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Tentando superar a morte de um ente querido em uma viagem de autodescoberta.

Em outubro de 2023, comentamos no blog “Umi ga Hashiru Endroll“, Shoujo da John Tarachine que estava alavancando a carreira da autora no ocidente. Sendo um enorme sucesso dentro e fora do Japão, Umi ga Hashiru se consolidou como o mangá de maior sucesso da autora até agora e a maior série dela que será concluído com 9 volumes no total. Agora, em novembro de 2025, pouco mais de 2 anos depois, voltamos a recomendar a autora no blog com “Goodnight, I Love You…”, a primeira série da autora e que já mostrava todo o talento da John Tarachine!

Goodnight, I Love You…” (グッドナイト、アイラブユー) é um mangá escrito e ilustrado pela John Tarachine. A obra foi publicada no Japão entre fevereiro de 2015 e fevereiro de 2017 na revista Comic it, da editora ASCII Media Works (KADOKAWA). A obra foi concluída em um total de 4 volumes e, como dito, foi a primeira série da carreira da autora e além disso, também foi o primeiro Josei dela. Anteriormente, a John Tarachine havia publicado apenas BLs e todos volumes únicos.

Na França, o mangá chegou pela Akata em setembro de 2018 e foi concluído em junho de 2019. Estarei comentando o mangá com base nos 2 primeiros volumes da edição francesa!


No mangá, acompanhamos a história do Ozora Endo, um jovem universitário de 20 anos que acabou de perder a mãe por causa de um câncer. Como último desejo, sua mãe pediu para que ele fosse à Inglaterra para que ele contasse sobre a sua morte a uma de suas amigas. Nesta viagem forçada até a Europa, ele descobrirá diversas coisas, incluindo lugares, além de reencontrar pessoas como seu irmão mais velho que vive na França há algum tempo. Para além disso, ele perceberá que não conhece verdadeiramente sua família e a viagem o proporcionará a oportunidade de descobrir mais sobre sua família, mas também descobrir a si, a medida que ele visita país por país da Europa…

– Câncer em estágio 4! Só me resta três meses de vida! Desculpe, querido…
* Era como se o destino falasse diretamente comigo. Eu precisava ficar de olho nela. Quando eu era criança… o desgraçado do meu pai e o desgraçado do meu irmão foram embora. *

O Ozora viveu junto de sua mãe, sendo ela a única família que ele verdadeiramente considerava, isso porque seu pai saiu de casa quando ele ainda era uma criança, ao ponto de sequer se lembrar como era o rosto dele, e seu irmão mais velho foi embora alguns anos mais tarde, sem que ele soubesse os motivos por de trás disso. Ele cresceu muito apegado a sua mãe e sofreu com a sua partida. Com uma morte um tanto repentina, pois ela descobriu o câncer em estágio avançado, quando lhe restava pouco tempo de vida e sendo sua única família e ponto de apoio, ele se vê completamente perdido e até mesmo sem rumo, e parte da ideia dessa viagem que a autora propõe colocar o personagem é sobre ele conseguir dar passos adiante e viver por si.

O que me pega muito nesse mangá é eu me ver demais no protagonista. Embora meu pai não tenha saído de casa (quem dera tivesse…) e eu ser até próximo dos meus irmãos, desde muito cedo sou extremamente apegado à minha mãe, e ela comigo. Sendo um jovem gay, que desde a infância se sentia desconfortável com outras pessoas e deslocado em vários ambientes, a única pessoa com quem eu conseguia manter esse nível de conexão era com minha mãe, ainda mais que mesmo com meu jeito afeminado, ela nunca falou um “A” que me fizesse me sentir estranho, diferente ou que precisasse “corrigir” esse comportamento ou jeito. Eu nasci quando ela tinha 40 anos e hoje, está caminhando para 63. Vira e mexe, principalmente nas noites que já estou deprimido com alguma coisa, aquilo de mente vazia, oficina do diabo, me pego pensando sobre a finitude que eventualmente irá chegar. Fico bem assustado com uma realidade (que vai chegar, cedo ou tarde) em que eu acordo e ela não vai estar mais lá. Não que isso meu seja um diferencial, porque é comum se ver pensando nessas coisas, seja com um familiar, um amigo muito próximo ou alguém que temos carinho ou estima, mas é algo que me deixa bem emotivo e conectado ao mangá e ao protagonista.

