No nosso segundo texto de apresentação de Dezembro e, portanto, penúltimo texto de recomendação do ano, falaremos de uma obra de uma das mestras da comédia na demografia feminina: Kengai Princess, da Natsumi Aida!
“Kengai Princess” (圏外プリンセス) é um mangá Shoujo escrito e ilustrado pela Natsumi Aida. A obra começou a ser publicada em Junho de 2014, na revista Margaret da editora Shueisha. O mangá ficou em publicação até Maio de 2016, quando foi concluído em 7 volumes (último volume lançado no Japão em Junho/2016). Na França, o mangá foi publicado pela Akata entre Abril de 2016 e Julho de 2017, sendo que o 1º volume teve direito a uma edição especial, com capa exclusiva para a edição francesa, uma entrevista com a autora e página colorida.


Para escrever sobre o mangá, terei como base o primeiro volume da edição francesa que, aliás, é a edição especial ^^
“Ugly Princess” conta a história da Mito Meguro, uma garota que está no último ano do Fundamental II e é fã de otome games que quer ser amada, ter um namorado para chamar de seu e viver os romances colegiais tão tradicionais, o grande problema é que ela é feia. Um dia, quando o belo Kunimatsu fala com ela, ela decide parar de se lamentar e tentar se aproximar do garoto, afinal, nada iria acontecer se ela não tomar alguma iniciativa e assim começa uma comédia dessa personagem que é um tanto atípica.

Antes de entrar nos pormenores do mangá em si, acho importante dar um pequeno contexto sobre a série: A Natsumi Aida fez muito sucesso com “Switch Girl !!“, mangá em 25 volumes que foi um enorme sucesso na França (foi lançado pela Delcourt/Tonkam, na época em que a Akata trabalhava para a D/T), vendendo mais de um milhão de exemplares por lá. Em Julho de 2012, a autora foi convidada de honra da Japan Expo e lá, ela ficou profundamente tocada com o público, que amava seus mangás e percebeu que seu trabalho poderia ter um impacto positivo na vida das pessoas, o que a marcou particularmente. Depois do fim de “Switch Girl !!”, ela pensou em que tipo de mangá ela poderia desenhar e é, em partes, disso que nasce “Kengai Princess”.
A gênese do mangá também passa por algo que a autora conhece e entende desde muito cedo. A protagonista da obra é diretamente inspirada na própria Natsumi Aida, que comenta nesse primeiro volume ter percebido desde muito cedo que ela era vista como feia aos olhos dos outros. Esse é um fator muito importante, pois a Natsumi desenha essa protagonista com muita condescendência e delicadeza, ao mesmo tempo que consegue usar da comédia escrachada para as situações mais absurdas.

A Meguru tem alguns medos e ansiedades relacionados à sua aparência e ir para a escola não é exatamente algo fácil para ela. Embora ela tenha suas amigas – a Maru e a Haru -, ela foi vitima de chacota por causa de um garoto que ela gostava. Ela foi exposta quanto aos sentimentos que tinha por um colega de turma e completamente rechaçada na frente de toda a turma, o que é um trauma muito grande. No entanto, embora tenha passada por tudo isso e a certa altura, ela se cerque da idealização do seu jogo favorito, ela não consegue abandonar esse sonho de um relacionamento.
E é nisso que entra o Kanimatsu. Ele é da mesma turma que ela, é do clube de kendo, não parece ter muitos amigos, mas se dá bem com todos da turma, além de ser um rapaz muito bonito. Ele sai em defesa dela em uma dada situação e a ajuda a se levantar, e é esse evento que a deixa totalmente encantada pelo garoto. A partir desse momento, ela começa “planos ardilosos” (leia-se: planos banais) para tentar se aproximar do guri, mas sendo alguém completamente sem autoestima, dar um simples “bom dia” pode se mostrar uma tarefa para lá de complicada.

* Eu nem mesmo consegui dizer a metade do que eu queria… mas, de alguma forma, eu o cumprimentei… e no momento de voltar para casa, no entanto… *
– EU CONSEGUI!!
Eu não me acho uma pessoa bonita, muito longe disso e, embora eu não sofra algumas pressões como meninas sofreriam, eu tive muitos problemas de autoestima já na infância (some a uma questão de sexualidade e já viu…), grande parte por causa da minha arcada dentária que era muito torta/para frente, então por exemplo, quando eu ia tirar fotos, eu nunca sorria propriamente. Eu dava risinhos, mas nunca mostrando os dentes. Isso foi ficando de tal forma que só tirava foto com uma única expressão e, na verdade, eu evitava ao máximo tirar fotos. E tem uma passagem exatamente sobre isso no mangá! No caso, as amigas da Meguru comentam que notaram que ela sempre faz a mesma pose para as fotos, o que ela pensa que é porque ela notou que quando sorri, a cara dela fica estranha e o queixo duplo dela aparece e fazendo daquela forma, a foto fica minimamente decente. Quando digo que a autora é muito condescendente e delicada na maneira como retrata a sua protagonista, eu me refiro a esses momentos. Me senti abraçado em vários momentos ao longo desse volume. Foi uma leitura bem especial nesse sentido.

