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Setona Mizushiro põe em cena, vampiros na era moderna.

Após falar de “BOYS OF THE DEAD“, BL da Tomita Douji, aqui no blog, é hora de lançar o segundo texto de apresentação de outubro de 2025 aproveitando a temática do Halloween! E a segunda obra escolhida para esta ocasião é “Kuro Bara Alice”, mangá Shoujo da Setona Mizushiro que trabalha com vampiros na modernidade!

Kuro Bara Alice” (黒薔薇アリス) é um mangá escrito e ilustrado pela Setona Mizushiro. A obra foi publicada originalmente entre 2008 e 2011 na revista Princess da editora Akita Shoten. A obra foi “completa” em 6 volumes. A autora, no entanto, acabou rompendo com a Akita Shoten e anos mais tarde, em 2016, o mangá foi republicado pela editora Shogakukan no selo da revista flowers (Josei). E é em 2020 que ela começa “Kuro Bara Alice D.C. al fine”, sequência da obra na revista flowers. O mangá conta com 5 volumes lançados no Japão, sendo que o 5º foi publicado no começo do mês, em 9 de outubro.

Capa da edição de Maio/2023 da revista flowers com “Kuro Bara Alice D.C. al fine” em destaque

Na França, o mangá saiu entre julho de 2009 e janeiro de 2012 pela editora Asuka (que depois virou a Kazé e hoje, é a Crunchyroll), estando indisponível no mercado francês desde 2015. É em junho de 2023 que a Akata anuncia a reedição do mangá para a partir de outubro daquele ano e garantindo a publicação da sequência assim que a primeira parte da obra terminasse (a sequência começou a sair um ano depois, em outubro de 2024). Estarei usando o volume 1 de “Kuro Bara Alice” (aka “Black Rose Alice”) para falar do mangá no blog. ^^


“Kuro Bara Alice” gira em torno de dois personagens: o Dimitri e a Agnieszka. A obra começa no começo do século XX, em 1908, em Viena, na Itália. O Dimitri descende de ciganos e ainda jovem, foi acolhido por um nobre graças ao seu talento e voz inesquecível. Ele é um ator e cantor de sucesso, que encanta homens e mulheres com seu charme e voz encantadora. No entanto, apesar disso, ele não consegue alcançar a felicidade, porque ele nutre um amor impossível pela Agnieszka, filha de nobres que foi prometida em casamento ao Theodore, seu melhor amigo. Embora a Agnieszka também tenha sentimentos amorosos pelo Dimitri, ambos sabem da impossibilidade desse amor se concretizar, especialmente pela diferença de origem de ambos, e sofrem por isso. Um dia, porém, o Dimitri é atropelado pelo cavalo de uma carruagem. Ele acorda sem entender o que estava acontecendo, mas acredita que tudo está bem, até que um homem lhe encontra e diz que ele agora é um vampiro…

-É perigoso! Recuar!! Cuidado!!
– É terrível!
– Alguém chame um médico!

Quem vai ao encontro do Dimitri é o Maximilien, que o convida para segui-lo e assim, explicar o que está acontecendo e responder às suas dúvidas. Segundo o Maximilien, o seu antigo mestre encerrou sua vida e como forma de garantir a sobrevivência de sua linhagem, ele espalhou suas “sementes” para encontrar novas pessoas e assim, se transformarem em vampiros. O Dimitri foi um desses escolhidos e o que consumou sua transformação, ou melhor, o que possibilitou ela de acontecer foi o acidente que ele sofreu e que no fim das contas, o matou (a “semente” foi o que o trouxe de volta) e uma das evidências disso, é uma estranha cicatriz em forma de rosa que apareceu em seu pescoço (próximo à nuca) e que o Maximilien também possui, só que bem mais desenvolvida.

