
É abril e portanto, começo de primavera no hemisfério norte, incluindo o Japão. Tradicionalmente, considera essa época do ano como o ‘start’ para os romances escolares. Então acho que nada melhor que falar de um Shoujo de romance escolar nesta ocasião! Pensei em algumas possibilidades e acabei escolhendo “Uruwashi no Yoi no Tsuki“, da Mika Yamamori, por ser uma obra que eu estou “devendo” esse texto já tem um bom tempo.

“Uruwashi no Yoi no Tsuki” é um mangá escrito e ilustrado pela Mika Yamamori. A obra estreou em julho de 2020, na edição de setembro/2020 da revista Dessert (Kodansha) e segue em publicação até hoje. A obra conta com 8 volumes publicados e com o 9º com lançamento previsto para 13 de maio, e com direito à edição especial (no momento que escrevo essa postagem, ainda não temos descrição do conteúdo da edição)! A obra tem 3.8 milhões de cópias em circulação no Japão com apenas 8 volumes se consagrando como um dos grandes sucessos da Dessert atualmente. Além disso, o mangá foi indicado no 46º, 47º no 48º Kodansha Manga Awards na categoria de ‘Melhor Shoujo’ (2022, 2023 e 2024), e para o 70º Shogakukan Manga Award em 2024. Ficou em 4º lugar no Kono Manga ga Sugoi! 2022 na categoria de ‘mangá feminino’, ganhou o Semi-Grande Prêmio de mangá da revista anan na sua 12ª edição (2021), e por fim, o mangá venceu o Grande Prêmio da edição de 2023 da ebookjapan Manga Award. No Brasil, o mangá foi anunciado pela editora JBC em dezembro de 2023 na ocasião da CCXP e, embora tenha sido muito comemorado na época, a obra segue sem grandes novidades por parte da editora e sem previsão de lançamento.


*capas da Dessert de Novembro e Dezembro que a obra estampou + de Abril*
Na França, o mangá foi anunciado pela Pika no final de julho de 2022, iniciando a publicação na França em outubro daquele ano. A editora já publicou os 8 volumes lançados até o momento e estarei falando do mangá no blog por meio do volume 1 da edição francesa. ^^
O mangá conta a história da Yoi, que é vista como um príncipe (no masculino) na escola por causa de traços da sua aparência e pela maneira “cool” que sua imagem traz. Por causa disso, todo mundo, sejam garotos ou garotas, tratam e consideram ela como se fosse um garoto, daí o batismo de “príncipe”. Na mesma escola, há outra pessoa que é vista como tal, o Ichimura, um garoto também lindo. E um belo dia, durante a pausa entre as aulas que os dois se encontram pela primeira vez. O Ichimura fica encantado com a aparência da Yoi que de primeira, ele pensa ser um garoto e é a partir desse encontro que os dois não vão parar de se encontrar e é assim que a história se desenrola…

– Você tem um rosto muito lindo.
“Uruwashi no Yoi no Tsuki” é um dos mangás que compõem os pilares da Dessert ou o que gosto de chamar: as séries A da revista. Ele está ali junto de obras como “Hananoi-kun to Koi no Yamai” (que logo mais termina no Japão) e “Um sinal de afeto”, compondo a trindade de obras que primeiro fizeram o “boom” que a Dessert vive atualmente (hoje em dia, além deles, ainda há obras como “Koiseyo Mayakashi Tenshi-domo”, “Como Conheci Minha Alma Gêmea” [Unmei no Hito ni Deau Hanashi], “Museru Kurai wo Ageru”…) e eu pensei se fazia sentido fazer post de apresentação para ele já que a ideia dessa série de textos é comentar mangás que não sejam tão conhecidos (por isso raramente falo de obras com anime) e que não estão necessariamente no radar das pessoas. Mas como já falei de “Hananoi-kun” e “Yubisaki”, acho simbólico comentar dele também. Vale dizer, eu queria lançar o texto com o mangá mais próximo do lançamento no Brasil (assim usaria o título nacional no título do post), mas a JBC anunciou a obra há mais de um ano e sequer há previsão de lançamento e decidi escrever, e publicar por agora mesmo.
Isso posto, podemos entrar na história propriamente. Esse primeiro encontro entre os protagonistas não causa exatamente uma boa impressão na Yoi, porque o Ichimura acaba por ser uma pessoa direta e um pouco incisiva. Como ninguém do sexo oposto tinha tido uma aproximação com a Yoi, especialmente no ponto de achar ela bonita, mesmo que nesse primeiro momento, o Ichimura ainda fique meio “?” quanto ao gênero dela, acaba por ser algo de estranhamento para ela no ponto de achar ele um verdadeiro esquisitão (e um muito bonito).

