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Os encontros culinários entre duas mulheres.

É fevereiro de 2025, época do Dia dos Namorados na maior parte do mundo, incluindo o Japão, e aproveitei a ocasião para mais um texto de apresentação, com um Josei Yuri! Relembramos: selecionamos mangás de demografia feminina (Shoujo, Josei, BL…) que não são licenciados no Brasil (principalmente) e que sejam pouco conhecidos ou que estão em um momento legal para serem comentados.

“L’amour est au menu” é um mangá escrito e ilustrado pela Sakaomi Yuzaki. O mangá é lançado no Japão sob o título “Tsukuritai Onna to Tabetai Onna” (作りたい女と食べたい女) e está em publicação desde 2021 na revista Comic it da editora ASCII Media Works (que pertence à KADOKAWA). A obra está em andamento com 5 volumes publicados e possui 800 mil cópias em circulação. A obra recebeu uma adaptação em live-action contando com 2 temporadas, exibidas em 2022 (10 episódios) e 2024 (20 episódios). A série ainda ficou em 2º lugar no ‘Kono Manga ga Sugoi! 2022’ na categoria de Mangá Feminino, atrás apenas de “Umi ga Hashiru Endroll“. Na França, o mangá foi anunciado no começo de novembro de 2023, na ocasião da Y-Con (um evento voltado principalmente ao BL no país) e começou a ser publicado em junho de 2024, possuindo 3 volumes lançados e 4º previsto para meados de Março/2025.

Para falar do mangá, estarei utilizando os volumes 1 e 2 da edição francesa como base. ^^


“L’amour est au menu” conta a história da Nomoto, que é uma mulher completamente apaixonada por cozinhar, tendo até um perfil nas redes sociais para publicar fotos dos pratos que cozinha. Um problema, porém, é que ela não come muito e tem o sonho de fazer grandes pratos, com maior elaboração e logística da parte dela. Uma noite, quando voltava para casa após um dia de trabalho estressante, ela acaba fazendo comida demais e encontra com sua vizinha, a Kasuga, que tem um grande apetite, a chamando para comer sua comida. A partir dali, as duas passam a dividir jantares e conversas, estabelecendo uma amizade e algo além disso…

– …
– Então, se eu entendi bem… você quer que eu coma isso?
– Ah, eh, sim… eu amo cozinhar e acabei fazendo muito em termos de quantidade, então me perguntei “Por que não compartilhar?” e… como nos falamos ontem, pensei em você… me desculpe, você deve achar isso desagradável, eu entendo…
* Eu devo estar louca! *

A Nomoto, por gostar de cozinhar, frequentemente é tida como uma ótima mulher para se casar, que seria uma ótima mãe, sendo que ela tem horror a isso (especialmente com homens), além de estar sujeita aos comentários dos outros que acham que podem falar algo a respeito da sua vida pessoal, além da misoginia no âmbito de seu trabalho. Mas é, em partes, graças a um desses causos inconvenientes e incômodos que a Nomoto sofre que ela vai conhecer melhor a Kasuga. Algo que aparece na sinopse francesa do mangá é: “Sua vida [da Nomoto] pode muito bem ganhar novas cores” e acho que isso define bem essa constituição inicial do relacionamento entre as duas. Antes de conhecer a Kasuga, o maior dos prazeres da Nomoto era apenas cozinhar, mas quando ela passa a se relacionar, inicialmente, como uma amiga e companhia para jantares, com a Kasuga, descobre que existe um prazer ainda maior em compartilhar a comida e ver os outros comendo, além de claro, ter alguém que a entende e que possa dividir o que sente e passa.