Além da transformação propriamente, o Maximilien o alerta sobre algumas mudanças que acontecerão com ele, porque seu antigo mestre, Bradley, era um homem possessivo e ganancioso (e por vezes, cruel), sempre conseguindo o que quer e quando ele quer, independentemente do que fosse. Ocorre que, para além de herdar os poderes de vampiro, o “filho” também recebe uma parte da memória daquele que o gerou, portanto, poderá acarretar em algumas mudanças de humor e de personalidade influenciados pela “presença” desse vampiro anterior. O alerta vai, também, para disputas de território, visto que com a morte do Bradley, começou uma disputa entre os vampiros para encontrar um sucessor como chefe do território, coisa que pode deixar as coisas… perigosas.

– No mês passado, aquele que servia há vários anos, o senhor Bradley, veio a falecer, mas antes disso, ele garantiu sua descendência. Suas sementes vampíricas foram semeadas aos quatro ventos durante a noite passada. Elas, então, voaram para longe em busca de cadáveres de jovens homens humanos com saúde e beleza suficientes para servir de terreno e uma vez encontrado, elas se estabelecem permanentemente… esta marca no seu pescoço é a prova. Os defuntos fecundados… renascem em uma nova forma, a de um vampiro. Você não teria perdido a vida recentemente?

Ele, claro, não acredita em uma palavra e esse é um trecho legal, pois não é apenas um personagem em negação. É uma sequência inteira de páginas com o personagem conversando com o Maximilien e argumentando quanto ao porquê daquilo ser uma loucura completa e nada daquilo ser real. Gosto como é um misto de sarcasmo com humor, já que o Dimitri argumenta algumas coisas bem tradicionais do que seriam as fraquezas dos vampiros e o Maximilien diz ser apenas fantasia e romancismo sobre eles.

Aqui, a Setona Mizushiro explora alguns aspectos diferentes do vampirismo. Esses vampiros não são sedentos por sangue e, na verdade, podem ficar meses sem tomar uma única gota. Eles não temem o sol, nem crucifixos e são até mesmo cristãos! A forma com que se alimentam também é deveras diferenciada, não sendo eles que sugam o sangue propriamente, mas sim, aranhas (pois é) que emergem de seus corpos e assim, parasitam o alvo desejado.

O fato é que a partir do fim da conversa entre o Dimitri e o Maximilien, que o mangá entra em uma guinada bem interessante! São páginas intensas, envolvendo a morte de dezenas de pessoas, já que um dos poderes do Dimitri está diretamente associado à sua voz e a necessidade que as pessoas tem de se entregar a ele (literalmente) ao ouvi-la. Esse fato, somado a “presença” da personalidade do Bradley se manifestando eu seu corpo, levará a morte de pessoas próximas a ele, o que por sua vez, o levará de volta ao Maximilien. Eu sempre gosto da reflexão que há nesse tipo de obra com os personagens se perguntando o que se tornaram, quem eles são e percebendo que eles não são as mesmas pessoas de antes, especialmente quando eles agem de forma ‘instintiva’ e dá tudo errado.

Agora, o que me deixou triste é que após essa sequência de eventos, que estavam excelentes, o mangá salta no tempo, para 100 anos depois e nos encontramos em 2008. Eu sabia que a obra era descrita como um “mangá de vampiros moderno”, mas não imaginei que seria o literal de se passar na contemporaneidade. Isso é ruim? Não exatamente! O que me pegou nessa mudança é que eu estava achando a ambientação no começo do século passado excelente e gostaria de ver mais dela antes de partir para uma mudança no tempo. A mudança em si eu não acho ruim, até porque ela abre caminho para possibilidades intrigantes.