– Minha mãe… acabou… de morrer. E eu… eu acho que… não sei mais… onde eu estou.

O Ozora é um fofo, um amor de personagem! Ele é doce, inocente, um que realmente não sabe o que fazer, como fazer e muitas vezes, o que pensar e como agir diante de certas situações, precisando de um empurrãozinho. E quem primeiro vai dar esses empurrões é o Daichi, o irmão mais velho do Ozora. E além de empurrões, esse vai ser o primeiro personagem que o Ozora vai resolver suas pendências nos primeiros pontos da (grande) viagem. Como o Daichi também saiu de casa alguns anos depois do pai deles, o Ozora nunca entendeu o porquê daquilo e sempre sentiu que, assim como o pai, o irmão também o estava abandonando.

É só por meio dessa viagem em que a relação dos dois é estranha e incômoda (propositalmente), e que eles finalmente podem conversar. Mas antes disso, o primeiro destino os leva à Londres, onde ele encontra a família de uma de suas amigas. Lá, o pedido que sua mãe deixou é que ele aproveite a estadia e saia para se divertir, sendo, inclusive, o primeiro dia que ele vai para uma festa noturna e enche a cara. E nesse momento, consegue colocar para fora e expressar um pouco de como estava se sentindo com a ausência da mãe e o quão solitário e perdido estava. Há cenas belíssimas aqui, como a que o Ozora lembra da sua mãe dizendo para seguir em frente (cena abaixo).

[no telefone] * Precisa seguir em frente *
– Não pare… Ozora. Você deve seguir em frente

Claro, isso tudo é só o começo e a viagem não termina aqui. Na sequência, o Ozora descobre que sua mãe quer que ele vá à Paris ver e se encontrar com outro conhecido dela e aqui que o Daichi entra em cena com maior peso. O Daichi mora há anos em Paris e durante a viagem até lá, ele começa a reparar mais no irmão que, embora tenha mudado um bocado (com barba e tatuagens), essencialmente, continua a mesma coisa (cabelo pintado, piercings…), o mesmo Daichi que ele se lembra da infância. E apesar dele, até esse momento, não compreender as motivações que o levaram a sair de casa, fica feliz com o reencontro e ter essa percepção de irmandade e família. As coisas ficam estranhas entre eles quando, ao chegar no apartamento do irmão em Paris, ele é recepcionado pelo Noah, o… marido do Daichi!

Tudo isso é um choque para ele, que não sabia que o irmão tinha se casado e menos ainda que ele era homossexual. Ele quer se convencer de que não é homofóbico, quando claramente está sendo, mas não pura e exclusivamente pelo horror a dois homens juntos, mas um misto com raiva pelo irmão nunca ter comentado nada e mais do que isso, ter ido embora o deixando sozinho com a mãe para viver uma vida feliz e tranquila com outra pessoa, longe de onde estavam e sem entrar em contato (ou ao menos é o que ele acredita). É depois de uma discussão terrível entre os dois que o Ozora vai refletir sobre o que ele disse e pensar no irmão, sobre qual estado de espírito ele estava para sair de casa e ir para outro lugar e nesse ponto, é sempre aquela coisa quando se é LGBTQIA+ (ou está sujeito à bullying/violência): implodir, praticar bullying com outros para desviar atenção ou ‘se rebelar’, que foi o que o Daichi fez. A expressão de yankee era uma manifestação disso.

* É isso que chamam de “escutar seu coração”?! *
– [é meu] … marido! OZORA?!
– Ele disse que adoraria tê-la conhecido…
* Se é verdade… vocês deveriam ter pedido demissão de seus trabalhos para ir vê-la *
– Vocês dois… não sabem absolutamente nada da mamãe.
– Sabe, o Noah só estava tentando te consolar…
– Bem, eu acho repugnante
* Ah… merda… *

E vale dizer, o Ozora por vezes age de forma imatura e egoísta (normal, já que ele ainda é novinho com 20 anos), várias vezes passando o que ele sente na frente e não levando em consideração que outros também podem estar sofrendo. A John Tarachine faz um trabalho ótimo com o personagem, que é contraditório e às vezes, controverso, como um sinal desse estado de transição e de não saber o que fazer, mas que também está disposto a mudar e aprender. Em diversas ocasiões ao longo dos volumes ele começa pensando de uma forma e muda esse pensamento, acha que é X e vê que é Y, briga, fica com raiva, discute, percebe equívocos, se convence sobre concepções e assim por diante. É um personagem rico e é uma experiência bacana de acompanhar esse vai e vem do personagem conforme segue viagem.