– Você seria uma ótima mãe… eu adoraria ter uma namorada que preparasse bentôs como esse para mim
* Ah… ok… minha paixão é algo que os homens podem dizer ser um dever… *

A Kasuga, por sua vez, é uma personagem interessante, porque ela tem uma construção muito sutil ao longo desses dois volumes que li. A Kasuga do 1º capítulo do volume 1, é muito diferente da Kasuga do final do volume 2. E essa mudança é feita de maneira gradual e sutil, ao ponto de que você vai vendo ela se tornando mais aberta, embora ainda muito contida, porque esse é o seu jeito no fim das contas. e de primeira, nem nota, porém, conforme vai caminhando, se torna muito visível o quão mais expressiva ela se tornou ao fim do 2º tomo. Como a perspectiva do mangá é majoritariamente do ponto de vista da Nomoto, raramente vemos o ponto de vista da Kasuga em pensamento e dessa forma, ela se torna uma figura mais intrigante narrativamente. A medida que a Nomoto começa a ficar cada vez mais encantada por ela (apaixonada, só não se deu conta ainda) e quer saber mais sobre a amiga, ou mesmo saber o que pensa sobre dado assunto, ou ainda o medo de estar sendo inconveniente ou incômoda (aquelas ansiedades bem típicas de apaixonados).

Precisava que os preços baixassem…
– Acima de tudo, precisamos que o salário das mulheres aumentem… nós somos menos remuneradas pelo mesmo trabalho.

Os capítulos são bem curtos, ficando ali na casa de 20 páginas (às vezes um pouco mais, às vezes um pouco menos) e a grosso modo, cada um conta uma pequena história ou encontro culinário das personagens. Todos esses capítulos são estruturados e bem conectados entre si, de forma a seguir uma história bem linear na sua trama. Um causo leva a outro e assim por diante. Eu gosto que por serem histórias curtas, pode-se ler o mangá de uma vez, porque não é uma leitura cansativa e também pode-se ler aos poucos, já que a estrutura do mangá também favorece essa maneira de se ler a obra.

E nesse aspecto de encontros culinários, a Sakaomi Yuzaki consegue deixar tudo muito saboroso e apetitoso. Ela desenha a comida muito bem! Tem pratos lindíssimos ao longo de todo o volume! Eu não sou particularmente um grande fã da culinária japonesa, porém vendo os (lindos) desenhos dos pratos feitos, realmente abre o apetite. ^^

– Está pronto!
– Saúde!
– Bom apetite!

A obra tem um clima bem leve, bem humorado e nestes dois primeiros volumes, exploram a amizade que vai se estabelecendo entre as protagonistas, que começa como um simples convite para comer em uma noite qualquer e que aos poucos, vai se tornando algo regular até chegar o ponto de uma procurar e convidar a outra para comer naturalmente. No final do segundo volume, as personagens começam a refletir sobre os sentimentos que possuem e creio que a partir do 3º volume (a obra está em andamento com 5), a autora irá começar a desenvolver mais da questão romântica entre elas.

No entanto, mesmo que a obra mantenha um clima leve e divertido, isso não impede que a Sakaomi Yuzaki vez ou outra trabalhe, mesmo que de forma superficial, com temas mais sérios. Eu mencionei as importunações que a Nomoto recebe no trabalho por ser uma mulher que gosta de cozinhar, mas também tem a relação complicada que a personagem possui com sua família, que faz pressão para que namore e se case com algum rapaz, e que por sinal, é o que faz a personagem meio que fugir da família. E do outro lado, temos a Kasuga que igualmente tem problemas com a sua família. Tem um capítulo inteiro dedicado a trabalhar um pouco do passado da Kasuga e o que a levou a sair de casa, sendo que há uma página em especial que é brilhante, em que ela reflete sobre como a casa da família se estruturava de forma que se cobrava dela que ajudasse na cozinha, enquanto que o seu irmão (e os outros homens da casa) podiam ficar sem fazer nada.