* O que… o que eu me tornei? *

Nesse segmento final do volume, conhecemos outros dois personagens, sendo que uma delas é a professora Azusa. Ela trabalha em um colégio e um de seus alunos, o Ikushima, o outro personagem que entra em cena, é apaixonado por ela, fazendo investidas constantes para conquistá-la, o que vem dando certo, embora ela ainda tenha relutâncias por ser um aluno dela e ele ser menor de idade. Não vai demorar para o Dimitri reaparecer e cruzar o caminho dele com o da Azusa, lhe fazendo uma proposta (oferecendo vantagens não muito vantajosas). Detalhe: uma das pessoas que morreram 100 atrás por causa do Dimitri é o motivo pela qual ele está atrás da Azusa e o momento final do tomo deixa tudo interessante.

Não dá para falar o que acontece nas últimas páginas, mas o que posso comentar é que o que a autora coloca em cena abre muitas possibilidades para tramas e rumos bacanas, além de dramas igualmente boas. Apesar da mudança de cenários ter me pego de surpresa e ter tido um sentimento de decepção com essa mudança, a autora compensou com a sequência final e as possibilidades narrativas que ela instigou ao fim do volume. Minha tristeza agora é por não ter mais volumes para saber como a obra continua, rs.


Falando um pouco da autora, a Setona Mizushiro começou no mundo dos mangás em 1985, publicando obras de forma independente (doujinshi). A autora permaneceu assim por quase 10 anos, até estrear profissionalmente em 1993 com o mangá “Fuyu ga Owarou Toshiteita“, publicado na revista Puchi, da Shogakukan. Por esse trabalho, a autora ganhou o 31º Shougakugan New Author Comic Award, premiação voltada para novos autores. Os primeiros trabalhos da autora na década de 1990 foram principalmente no BL, como “Sleeping Beauty“, publicado na BE x BOY da editora Biblos. A partir do final dos anos 1990 a autora começa a se aventurar no Shoujo e no Josei. Nos anos 2000 é quando a autora publica a grande maioria dos seus trabalhos mais emblemáticos, como: “Houkago Hokenshitsu” (2004-2008), em 10 volumes na revista Princess (Shoujo da Akita Shoten); “Kyuuso wa Cheese no Yume o Miru” (2004-2005) e “Sojou no Koi wa Nido Haneru” (2006-2009), ambos volumes únicos publicados na revista Judy (Josei da Shogakukan); “Kanojo-tachi no X-Day” (2002), em 2 volumes (Princess); além de claro, “Kuro Bara Alice“. Excluindo “Kuro Bara Alice D.C. al fine“, a série mais recente da autora é “Sekai de Ichiban Ore ga 〇〇“, Seinen, o primeiro da sua carreira, publicado na revista Evening, da Kodansha, que está em hiatus desde meados de 2020, quando saiu o 8º volume.

Capas japonesas de “Sleeping Beauty“, o 1º da reedição de “Houkago Hokenshitsu” (2012), da reedição de “Kyuuso wa Cheese no Yume o Miru” (2020) e volume #1 de “Kanojo-tachi no X-Day
Capas japonesas dos volumes #1 e #5 de “Kuro Bara Alice D.C. al fine” e o 1º de “Sekai de Ichiban Ore ga 〇〇

A Setona Mizushiro é uma mangaka muito conhecida. O auge da sua popularidade no ocidente foi nos anos 2000 até meados dos anos 2010 e, embora este seja meu primeiro contato com a autora propriamente, amigos me disseram que ela é uma mangaka que brinca um pouco com moralidade (como deu para ter uma pequena noção no fim desse primeiro volume de “Kuro Bara”), o que pode trazer um certo desconforto proposital durante a leitura.


“Black Rose Alice” traz uma roupagem interessante ao brincar com as convenções do vampirismo. Apresentou personagens fascinantes, assim como várias possibilidades para o andamento da narrativa que são bem instigantes. Fica a recomendação e para os textos de apresentação do mês, foram essas duas obras. Nos vemos em novembro com mais (ao menos um texto). Em breve lançaremos o vídeo mostrando a nova edição francesa do mangá, mas já deixamos – como de costume – a lista com todas as obras que já escrevemos recomendação no blog (são quase 40 mangás)!

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