). Dois clássicos exemplos disso no BL são “Thomas no Shinzou“, da Moto Hagio e “Kaze to Ki no Uta“, da Keiko Takemiya, ambos mangás Shoujos que foram de suma importância nesses primeiros passos do que viria a se tornar o mangá BL. No Yuri, posso citar casos emblemáticos como “Oniisama e…“, Shoujo da Riyoko Ikeda (a autora de “Rosa de Versalhes”) e “Shiroi Heya no Futari“, Shoujo da Ryouko Yamagishi. O que acho interessante é que este é o primeiro Yuri da Asumiko Nakamura, que é muito conhecida dentro e fora do Japão por seus BLs, e a escolha de seu primeiro trabalho no gênero ser em um internato europeu retomando o estilo mais clássico desse tipo de história, me soou uma “homenagem” muito boa.

Por mais que essa seja uma história bem simples, não tem como, é a Asumiko Nakamura e tudo que ela encosta, ganha algumas camadas e brilhos a mais, por mais simples que possa ser ou parecer. Ela tem uma magia incrível na hora de compor e contar suas histórias, seja em um trabalho mais radiante como em “Doukyusei” ou nos seus momentos mais introspectivos e sombrios como em “Utsubora” (Seinen em 2 volumes, inédito no Brasil).

– Assim como o fato de que estou aqui e agora…

Mas enfim, voltando a narrativa, esse período de fim de ano que a Ruby e a Steph passam juntas vai servir para que a Ruby crie e alimente mais da sua curiosidade quanto a sua veterana. A Steph, para além dessa figura distante, é também aquele clássico personagem que é admirado (e cobiçado) por várias das outras garotas da escola, lhe rendendo um grupo de “tietes”, que por sinal, não verão com bons olhos esse tempo que as duas garotas passaram juntas. E esse ‘primeiro’ contato mais proximal, ainda que muito distante, servirá para que elas saibam minimamente uma sobre a outra. Como mencionei, os pais da Ruby estão num processo de separação e ela não sabe, não consegue ou não quer ter que lidar com isso, já que ela se vê isolada, sem ser uma grande preocupação de ambas as partes. Ela, por vezes, é bem egoísta e imatura, bem típico de adolescentes, o que contrasta com a Steph, que é sempre contida e segura de si (ao menos na imagem que ela passa para os outros). E sendo essa persona mais distante, a Steph é, em muitas vezes, bem grosseira com os outros, tudo para manter esse muro que ela construiu ao seu redor, não permitindo aproximação das pessoas, o que para as outras garotas, alimenta ainda mais o fascínio de sua imagem.

Mas é esse jeito distante que acaba, inicialmente, interessando a Ruby, porque por mais que ela seja dessa forma, não é como se ela fosse completamente fria. Ela tem seu jeito de demonstrar algum sinal de preocupação e cuidado. E é nisso que elas acabam finalmente conseguindo ter uma conversa. Ainda no primeiro capítulo, tem uma cena que, embora não tenha nada demais, é super sensual e até meio erótica, com a Ruby pedindo para ver e beijar o pé da Steph, já surgindo um clima apaixonante por parte da personagem.

* As férias terminaram… e eu voltei ao meu cotidiano *

Claro que a Ruby ficando sozinha no internato com a garota mais idolatrada renderiam boatos, que prontamente começam a circular depois do feriado. E não somente isso, as duas não se falavam antes do feriado e após ele, a Ruby passou a conversar com a Steph pelos corredores da escola de forma casual, como se elas realmente fossem próximas e amigas, o que claramente serve como combustível para a fofoca. Esses boatos vão fazer com que uma outra personagem, a Liz, entre na história dessas duas como uma espécie de “rival amorosa” (embora claramente ela não tenha qualquer chance e a autora deixe isso claro). A Liz é bem territorial, então a aproximação da Ruby não bate nada bem na personagem, mas de momento, ela apenas sonda tudo e vai tentando entender o que de fato acontece entre elas.

A segunda metade do volume vai focar em duas vertentes: a arrecadação de fundos (organizado pela Ruby) para a compra de uma árvore de Natal para o próximo ano e os problemas familiares da personagem. Essas duas coisas são entrelaçadas, pois o que começa bem e divertido com a Ruby, logo vai ganhando sabores mais amargos, pois com a abordagem da Liz somado aos rumores que vão circulando na escola. A reação da Steph é de agir de forma indiferente e com uma tentativa de afastar a Ruby. A Ruby, com o jeito dela que ora é meio estabanado, ora é ousado, prontamente retruca a personagem e ainda diz que odeia pessoas como ela. Ela tem um gênio bem forte, o que torna a personagem mais interessante do ponto de vista de construção de personalidade.

– Eu detesto pessoas como você! Como você pode machucar os outros e ter um ar tão indiferente? Jamais eu iria querer sair com você, mesmo se você me suplicasse! Não ouse falar comigo de novo! EU ODEIO ELA!!

