Finalzinho de agosto e aqui estou para mais uma recomendação! Os textos de recomendações que fazemos aqui visam principalmente obras inéditas no Brasil (ou seja, não licenciadas aqui), mas ocasionalmente comentamos algum recém anunciado ou em vias de ser publicado como “Ohayou, Ibarahime” (Bom dia, Bela Adormecida), “Yoake no Uta” (Canção do Amanhecer) ou “Uruwashi no Yoi no Tsuki” (Sob a Luz da Lua), e focando em obras de demografia feminina (Shoujo, BL, Josei e Yuri), sendo que as únicas exceções a essa regra são os Yuris publicados em revistas Shounen ou Seinen (caso de “Sayonara Rose Garden” e “Vampeerz“). A ideia é justamente falar de obras que não tenham visibilidade, afim de apresentar novas obras que talvez sejam desconhecidas do mercado e servir como dicas de leituras, além de tentar contribuir para a quebra da imagem de que Shoujo (e Josei) é puramente romance, como se essas demografias não explorassem outros aspectos e gêneros além do romance.

A obra escolhida para o mês é “Kin no Kuni Mizu no Kuni” (金の国水の国), Josei de fantasia da Nao Iwamoto! O mangá começou a ser publicado em outubro de 2014 na revista flowers da editora Shogakukan e foi encerrado em abril de 2016. Seus capítulos foram compilados em um volume único (lançado em julho de 2016). Anos depois, em dezembro de 2022, a Shogakukan relançou o mangá em uma edição especial em formato maior, laminação dourada na capa e páginas coloridas. Essa edição especial foi lançada em celebração ao lançamento do filme animado. Esse anime foi anunciado em junho de 2022 e lançado em janeiro de 2023, contando com animação da MADHOUSE e direção da Kotono Watanabe, que trabalhou em animes como “Ore Monogatari!“, “Chihayafuru” e “Minha História de Amor com Yamada-kun Nível 999“. Além disso, o mangá ficou em 1º lugar no “Kono Manga ga Sugoi! 2017” na categoria de Mangá Feminino e foi nominado ao 10º Manga Taishō também em 2017.

Para falar do mangá no blog, usarei como base a edição francesa que, vale dizer, foi lançada tanto na edição regular (em tamanho menor) como na edição especial (formato maior e com acabamento especial) ^^
Em “O Casamento do Ouro e da Água” (em uma tradução literal do título francês) traz como cenário, dois países (A e B) que, ao longo de centenas de anos, nunca se entenderam e frequentemente entravam em disputas e guerras por coisas banais. Deus, então, se cansou daquilo e decidiu intervir: ‘decretou’ que o País A deveria enviar sua dama mais bonita em casamento ao País B, enquanto que o País B, por sua vez, enviaria seu rapaz mais inteligente para se casar. O casamento arranjado traria uma oportunidade de conversa entre as duas nações e assim, quem sabe, um tratado de paz… Nesse interim, no País A temos a Sarah, a 93º princesa do reino (são 100 princesas herdeiras no total), e no País B, temos o Naranbayar, um homem comum que não tem um trabalho devido às políticas catastróficas adotadas pelo Khan do país, mas é um estudioso e grande entusiasta de tecnologia. Ambos não são exatamente pessoas do mais “alto escalão” de seus países e, na verdade, são bem destratados: o Narabayar é visto como um problema por causa das críticas ao governo e poderia ser ‘descartado’ nesse compromisso de casamento, enquanto que a Sarah é uma princesa que vive longe dos holofotes (diferente de suas irmãs) e tal qual o Narabayar, também poderia ser “descartada”.

