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O romance entre um garoto afeminado e uma 'garota samurai'!

É Natal e tradicionalmente, um dia de festas e reuniões familiares. Sendo Natal, temos uma data que pede coisas mais leves, então achei que os textos de apresentação do mês deveriam refletir a data e essa época. Depois de recomendar “Sukeban to Tenkousei” e “Kengai Princess“, hoje a recomendação vai para o divertidíssimo “Mizutama Honey Boy“! ^^

Mizutama Honey Boy” (水玉ハニーボーイ) é um mangá Shoujo que foi escrito e ilustrado pela Junko Ike. A obra nasceu como um one-shot, lançado em janeiro de 2014 na revista LaLa, da editora Hakusensha. Devido ao sucesso deste one-shot, a autora teve a oportunidade de transformar a obra em uma série, sendo publicada entre 2014 e dezembro de 2018. O mangá foi concluído em 10 volumes, sendo que o último tomo teve direito a uma edição especial no Japão nos volumes 5 e 10 que tinham capa variante e cada uma incluiu um livreto com mangá bônus e ilustrações da obra. Na França, o mangá saiu pela Akata entre setembro de 2019 e janeiro de 2022 sob o título “My Fair Honey Boy”.

Capa da edição de Fevereiro/2019 com “Mizutama Honey Boy” na capa, celebrando a conclusão da série na revista.

Para escrever esta recomendação, estarei usando o 1º volume da edição francesa como base!


“My Fair Honey Boy” vai contar a história da Mei Sengoku, que é presidente e capitã do clube de kendo do colégio. Muito popular entre meninos e meninas da escola, ela é conhecida por sua calma e força. Na outra ponta da história, temos o Shirô Fuji, um garoto afeminado que todos pensam ser gay, mas que um dia, declara seu amor para a Sengoku, que não está interessada em romances e o rejeita. Motivado a conquistá-la, ele continua com suas investidas para consolidar uma relação mais próxima com ela, ainda que não romanticamente. E esse o start da uma comédia romântica ‘fora do convencional’, por assim dizer.

– Eu adoraria que você fizesse de mim, sua alma gêmea.
* É a primeira vez que estou diante de tal situação… Eu me chamo Mei Sengoku. Formidável kendoka, eu sou capitã do clube desde o colégio… e talvez por causa da minha personalidade natural e franca, muitas meninas me fazem declarações de amor. Mas… ele entra em qual categoria? *

A Junko Ike brinca com papéis de gênero na construção de seus personagens nesta série: a Sengoku, cujo nome é inspirado no período Sengoku (1477-1573) e época dos grandes samurais, é uma garota que está um tanto distante do perfil de feminilidade. Ela preza pela força e treina para ser a mais forte, sendo muito influenciada pela família nesse sentido, por isso tamanha dedicação ao clube de kendo. Enquanto que o Fuji é afeminado, delicado, gosta de coisas tipicamente femininas (cozinhar, costurar, algumas coisas mais “frufus”…). O Fuji seria o perfil de “recatada e do lar”, a Sengoku seria a “provedora” se fossemos enquadrar os personagens nesses moldes machistas. E é por brincar com essas “convenções” que a obra ganha brilhos e camadas mais especiais.

Mais especial ainda, se torna no fato do Fuji não ser gay. Há todo um culto de que se você não performa masculinidade, você é gay (da mesma forma que se a mulher não performa feminilidade, ela é lésbica). As nossas sociedades, principalmente aqui no ocidente, mas creio que no oriente, em alguma medida, também, reforçam a questão da masculinidade (tóxica) como um sinal de “ser homem de verdade” e como ela (a masculinidade) é aversa ao feminino. Ela o vê de forma depreciativa, como algo menor. Então tudo que é feminino é inferior nessa lógica. Então o Fuji acaba sendo alvo de comentários maldosos, piadas e mesmo a Sengoku no comecinho não leva à sério a declaração do Fuji e até acha que ele a confundiu com algum garoto. O que gosto tanto no personagem é que a autora o defende no seu modo de ser, em momento algum longo desse volume eu sinto que ela “repreende” o personagem ou sugere que ele precisa mudar em algum aspecto.