Esse título de “príncipe” foi insculpido à Yoi e não é como se ela gostasse dele. A própria personagem ao fim do capítulo, comenta sobre como ela não gosta desse papel, mas qualquer ação dela é vista como algo “cool” e que portanto continua a vender a imagem de príncipe. É verdade que ela gosta dessas roupas de ar mais “clean” ou “neutro” (ou mesmo, “masculino”), mas não é como se ela não detestasse do “feminino”. O lance principal é que quando vendem uma imagem de você e as pessoas incorporam essa imagem que você representa para si, se torna algo complicado, porque elas passam a esperar só aquilo de você e surge uma pressão para que se atenda a essas expectativas. O não cumprir ela pela pressão existente, passa a gerar culpa em você, mesmo que não tenha partido de ti essa imagem pregada. Pode parecer banal ou bobo, mas pressão é algo complicado de lidar, especialmente por ser algo que vai se internalizando sem que ao menos se perceba e em se tratando do olhar dos outros, várias vezes, pode ser mais cruel e doloroso do que lidar com uma agressão direta. É a mesma coisa com você ser um dos melhores alunos e não poder desviar nem um pouco desse “papel”, porque senão é uma grande comoção. Esse “papel” de príncipe passou a ser uma coisa que causa insegurança na Yoi, já que ela sequer consegue se reconhecer como uma pessoa bonita ou que seja atraente (o Ichimura até pergunta para os amigos COMO que eles não acham ela bonita). E não pensar o se ver como bonita como uma espécie de “validação” para homem (ou “para o outro”), mas como é bom se ver e se sentir bem com a própria imagem.
O Ichimura é igualmente visto como príncipe na escola, mas algo que gosto é que a autora trabalha com duas formas de lidar com a imposição desses papéis: enquanto a Yoi se vê sufocada pelo rótulo, a forma com que o Ichimura lida com isso é simplesmente não se importar. A forma que veem ele ou deixam de ver, ele não se importa realmente. Colegas de classe comentam com a Yoi se ela estaria tendo algo com o Ichimura, depois de ver eles juntos, porque seria ‘ruim’ a aproximação dos dois príncipes (como se fossem seres diferentes, intocáveis e que não podem se relacionar), o que gera preocupação nela e que o Ichimura prontamente responde “E daí?”. A forma com a qual os outros o veem não é um fator limitante, porque a forma com a qual ele lida com isso é mais explosiva e esse contraste na maneira de ambos é bem legal.

Embora eu só tenha lido um volume, é evidente como a aproximação da Yoi com o Ichimura faz bem para ela, porque ele a vê com outros olhos. Ele acaba por ser a primeira pessoa que a enxerga como uma garota e que tem algum interesse nela (a aproximação dele é permeando brincadeiras e joguinhos, porque ele tem um jeito meio canastrão nesse começo), porém, basta olhar algumas imagens promocionais dos personagens como a capa da edição de abril/2024 da Dessert, em que a Yoi usa um cropped e está maquiada, um sinal de mudança para a personagem.
Tem uma ala de pessoas que detestam o mangá, porque juram que a obra tinha a proposta de ser uma coisa meio disruptiva com normas de gênero, que a Yoi seria essa personagem ‘tomboy‘ e que a autora foi para um lado totalmente oposto, sendo que o mangá nunca se propôs a isso. Desde o 1º capítulo a Yoi demonstra verbalmente se incomodar com a imagem de “príncipe” e o quão sufocante essa visão é. Não é subtexto, está lá, escrito e desde o começo. Não gostar, querer que fosse uma coisa diferente ou que fosse por outros caminhos, tudo bem, é normal. Mas não é culpa da obra. Fora que existe uma misoginia implícita entorno dessa discussão toda, porque ela meio que invalida a maneira com a qual a personagem quer se vestir ou se portar em prol de um suposto “progressismo” que existia caso a personagem fosse tomboy.

O mangá Shoujo é sempre estigmatizado com N coisas ruins e pejorativas. Uma delas, um clássico, é a de que o shoujo é enrolado e de como os casais demoram a começar a se relacionar. Mangá é social e, portanto, é transformação. Ele flui como a sociedade, reflete o tempo e o que mais está em comentário na época. Então mesmo que tivesse sido verdade que existiu uma época desses Shoujos super lentos (Shoujo tem uma tendência a não ser longo, então mesmo o Shoujo mais “enrolado” tem uma tendência a ser ágil considerando o Shounen de romance, por exemplo), fato é que o Shoujo atual está mais ágil na formação do casal, porque uma parte dessas obras deixou de explorar os personagens até a formação do casal para explorar a vida de casal, traçando caminhos e rumos bem interessantes/distintos. “Hananoi-kun” (que comentamos lá em 2021) parte do volume #1 com o Hananoi e a Hotaru fazendo um teste de namoro; e “Um sinal de afeto” (que foi o primeiro mangá que comentamos no blog nessa nossa série de textos), o casal se estabelece logo no 3º tomo. Em “Uruwashi”, temos uma proposta de namoro ainda nesse 1º volume. Como o Ichimura tem essa postura de levar as coisas meio que na brincadeira de primeiro momento, esse começo de relacionamento dos dois há de ter seus engasgos, mas não tenho dúvidas de que será divertido de ler e acompanhar.