Vale dizer que o País A (o País do Ouro) é rico, porém enfrenta uma forte escassez de água e ao passo que as coisas vão, não irá demorar décadas para que aquela nação vá a ruína pela falta hídrica. Enquanto isso, no País B (o País da Água) é pobre, porém com uma alta disponibilidade de água e com florestas tropicais robustas. E essa diferença entre ambos que é um assunto de disputa e debate, já que um está de olho na água e o outro, na riqueza.
O fato consumado é que os governantes de ambos os países não estão interessados em se entender, então o País A envia uma gata chamada Odonchimeg no lugar da Sarah, enquanto que o País B envia um cachorrinho caramelo chamado Luqman como forma de provocação e incitar uma guerra entre os dois países. Vendo que essa possibilidade absurda poderia se consumar, a Sarah decide fingir que está tudo seguindo como o ideal, enquanto que o Naranbayar faz o mesmo. Por uma razão e por outra, os dois acabam se encontrando nas florestas do País B e ele, sem saber que a Sarah é sua esposa/noiva prometida e vice-versa, a ajuda. Para conter os ânimos e evitar que uma guerra exploda, a Sarah decide por pedir ao Narabayar que ele se passe por ser noivo durante algum tempo e assim, acompanhamos a história desses dois.

– Vamos dizer ao rei que o País B zomba de nós!!
– Não, espere!! Você não acha que isso não pode desencadear uma nova guerra? Vamos evitar alertar quem quer que seja enquanto o País B não se manifestar. Além disso, o meu pai certamente matará este pobre totó. Na verdade, me tranquiliza que seja um cachorro…
Aqui, a Nao Iwamoto traz uma fantasia super gostosa de ler, com personagens cativantes e um tanto excêntricos, especialmente os personagens do País B, com toques de intrigas políticas. E nessas intrigas que o Naranbayar vai entrar para ajudar a conter, isso porquê algumas das (muitas) irmãs da Sarah estão curiosas com a figura do noivo e ver se ele é, de fato, o membro mais inteligente do País B. O Naranbayar entende de tecnologia e fica entusiasmado com os avanços tecnológicos daquele reino, então sustentar uma conversa não é exatamente um problema para ele. Ele só precisaria atuar como noivo.
O que acho legal esse primeiro encontro “formal” entre as partes, porque no País A, relacionamentos não monogâmicos são o mais comum, e uma grande parte das princesas se relaciona ou mantém como amante o mesmo homem, o Saladin, que também é ministro do país. O Naranbayar, nesse momento, tem um grande choque cultural, dado que isso é impensável no país dele. Nessa discussão de monogamia, tem uma cena super bonitinha com o Naranbayar refletindo sobre companheirismo com a pessoa amada e comenta que o melhor companheiro seria aquele que não come o último biscoito sem antes oferecer para o namorada (lembrando que ele vem de um país pobre, com alimento escasso). E embora ele em si não ache normal e estranhe o relacionamento aberto, dado que a construção cultural dele é outra, não sinto que a autora aponte o dedo ou julgue as princesas por pensar daquela forma. Ela estabelece a diferença cultural, mas sem julgamentos de um com o outro e vice-versa.

– Muito obrigada…
E falando nessa diferença cultural, outro aspecto bacana vai para as diferenças de paisagens que a autora se inspirou para compor essas duas regiões. Gosto de como a autora ambienta eles, com o País A sendo árido e enfrentando problemas com água, a arquitetura, as vestimentas e os ambientes são inspirados em países árabes, enquanto que o País B tem sua flora e fauna claramente inspirado nas florestas tropicais da América do Sul, em especial, do Brasil, já que podemos ver até espécies nativas daqui no mangá, como a Bougainvillea sp. (gênero de plantas popularmente conhecidas como “Primavera”) e a arara-vermelha.
O Naranbayar é alguém um pouco desajeitado, mas gentil e verdadeiramente companheiro. Ele não só aceita se passar por noivo, como se entrega verdadeiramente nessa ideia. E por estar tão envolvido que ele entra em uma disputa política para a construção de um aqueduto que vai do País B ao País A, dado que se isso não for feito, em poucas décadas, o país vai implodir por causa da escassez. O Naranbayar conseguiu convencer o Saladin que apesar de ser ministro, era mais uma figura decorativa do que alguém que tomava ações, a agir pela construção desse aqueduto. Para ele, fica claro duas coisas: precisam de um plano bem elaborado para convencer o arquiteto do reino a abraçar a obra; e o segundo é que com a movimentação deles, vai despertar a ira de setores daquele reinado, principalmente entre aqueles que são contra a aliança e o tratado de paz entre os países, colocando a vida do Saladin e do Naranbayar em risco.