– Vocês irão sem mim?
– Por que… você faz como todo mundo?
* Mas crescendo, pouco a pouco… eu tomei consciência da diferença de tratamento entre meu irmão mais novo e eu. Me repreendiam se eu pedisse uma parte [de comida] do que ele havia recebido. *
– Minha pequena Totoko, venha nos ajudar na cozinha

A Sakaomi Yuzaki é muito ligada ao que acontece na sociedade e que claro, reflete nela por ser mulher, mas também estar atenta ao que ocorre na sociedade com a comunidade LGBTQIA+ do Japão. Não é à toa que ela doou os lucros de vendas de produtos oficiais da série para a Marriage For All Japan, uma associação que luta pelo casamento igualitário no Japão. Logo, é uma figura interessante para se acompanhar e que claro, traz para sua obra, as questões de preconceito na sociedade que vive.

A Nomoto e a Kasuga são uma dupla adorável. A Nomoto com o seu jeito todo expressivo, enquanto que a Kasuga é mais direta ao ponto e um pouco retraída, mas que tem seu charme. Como uma contrasta com a outra, a dinâmica funciona muito bem. Tem capítulos completamente adoráveis aqui e embora todos eles partam de um mesmo ponto (fazer e comer comida), tem uma variabilidade grande na condução da narrativa, porque são sempre pratos novos, como também tem os diálogos delas, em que elas estão sempre comentando algum assunto novo, algo que aconteceu com ambas naquele dia, do assunto mais banal ao mais sério. É ótimo em tudo o que está se propondo!

Elas são tão fofas!

Falando um pouco da autora agora, ela começou sua carreira no final dos anos 2010, publicando mangás BL. Seu primeiro trabalho publicado em revista foi “Francis Bacon no Renainou“, que estreou em novembro de 2017 Kyun da editora Cosmic Shuppan. A publicação foi concluída em 2018 e foi concluído em um volume único. No final de 2018, ela estreia “Kunieda-kun wa Kouzuki-san no Tokubetsu ni Naritai“, outro BL, mas dessa vez na revista NuPu, da editora Otomechika Shuppan. O mangá foi concluído em 5 capítulos e não chegou a receber um volume compilando os capítulos da obra. E em 2020, ela retorna a NuPu para lançar “Hairanakute mo, ii ja nai ka“, outro BL e este, ao contrário do anterior, foi compilado em volume único (lançado em fevereiro de 2021). E é em 2021 que ela estreia “Tsukuritai Onna para Tabetai Onna“, seu maior sucesso (até o momento). O mangá segue em publicação na Comic it (uma revista que aprecio muito) e conta com 5 volumes lançados e quase 1 milhão de cópias em circulação. Por curiosidade, no comecinho de 2021, a Sakaomi lançou um one-shot BL intitulado “Shin’ya 0-ji ni Hara ga Nari“, sobre um casal que come tarde da noite. ^^

Temos, respectivamente: “Francis Bacon no Renainou“, capa do 1° capítulo de “Kunieda-kun wa Kouzuki-san no Tokubetsu ni Naritai”, “Hairanakute mo, ii ja nai ka” e arte de capa de “Shin’ya 0-ji ni Hara ga Nari

(Espero que a Akata lance esses outros trabalhos dela e fiquei particularmente interessado no one-shot. Das imagens que vi, parece bem divertido também)


“Tsukuritai Onna to Tabetai Onna” é um Yuri excelente, divertido, com personagens carismáticas, cujo contraste de personalidade delas torna a experiência de acompanhar a série mais divertida, além de fofa. É uma ótima pedida para um romance leve que também trabalha com aspectos da sociedade e cutuca os problemas dela. Para quem nunca leu um Yuri e quer começar por algum lugar, esta pode ser uma boa recomendação. ^^

Era para esse texto ter sido lançado no dia 14 de fevereiro, no Dia dos Namorados, mas acabou não sendo possível, por alguns problemas criativos + correria pelo fim do semestre. Em todo caso, pelo menos consegui lançar o texto ainda em fevereiro. Abaixo vocês veem o vídeo mostrando a edição francesa do mangá e em sequência, a lista com todos os textos de apresentação que já fiz! Nos encontramos em março para mais um texto de apresentação! 🙂

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