[nos quadros mais inferiores]
– Wah! É transparente, vemos tudo. Muito maneiro!
– Qu-
– Bando de idiotas! Não é um espetáculo!!
– Mas…
– Para mim, isso não me incomoda. Divirtam-se.
– Fuji…
– Não deve ser fácil organizar o festival esportivo sob a chuva. Mas…

No Brasil, o principal nome na demografia feminina que me vem a cabeça quando falamos de homens afeminados é “Otomen – Um Doce de Garoto“, Shoujo da Aya Kanno (conhecida hoje em dia por “Baraou no Souretsu“), que chegou a ser lançado no Brasil pela Panini (2009-2010), mas foi cancelado após 7 volumes. Na França, ainda consigo pensar em outros exemplos, como “Ore-sama Teacher” (Fight Girl), da Izumi Tsubaki. No Shounen, um que eu acho simbólico é “Kawaii Dake ja nai Shikimori-san“, do Keigo Maki, que também traz essa figura da garota forte e do menino delicado, sendo ele a “princesinha” da relação.

O fato é que sempre acho muito bem-vindo quando temos obras que estão dispostas a falar e mostrar que a maneira como você se veste ou se comporta, não quer dizer necessariamente sobre a sua orientação sexual e são coisas muito distintas. Ter esse tipo de personagem, defendendo eles ao seu jeito e modo de ser, é algo que eu particularmente considero como revolucionário. ^^

Capa nacional do primeiro volume de “Otomen” e capa japonesa do primeiro volume de “Shikimori-san

Nesse sentido, outra coisa que gosto está justamente nessa relação de força. Não a força física propriamente, mas a força das ações e da coragem. Não é à toa, mais para o fim do volume, a Sengoku fica tentando entender de onde vem essa força que o Fuji possui e vai para uma investigação na tentativa de compreender melhor.

Tem um conflito legal na maneira como a Sengoku enxerga e lida com o Fuji, porque ela se sente mexida por ele em alguns momentos, mas tem um conflito interno, porque ela vê “ser protegida” como um sinal de fraqueza, algo que reprime totalmente, e ao longo desse volume, vemos situações da personagem ser perseguida, ter alguma tentativa de agressão na escola, ou mesmo algum acidente, e nessas ocasiões, o Fuji estava lá e intervém a sua maneira. Se ele não consegue ajudar com força propriamente, ele usa de outros meios e recursos para ajudar a pessoa que ele ama. E ele não o faz pensando querer mostrar ser mais forte que ela ou a depreciar de alguma forma, é tudo feito de maneira genuína de alguém que ama e quer o bem da pessoa amada, coisa que a Sengoku tem um pouco de dificuldade e enxergar e compreender.

– Você realmente fica desconfortável quando as pessoas cuidam de você, não é? Relaxa, eu estou aqui para te proteger!
* Isso me irrita… eu poderia dizer o mesmo para a outra vez… mas agora, eu não posso recusar a ajuda dele.

No primeiro volume, também temos a introdução do Nanao, amigo de infância da Sengoku e que também compartilha interesse pelo kendo. Ele aparece na ideia de “rival amoroso”, disputando o amor da Sengoku, e fazendo isso de uma maneira bem… torta, mas acaba que no fim das contas, o personagem acaba ficando interessado no Fuji! Óbvio, por mais que você tenha momentos sérios, essa é uma comédia romântica e as vezes, bem pastelona. Vários momentos são levados mais como piada. Mas ainda assim, não deixa de ser um aspecto interessante, ainda mais que parece que a autora vai levar esse “romance” à frente.