E os problemas familiares não demoram a chegar já que, com o divórcio dos pais, a renda da mãe da Ruby caiu drasticamente, sendo impossível para ela manter as mensalidades da escola, já que quem bancava tudo era a família do pai da Ruby. E é nesse ponto que temos o início de um arco, já que a estrutura da escola sugere para a Ruby fazer a prova para ser bolsista, assim os custos de mensalidade seriam mínimos. Agora, a Ruby precisa estudar e focar mais nos estudos para conseguir passar na prova de bolsistas e assim, talvez, se manter na escola. Algo que gosto nela é que além desse jeito marcante, ela é bem resolvida com o que sente e não demora para entender o que ela está sentindo pela Steph e mesmo tendo dito para ela não lhe dirigir a palavra, é a Ruby que precisa ir atrás da Steph para conseguir ajuda nos estudos (ela é meio cara de pau).

Gosto desse segmento do volume, que é basicamente metade de um capítulo delas conversando na biblioteca sobre… latim. São conversas banais, sobre uso e sentido das palavras, bem como a origem das línguas, mas tem toda uma simbologia por de trás envolvendo as duas e nesse ponto, elas começam a se entender melhor, principalmente sobre a Steph. O que me diverti mesmo nesse final do volume é que ele vai para a “baixaria”, por assim dizer. Sem dizer o contexto e sem entrar em detalhes, digamos apenas que vamos ter trocas de tapas entre personagens e eu não me lembro de ver em mangás (ou mesmo em animes), duas mulheres se estapeando como vi aqui. Me lembrou os bons tempos de novelas, o que foi um sentimento bom, para além de ter sido muitíssimo divertido de ler, hahaha.

– Nós vamos fechar a sala!
– Oh

Gosto da totalidade do que li aqui. É uma história simples, mas funcional e com personagens que seguram bem a trama como um todo. Essa é uma obra que, por ser publicada em uma revista trimestral, demora a ter novos volumes sendo lançados (praticamente 1 volume a cada 2 anos), mas eu não acho que a autora pretende a fazer desta uma série longa. De toda forma, é um mangá a ficar de olho e do que pude ler aqui, acho ele tão acessível (em termos de estrutura) quanto “Doukyusei” é para o BL. Então para quem quiser conhecer o gênero Yuri, este é uma boa pedida!


Falando um pouco da carreira da autora, nós já comentamos a carreira dela em detalhes quando resenhamos o volume #1 da série “Doukyusei” no blog (leia aqui), mas retomando alguns de seus trabalhos emblemáticos: no começo dos anos 2000, quando a autora estava bem no começo da sua carreira, ela passou anos publicando na revista Manga Erotics F, da editora Ohta Shuppan. Nessa época, ela publicou mangás como “Coponicus no Kokyuu“ (de 2 volumes) e “J no Subete“ (3 volumes). Em 2006 ela estreia “Doukyusei” e nos anos seguintes, foi revisitando a série em diversas ocasiões, contando hoje com 9 volumes lançados (um deles, spin-off) em diversas séries de curta duração (máximo de 2 volumes cada uma) e com um spin-off chamado “Sajou Rihito no Chichi to Sono Buka” em publicação desde 2022 na revista OPERA (Akaneshinsha) e que por ora, não foi compilado em volume. Atualmente, a autora publica outras duas obras: “Oukoku Monogatari“, que está em publicação desde 2017 na revista Ultra Jump (Shueisha) e conta com 5 volumes (a autora já revelou que o mangá está próximo do clímax), além de “Mejirobana no Saku“, que também começou em 2017, na revista Rakuen Le Paradis (Hakusensha). De publicações mais recentes, tivemos “Warui Otoko“, BL em volume único lançado em 2024 pela WeComix, que compilou one-shots da autora lançados ao longo de uma década, e “Hibana“, outro BL em volume único publicado entre 2021 e 2024 na BE x BOY (Libre).

Capa japonesa do primeiro volume da edição mais recente de “Coponicus no Kokyuu“, “J no Subete” #1, “Oukoku Monogatari” #1 e dos volumes únicos “Warui Otoko” e “Hibana

Mejirobana no Saku” (ou “L’Internat des Fleurs“) é uma história simples. Um romance escolar com personagens bem consolidados e com dramas comuns. É cativante na maneira como é contado e como a Asumiko Nakamura compõe a história como um todo é particularmente fascinante. É sempre um deleite ver as composições dela e seja antes, seja agora, ela sempre é excelente na quadrinização. Para um primeiro trabalho no gênero, está mais do que aprovado. Fica a enorme recomendação ^^

O desenho da Asumiko Nakamura é sempre de uma elegância incrível!

Eu escolhi falar desse mangá no blog nesta ocasião tanto por ser uma boa obra, mas também por ser de uma autora que, embora seja já famosa, este não é um trabalho que é muito conhecido e comentado da autora. E como uma série dela é lançada no Brasil, considerei como uma boa escolha e tentar dar um pouco de evidência para outros trabalhos dela! No demais, é isso. Abaixo, como de costume, tem o vídeo mostrando a edição francesa em detalhes e na sequência, a lista de todas as obras que já comentamos e recomendamos no blog (ao clicar no título, você será redirecionado ao post da obra respectiva). Obrigado por lerem e até daqui alguns dias para outra recomendação de obras de demografia feminina. <3

1 thought on “Conheça “L’Internat des Fleurs” (Mejirobana no Saku)

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