O que gosto aqui é que a autora vai aos poucos nesse caminhar da personagem: a própria Meguru, por ser muito ansiosa, fica indo e voltando, mas ela caminha bem devagarzinho. Ela mesma afirma para si mesma que não importante que se dê três passos e volte dois, o importante é que ela está caminhando e está tudo bem voltar alguns passos atrás. No fim das contas, acho que “vai ficar tudo bem” é o grande norte do mangá e toda vez que a personagem consegue chegar nesse ponto do “tudo bem”, a satisfação é imensa!
A certa altura da obra, a personagem faz uma alusão à “Cinderela” que é perfeita. Mas ela não é uma Cinderela qualquer, ela é uma Cinderela feia! E acreditem, isso é importante. A Meguru vai ser desafiada e desacreditada e quase que não há combustível maior do que provar a alguém que ela está errada, se equiparando com uma erva daninha, ou seja, difícil de exterminar.

* Uma punição, por que, de fato? Quem ela acha que é? Mas não subestime a Cinderela feia que eu sou!!! Eu vou provar que eu posso fazer esses 500 origamis em uma noite! E eu terei meu happy end com o Kunimatsu!
E vale menção, ainda, que a autora entrega rivalidade feminina, já que não são só os garotos que agem de forma depreciativa com ela, algumas meninas também se comportam de maneira abusiva e claro, a Meguru não deixa nem um pouco barato (mentalmente, já que ela não tem coragem suficiente revidar).
Por fim, acho que vale mencionar que a protagonista ser considerada feia não é por ela ser gorda – já que normalmente tem essa questão de associar pessoas gordas a feiura. Ela é vista como feia por causa do rosto dela (principalmente).

Embora nunca tenha sido publicada no Brasil, a Natsumi Aida é uma das mestras da comédia no mangá feminino. Mas não “qualquer comédia”, é a comédia pastelão, comédia escrachada, rasgada. Para mim, ninguém supera o talento da Aya Nakahara (Lovely Complex) nesse humor pastelão, mas conhecendo o trabalho da Natsumi Aida, ela não fica nem um pouco atrás e ela consegue adicionar algumas camadas a mais nos seus mangás, que os da Aya não necessariamente se propunham a ter/fazer, tornando a experiência de leitura mais complexa, no sentido de trazer sabores mais elaborados, por assim dizer. Inclusive, acho uma tristeza não termos trabalhos desse estilo no Brasil – do que me lembro, “LoveCom” é o único Shoujosei nessa linha no Brasil – e acho igualmente triste que não tenhamos (?!) mais autoras na ativa com esse humor tão escrachado, vide que já caminhamos para dois anos desde o último volume de uma obra da Aya Nakahara , e a Natsumi Aida comentou que pretendia se aposentar depois de ter lançado “Toudai-kun to Moto Gal-san: Kakusakon Royal“, mas pelo que vi de comentários, a sua ida à Bélgica neste ano parece ter dado fôlego para talvez um novo trabalho. De qualquer forma, não temos (ou temos pouquíssimas) autoras autoras com essa veia para comédia, o que eu considero uma perna enorme…
Eu já conhecia a Natsumi há alguns anos – muito por causa do seu sucesso na França -, mas nunca tinha lido nada dela até então. “Ugly” é, portanto, meu primeiro contato com o trabalho dela e eu fiquei maravilhado enquanto lia, ao ponto de terminar o volume completamente encantado! Ela consegue fluir da comédia ao drama de uma maneira impressionante. Logo no começo do volume, você vai do riso ao choro muito rapidamente e nesse ponto, eu acho que ela consegue dar alguns tons além do que a Aya Nakahara faz nos seus mangás. A Aya normalmente fica muito mais na comédia (e ela é perfeita nisso), não costuma focar tanto no drama, enquanto que a Natsumi trabalha com mais toques dramáticos logo de cara na obra.