Falando um pouco da carreira da Mika Yamamori: ela estreou em 2005 com o mangá “Kimi no Kuchibiru kara Mahou” (algo como “A Magia dos seus Lábios”), publicado na The Margaret, uma “revista irmã” da Margaret que era muito voltada a publicação de one-shots e séries curtas, o que era proveitoso para jovens artistas (a revista encerrada em 2024, após 41 anos e a capa do último volume foi ilustrada pela Mika). Em 2008, a autora começa a publicar “Sugars“, uma coletânea que reuniu alguns dos one-shots e histórias curtas que publicou nos primeiros anos de carreira. O mangá foi concluído em 6 volumes (posteriormente, reeditado em 3) e foi concluído em 2011. O primeiro grande sucesso da autora veio em 2011, com a estreia de “Hirunaka no Ryuusei“, publicado entre maio de 2011 e novembro de 2014 na revista Margaret, da editora Shueisha, e completo em 12 volumes. Em maio de 2015, ela estreia “Tsubaki-chou Lonely Planet“, também na Margaret e se tornou o outro grande sucesso da carreira da Mika. O mangá ficou em publicação até agosto de 2019 e foi concluído em 14 volumes.”Tsubaki-chou” foi a última série da autora na Margaret e na Shueisha, já que a partir de 2020 ela estreia “Uruwashi no Yoi no Tsuki” na Dessert (Kodansha).

A Mika Yamamori e a suu Morishita são muito amigas e na época da publicação de “Hirunaka no Ryuusei“, lá em 2014, as três [Mika e a dupla que compõe suu Morishita] fizeram uma colaboração entre “Hirunaka” e “Hibi Chouchou“. Foram dois one-shots publicados na Margaret: “Hirunaka no Chouchou: Shopping Biyori no Shinhakken” e “Hibi Ryuusei: Suzume no Parallel Koukou Nikki“.
Esse é o meu primeiro contato com a Mika Yamamori. A suu Morishita eu conhecia anteriormente por “Hibi Chouchou”, que fui um dos primeiros mangás que li lá em 2017, mas eu diria que elas têm um estilo meio parecido. A suu vai para um aspecto mais fofo da coisa toda, enquanto que a Mika aparenta ter um tom um pouco mais “sóbrio” e voltado mais para comédia. Não sei se comprarei a edição brasileira quando sair (o volume #1 é certo que vou comprar), mas espero continuar lendo o mangá de alguma forma no futuro, e no melhor dos casos, continuarei com a edição francesa. Se for bem, falaremos mais do mangá no blog no futuro! ^^

Tem uma onda de pessoas surgindo para ‘atacar’ as obras da Dessert (coincidentemente num momento de grande popularidade da revista), por ela serem “simples” e as resumirem elas a ter “rapazes bonitos” (sendo esse último o grande atrativo das obras), o que acho problemático, porque vende uma ideia de que quem gosta dessas obras seria fútil, enquanto que a pessoa que critica é “requintada” e tem gosto melhor, mas enfim, isso pode ser assunto para outro(s) texto(s). Bom, para “Ton visage au Clair de Lune” (ou “Uruwashi no Yoi no Tsuki“) foi isso. É um romance escolar promissor, gostei muito dos personagens e da dinâmica da dupla principal. Da “tríade original” da Dessert, “Hananoi-kun to Koi no Yamai” segue sendo meu favorito, seguido por “Um sinal de afeto” e por fim, “Uruwashi no Yoi no Tsuki“. São todos excelentes, cada um a sua maneira e do seu jeitinho.
Abaixo, vocês veem a edição francesa de “Uruwashi” e em sequência, a lista com todas as obras que já comentamos no blog nesta série de textos ^^
- A sign of Affection (Yubisaki to Renren);
- À tes côtés (Hananoi-kun to Koi no Yamai);
- Switch me On (Honnou Switch);
- Goodbye my Rose Garden (Sayonara Rose Garden);
- Le Requiem du Roi des Roses (Baraou no Souretsu);
- Perfect World;
- Les Chroniques d’Azfaréo (Azufareo no Sobayounin);
- Sasaki et Miyano (Sasaki e Miyano);
- Ocean Rush (Umi ga Hashiru Endroll);
- Burn the House Down (Mitarai-ke, Enjou suru);
- Good Morning, Little Briar-Rose (Ohayou, Ibarahime);
- Cherry Magic;
- Veil;
- Mon mari dort dans le congélateur (Watashi no Otto wa Reitouko ni Nemutte Iru);
- Canção do Amanhecer (Yoake no Uta);
- Vampeerz;
- Entre nos mains (Kakeochi Girl);
- L’histoire de papa, papa et moi (Boku no Papa to Papa no Hanashi);
- Whispering – Les voix du silence – (Hisohiso -Silent Voice-);
- & (AND);
- Nina du Royaume aux étoiles (Hoshi Furu Oukoku no Nina);
- Don’t Fake your Smile (Niji, Amaete yo.);
- FANGS;
- Rouge Éclipse (Sora wo Kakeru Yodaka);
- Petit requin (Odekake Kozame);
- Et plus si affinités ? (Majime ni Fujun Isei Kouyuu);
- L’amour est au menu (Tsukuritai Onna to Tabetai Onna);
- Gene Bride;
- Enfer et contre toutes (Jigoku no Girlfriend);