Se no primeiro ato, é o Naranbayar que vai ao País A, a certa altura do mangá, é a Sarah que vai ao País B graças a Odonchimeg que acaba fugindo do palácio e ela vai atrás. Lá ela vai encontrar a família do Naranbayar e, assim como ele fez por ela, também vai precisar se passar por noiva dele, porque o Khan rapidamente fica sabendo que ela está no país e vai até o seu encontro para verificar se ela é realmente a “mais bela filha do rei”. Como (acho que) deu para ver, a Sarah não está exatamente dentro do padrão de magreza (mas também não sei se de gorda) e acaba sendo um pouco complexo para ela, que não consegue se enxergar como bonita igual as outras irmãs (todas magras, de grandes seios etc…), tanto que na comissão de chegada do Khan, ele não a acha grande coisa e os demais soldados até caçoam da cara dela. Ela não se deixa abalar de momento, sustenta sua posição e até encara um desafio proposto pelo Khan que ameaçava algumas pessoas da vila e o vence com certa facilidade até. ^^
Porém, passada toda aquela comoção, aqueles comentários ressoam em sua mente ao ponto de deixá-la bem triste, já que ela não se sente bonita e não se acha bela. Ao vagar sozinha pela noite, tentando voltar para casa, ela acaba encontrando o Naranbayar e eles conversam brevemente. Ela não chega a comentar tudo o que aconteceu já que ambos precisam ir aos seus respectivos países, mas ele a conforta a sua maneira e cada um segue seu rumo, com aquela situação o deixando incomodado, já que ele a deixou só. Esse último aspecto vai ser importante para o ato final do mangá, que não entrarei em maiores detalhes para não estragar o desenrolar.


Principalmente a partir da segunda metade do mangá, quando vamos nos aproximando do fim da obra, fica bem evidente que o mangá poderia ser um pouco maior do que ele é. Creio que se tivesse mais um volume, seria uma história perfeita, pois por causa do espaço curto, algumas situações precisam passar mais rapidamente, como o encontro da Sarah com o Khan do País B. Não é que fique extremamente corrido, mas desperta mais a curiosidade de conhecer sobre os personagens que aparecem nesse enorme pano de fundo do mangá. Por exemplo, o Khan do País B parece ser uma gay tóxica, mas não fica totalmente explícito e eu gostaria de ver mais de sua figura. O meu único problema real com a obra fica nessa questão de “País A” e “País B”, que eu acho simplista e até preguiçoso, quando esses países poderiam ter nomes (como “País do Ouro” e “País da Água” como enuncia o título da obra). Mas de resto, é uma ótima romantasia ^^

Falando da Nao Iwamoto e sua carreira, ela estreou como mangaka em 2004, quando venceu o 10º “Gekkan Flowers Comic Audition Golden Flower Award” com o one-shot “Sono Kanojo no Sonzai“, trabalho esse que foi publicado na edição de maio/2004 da revista flowers, uma das mais célebres revistas da Shogakukan e uma das mais importantes para a demografia feminina. Nos meses seguintes, a autora foi publicando mais one-shots e teve seus primeiros trabalhos compilados em um volume único intitulado “Skeleton in the Closet“. A obra foi lançada em 2005 sob o selo da flowers e incluiu o trabalho de estreia da autora mais outras oito histórias. Em 2006, ela lança “Yesterday, Yes a day” que embora ainda seja um volume único, é a primeira história dela com vários capítulos. Até que em 2007 ela estreia duas séries e sendo elas, as primeiras séries longas da autora “Machi de Uwasa no Tengu no Ko” (muito conhecido como “Spiritual Princess“) e “Amenashi Murayakuba Sangyouka Kenkan Kougakari“. O primeiro foi publicado na flowers entre 2007 e 2013 sendo concluído em 12 volumes. Já o segundo saiu na revista Rinka entre 2007 e 2010 e foi concluído em 3 volumes. Em 2014, veio “Kin no Kuni Mizu no Kuni” e desde setembro de 2016, a autora publica “Maronie Oukoku no Shichinin no Kishi” na revista flowers. A obra conta com 10 volumes publicados e parece que está rumando para o seu fim.