Falando um pouco da carreira da Natsumi Aida, ela começou a publicar suas obras em meados dos anos 2000, começando com volumes únicos como “Junjou Porno” (2005) e “Kakumei Kyoushitsu” (2005-2006), ambos na revista Margaret. É em Agosto de 2006 que ela começa a publicar “Switch Girl!!“, o maior sucesso da sua carreira e sua maior obra (em extensão), tendo sido publicada até Janeiro de 2014, concluída em 25 volumes e com mais de 6 milhões de cópias vendidas no Japão, foi a obra que consagrou a carreira da mangaka. Depois de “Switch”, ela fez séries mais curtas: primeiro com “Kengai Princess” (2014-2017), seguido de “Analog Drop” (em 2 volumes) entre 2017 e 2018, depois com algumas séries lançadas apenas em formato digital (“Naraku no Hana” e “Kyoro-juu ni Hanataba wo“), até que finalmente chagamos em “Toudai-kun to Moto Gal-san: Kakusakon Royal“, que marcou a carreira da autora como sendo o primeiro mangá dela com outra editora (até então, ela só tinha trabalho com a Shueisha) e o seu primeiro mangá Josei! “Toudai-kun” foi publicado entre 2021 e 2024 na revista BE LOVE da editora Kodansha, sendo concluído em 7 volumes. Essa foi a última obra da autora até o presente momento.

A Natsumi Aida foi à Bélgica no começo desse ano participar da Foire du Livre de Bruxelles, aproveitando o lançamento de “Toudai-kun” pela Akata (sob o título “Le Bourge et la Cagole“). Lá ela deu entrevistas (inclusive, publicaremos a tradução de uma dessas entrevistas com a autora amanhã), conversou com o público e para o volume #3 do mangá, ela fez um posfácio exclusivo. Ouvi dizer que nele, a autora comenta que já havia pensado na aposentadoria dela, mas que a ida à Bélgica deu um fôlego para ela, então talvez tenhamos uma nova série da autora no futuro, mas nada concreto ainda…
“Kengai Princess” me foi uma belíssima surpresa. Um mangá doce, cheio de energia, terrivelmente divertido, que acalenta e abraça seu público. Possui uma fluidez enorme, passando de momentos fofos, ao humor escrachado e o drama, sem deixar a peteca cair em momento algum. Fiquei profundamente maravilhado com a obra e eu espero que ela agrade a vocês também!
Esse foi o nosso penúltimo texto de apresentação de 2025. Nos vemos no Natal para o último do ano ^^. Abaixo, como de costume, deixamos o vídeo mostrando a edição francesa e na sequência a lista com todas as obras que já recomendamos aqui nessa nossa coluna do blog (essa é a 40ª recomendação, aliás!).
*vídeo*
- A sign of Affection (Yubisaki to Renren);
- À tes côtés (Hananoi-kun to Koi no Yamai);
- Switch me On (Honnou Switch);
- Goodbye my Rose Garden (Sayonara Rose Garden);
- Le Requiem du Roi des Roses (Baraou no Souretsu);
- Perfect World;
- Les Chroniques d’Azfaréo (Azufareo no Sobayounin);
- Sasaki et Miyano (Sasaki e Miyano);
- Ocean Rush (Umi ga Hashiru Endroll);
- Burn the House Down (Mitarai-ke, Enjou suru);
- Good Morning, Little Briar-Rose (Ohayou, Ibarahime);
- Cherry Magic;
- Veil;
- Mon mari dort dans le congélateur (Watashi no Otto wa Reitouko ni Nemutte Iru);
- Canção do Amanhecer (Yoake no Uta);
- Vampeerz;
- Entre nos mains (Kakeochi Girl);
- L’histoire de papa, papa et moi (Boku no Papa to Papa no Hanashi);
- Whispering – Les voix du silence – (Hisohiso -Silent Voice-);
- & (AND);
- Nina du Royaume aux étoiles (Hoshi Furu Oukoku no Nina);
- Don’t Fake your Smile (Niji, Amaete yo.);
- FANGS;
- Rouge Éclipse (Sora wo Kakeru Yodaka);
- Petit requin (Odekake Kozame);
- Et plus si affinités ? (Majime ni Fujun Isei Kouyuu);
- L’amour est au menu (Tsukuritai Onna to Tabetai Onna);
- Gene Bride;
- Enfer et contre toutes (Jigoku no Girlfriend);
- Ton visage au Clair de Lune (Uruwashi no Yoi no Tsuki);
- Remember Me, la magie de l’amour (Shi ni Modori no Mahou Gakkou Seikatsu wo, Moto Koibito to Prologue Kara (※Tadashi, Koukando wa Zero);
- L’Internat des Fleurs (Mejirobana no Saku);
- Home Far Away (Haruka Tooki Ie);
- Como Conheci a Minha Alma Gêmea (Unmei no Hito ni Deau Hanashi);
- Les Noces de l’Or et de l’Eau (Kin no Kuni Mizu no Kuni);
- Mr. Mallow Blue;
- BOYS OF THE DEAD;
- Black Rose Alice (Kuro Bara Alice);
- Goodnight, I love you…;
- La Belle & la Racaille (Sukeban to Tenkousen);