A autora também é condescendente com os outros personagens que cruzam o caminho dele. Alguns passam por dificuldades, por momentos difíceis, nem tudo tem uma solução prática, rápida ou fácil. Às vezes sequer vai encontrar solução, porque parte da obra também quer conversar que nem tudo vai ser resolvido e faz parte da vida. Nem tudo é sobre vitórias, mas também nem tudo vai ser sobre derrotas. Por vezes, fica pelo meio do caminho. Ficamos alegres, tristes, sem saber o que fazer, mas o importante é seguir em frente (ou pelo menos tentar).

* É aquela que a mamãe ouvia o tempo todo. Perfeitamente… irmão. É a nossa mãe. *

Para além do relacionamento conturbado com o irmão, ainda temos a questão com o pai que é o principal ponto que o pega, já que ele foi o primeiro a abandoná-lo e ainda mais novo do que em relação ao irmão. Começamos o mangá julgando o homem (junto do filho), mas parece que é o Ozora que não sabe tanto do porquê da situação e o que culminou na partida, assim como não sabia do que se passava com o Daichi, ainda mais que a mãe dele aparentava saber de tudo e só não o contou, creio que por ele ser só uma criança, mas ainda assim, a autora trabalha o personagem de forma a deixá-lo a sentir raiva, rancor, um certo remorso por tudo que aconteceu e acontece.

A certa altura do volume, um dos amigos do Ozora aparece e eles se encontram com os dois visitando locais de Amsterdam (Holanda/Países Baixos), enquanto que o personagem reflete sobre seus amigos e o que ele quer fazer da vida. E o volume #2 encerra com o anúncio de uma viagem para a Itália. E eu gosto como a John Tarachine usa essa viagem para não só o Ozora conhecer a si, mas resolver as pendências familiares enquanto cruza com pessoas com hábitos, modos de se viver e culturas diferentes das dele, que desconhece ou apenas não está familiarizando, quebrando preconceitos e conhecendo formas e cores diferentes das que ele conhece, o que para além de espairecer a mente, expande horizontes e abre margem para novos caminhos que ele pode trilhar.

* Eu a ouvia de fora… e automaticamente, eu me sentia mais tranquilo… *

Enfim, é um trabalho maravilhoso! De uma carga dramática excelente, com personagens ótimos, uma fluidez da comédia para o drama e vice-versa, sendo sublime! Foram dois volumes excelentes e, portanto, metade dessa história, e mal vejo a hora de ver os rumos que ela trará!


Sobre a mangaka, a John Tarachine, nós falamos da sua carreira quando recomendamos “Umi ga Hashiru Endroll” alguns anos atrás e de lá para cá, nada foi publicado e permanece atual as informações na outra postagem! Mas queria chamar atenção para a arte da autora. Lendo “Umi”, era muito claro que ela era uma mangaka cheia de talentos, com um estilo estético encantador e uma composição de cenas incrível! “Goodnight, I love you…” foi a primeira série dela e a primeira em demografia feminina e aqui, mais de 10 anos atrás, ela já era absolutamente impecável!!! Tem páginas LINDAS!

– … eles estão felizes

É deslumbrante o trabalho dela e a destreza com que compõe tudo, mesmo que a época ainda estivesse em começo de carreira (os seus primeiros trabalhos, publicados de forma independente, datam de meados de 2013).


Depois de “Umi ga Hashiru Endroll” e agora, “Goodnight, I love you…“, resta apenas “A Feiticeira do Castelo” (Azami no Shiro no Majo) entre os mangás Shoujoseis dela para ler, comentar e recomendar aqui no blog! Fico curioso para ler os BLs da mangaka também e espero ter a oportunidade de lê-los em anos futuros.

Em breve, postaremos o vídeo mostrando os 4 volumes da edição francesa, mas enquanto não o publicamos, deixamos a lista com todas as obras que já recomendamos aqui no blog. ^^

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