Nem toda piada acho que funciona bem. Tem outras que olhando hoje, não envelheceram bem, mas o todo da série é positivo, ainda mais pensando que é um mangá que começou a ser publicado há mais de 10 anos atrás. Eu gosto da comédia, dos personagens, das situações que eles se encontram e na maneira como a autora retrata os personagens e os seus sentimentos, de forma que ao terminar o volume 1, minha maior tristeza foi não ter os próximos para continuar lendo.

SEU GROSSEIRO!! Continuar lutando mesmo que esteja machucado… manter a forma física e saber reagir em casos de crise é essencial. E vocês têm toda razão de estarem prontos para isso antes de um combate. Mas… Nanao, você luta para ganhar o direito de sair com a Sengoku, não é? E, no entanto, você coloca a luta em primeiro lugar, enquanto que a garota que você ama está machucada! Você não tem vergonha como homem? Reflita sobre o seu comportamento!! Vamos para a enfermaria, Sengoku. Você pode caminhar?

Eu gosto do trabalho da Junko Ike que na época da publicação de “Mizutama”, ainda estava bem no começo da sua carreira (hoje em dia ela é uma das grandes autoras da revista LaLa) e essa foi a primeira série longa dela. Anteriormente, ela vinha de trabalhos mais curtos como one-shots, volumes únicos e séries curtas (2 volumes), alcançando um novo patamar na sua carreira e dentro da LaLa com esta série.

A Junko Ike debutou a carreira de mangaka no começo dos anos 2010 na revista LaLa e suas revistas associadas (LaLa DX, LaLa Fantassy e Shiro LaLa). A primeira publicação na revista principal da LaLa se deu em 2013 com o mangá “Sora no Yousei“, um volume único. Em 2014, ela lança o one-shot que deu origem a “Mizutama Honey Boy” e devido ao sucesso, ganha a chance de lançá-lo como série (esse primeiro capítulo está incluso no volume como Capítulo 0), sendo o trabalho que consolidou a carreira da mangaka. Após “Mizutama”, damos destaque para três trabalhos dela: “Suenagaku Yoroshiku Onegai Shimasu“, publicado entre novembro de 2019 e agosto de 2025, com o 15º e último volume tendo sido lançado em 5 de dezembro no Japão; “3-gatsu no Hekireki“, que ela começou a publicar em junho de 2024 na LaLa DX e que já é um grande sucesso com apenas 2 volumes lançados; e “Gaman Shinaide Dakishimete“, o primeiro BL da autora que é publicado na revista BLaLa, a revista BL da LaLa. Esse último a autora só publicou um capítulo até agora (lançado em março de 2024).

Capas japonesas de: “Sora no Yousei“, “Suenagaku Yoroshiku Onegai Shimasu” #1 e #15 (último), “3-gatsu no Hekireki” #1 e o primeiro capítulo de “Gaman Shinaide Dakishimete“.

A Junko foi bem pouco publicada no ocidente. Mesmo na França, só “Mizutama” dela que foi publicado. Espero que com a crescente da popularidade dela no Japão, isso crie combustível para ver mais trabalhos dela sendo lançados nos países ocidentais.


Recomendo a leitura de “Mizutama Honey Boy”. Infelizmente, não é todo dia que encontramos mangás que estão dialogando com personagens que fujam desse padrão de masculinidade (ou até de heteronormatividade). É um bom romance e uma ótima comédia!

Esse é o nosso último texto de recomendação de 2025. Ao longo do ano, foram publicados 17 textos, com ao menos um por mês, sendo que quase todos estão na demografia feminina (Shoujo, Josei ou BL). Obrigado a todos que leram e consideraram ler essas obras e nos vemos em 2026, já no comecinho do ano, para mais recomendações! ^^

– Sengoku… que audácia <3

Em breve, como de costume, deixaremos o vídeo mostrando a edição francesa. Enquanto não o lançamos, segue a lista com todas as obras que já recomendamos no blog (em cada título, está linkado o post da obra respectiva).