A época do começo de “Kin no Kuni”, a Nao Iwamoto estava completando seu 10º ano de carreira de mangaka e estava bem consolidada aquela altura, principalmente por causa de “Machi de Uwasa no Tengu no Ko”. Eu não cheguei a ler “Machi”, mas tenho curiosidade. Na França, se fala muito bem da obra que está indisponível há anos por lá. Agora o que estou curioso para ler mesmo é “Moronie” que está em publicação na França desde o começo de 2025 (também pela Akata) sob o título “Les 7 Chevaliers du Royaume des Marronniers” (e que comentarei no blog em 2026), que venceu o ‘Kono Manga ga Sugoi! 2018’ na categoria de Manga Feminino e que parece promissor, e novamente a autora trabalha com a fantasia e elementos políticos! “Kin no Kuni” tem uma boa arte e tem alguns painéis que são particularmente bem inspirados, lindos de ver (especialmente na segunda metade). Estou bem curioso para ver a progressão da autora em um trabalho mais recente!


Para “O Casamento do Ouro e da Água” é isso! Recomendo vivamente darem uma olhada no mangá ou mesmo vasculhar o filme animado por aí. É um mangá bem divertido e super gostosinho, com personagens adoráveis e um romance fofinho! E se você gosta de romantasias, não hesite em conferir também as recomendações de “Shi ni Modori no Mahou Gakkou Seikatsu” e “Azufareo no Sobayounin” aqui no blog. ^^
Abaixo, deixaremos o vídeo mostrando a edição francesa e em seguida, a lista com todas as obras que já escrevi recomendando!
- A sign of Affection (Yubisaki to Renren);
- À tes côtés (Hananoi-kun to Koi no Yamai);
- Switch me On (Honnou Switch);
- Goodbye my Rose Garden (Sayonara Rose Garden);
- Le Requiem du Roi des Roses (Baraou no Souretsu);
- Perfect World;
- Les Chroniques d’Azfaréo (Azufareo no Sobayounin);
- Sasaki et Miyano (Sasaki e Miyano);
- Ocean Rush (Umi ga Hashiru Endroll);
- Burn the House Down (Mitarai-ke, Enjou suru);
- Good Morning, Little Briar-Rose (Ohayou, Ibarahime);
- Cherry Magic;
- Veil;
- Mon mari dort dans le congélateur (Watashi no Otto wa Reitouko ni Nemutte Iru);
- Canção do Amanhecer (Yoake no Uta);
- Vampeerz;
- Entre nos mains (Kakeochi Girl);
- L’histoire de papa, papa et moi (Boku no Papa to Papa no Hanashi);
- Whispering – Les voix du silence – (Hisohiso -Silent Voice-);
- & (AND);
- Nina du Royaume aux étoiles (Hoshi Furu Oukoku no Nina);
- Don’t Fake your Smile (Niji, Amaete yo.);
- FANGS;
- Rouge Éclipse (Sora wo Kakeru Yodaka);
- Petit requin (Odekake Kozame);
- Et plus si affinités ? (Majime ni Fujun Isei Kouyuu);
- L’amour est au menu (Tsukuritai Onna to Tabetai Onna);
- Gene Bride;
- Enfer et contre toutes (Jigoku no Girlfriend);
- Ton visage au Clair de Lune (Uruwashi no Yoi no Tsuki);
- Remember Me, la magie de l’amour (Shi ni Modori no Mahou Gakkou Seikatsu wo, Moto Koibito to Prologue Kara (※Tadashi, Koukando wa Zero);
- L’Internat des Fleurs (Mejirobana no Saku);
- Home Far Away (Haruka Tooki Ie);
- Como Conheci a Minha Alma Gêmea (Unmei no Hito ni Deau Hanashi);
